Entrelinhas: «Acolher, escutar e acompanhar», os desafios do Simpósio

Iniciativa reuniu mais de uma centena de participantes, num Simpósio que aprofundou a “complexidade da realidade humana”, e apelou “ao escutar, acolher e acompanhar”

Apresentou-se como um espaço de “reflexão católico”, para não deixar “os jovens isolados nas suas questões”, e que tinha a pretensão de “abraçar a realidade dos jovens as suas dúvidas e desejos”, de modo a contribuir “para um discurso aprofundado acerca da sexualidade, na igreja e na sociedade”, afirmou ontem o assistente espiritual do Corpo Nacional de Escutas, padre Luís Marinho.

Ao longo de dois dias quase centena e meia de participantes do Simpósio «Sexualidade, afetividade e Identidade Pessoal», não deram “o tempo por perdido” e escutaram especialistas de várias áreas do saber apresentar “a complexidade do humano”, as suas várias dimensões, e as “inter-relações que constroem a identidade pessoal”, procurando integrar “a sexualidade não como uma parte do humano, mas como identificador da Pessoa”.

Somos uma só humanidade

“Num ponto a ciência e a religião estão de acordo: Somos uma só humanidade”, garantiu Américo Pereira, professor da Universidade Católica Portuguesa, nos «diálogos cruzados» acerca do ‘Lugar das Ciências’.

“A sexualidade, como outras caracteristias ontológicas humanas implica, envolve, penetra a pessoa como um todo. Não é genital nem tem de ser gentilizada”, afirmou.

O professor universitário destacou a complexidade da sexualidade humana, e a sua importância para a definição da própria pessoa.

“A sexualidade não é uma qualquer função parcial humana, sustentada por uma parte, mas a pessoa como um todo. O corpo é o ato concreto da presença da pessoa no mundo. Concomitantemente espiritual e física. A sexualidade, ativa ou passiva, confunde-se como que a pessoa é, em seu ato”, desenvolveu.

Já antes Susana Sá, professora de neurociência na Universidade do Porto, aprofundou o ‘Ser Pessoa’, a partir do cérebro e da influência do meio social, cultural e religioso.

“Existem, em termos cerebrais, diferenciação entre ‘machos’ e ‘fêmeas’. Existem diferenças no nosso cérebro para a mesma resposta e é clara a influência da cultura no definir, em muito, o que faz a diferença entre nós”.

“Não há nada no cérebro que diga algo acerca das chamadas definições de género. Estes estudos em humanos são diferentes do reino animal”, apontou a especialista que apresentou, em termos hormonais e neurológicos, o modo “como alguém se diz homem ou mulher”, de acordo com várias linhas de pensamento científico.

Identidade e autoconceito: A necessidade de acolher e escutar

Perante a complexidade o ‘Ser pessoa’, o psicólogo Carlos Costa, centrou o seu contributo na questão da «Identidade e do autoconceito».

“Quando nos interrogamos acerca do ‘Quem sou?’ temos de ter presente que esta é uma questão transcendental, e se constitui, em si mesmo, como uma trajetória”.

Partindo da “experiência do consultório”, o também dirigente escutista afirmou que “o saber quem sou, demora mais tempo a descobrir e é uma questão dinâmica".

"Somos seres societais, somos com o outro e no contacto com outro. Mais do que rótulos e teorias, que corremos o risco de colocar uns nos outros, precisamos de gerar empatia e compaixão”, apelou.

Doutrina Social da Igreja: Formar a consciência, não substituir

Juan Ambrosio, professor da Universidade Católica, aportou o contributo da «Doutrina Social» e centrou a sua análise nos "critérios" do evangelho e da prática cristã.

“O horizonte do pensamento social-cristão quer apresentar critérios, a partir de todas as linguagens, para que todos tenham voz numa sociedade global”.

Apontando os princípios da “dignidade da Pessoa Humana, do bem comum, da solidariedade e da subsidiariedade”, como centrais para o cristianismo, o docente desafiou os adultos educadores cristãos a “facilitar e contribuir para que cada um possa fazer o seu percurso”.

“Somos chamados a formar as consciências, não a substituí-las. Sempre no desafio de compreender melhor o evangelho para não corrermos o risco de cristalizar a mensagem”, apelou.

“Conservar a mensagem do Evangelho significa mantê-la viva e não enclausurada. Para isso necessitamos da leitura dos sinais dos tempos: da realidade cultural como lugar privilegiado. A cultura pode ser o lugar da ‘pericorese’, a penetração entre o divino e o humano”, concluiu.

Antropologia: Da responsabilidade e da liberdade ao ‘Ser em resposta a Deus’

Presente nos trabalhos o antropólogo Miguel Vale da Almeida afirmou que “na antropologia não existem verdades científicas”, e que o caminho que deve existir é o “da honestidade de falar sobre os temas, com seriedade procurando sistematizar a diversidade cultural” existente na experiência humana.

“Quando falamos de ‘género’, em antropologia, falamos do modo como certas culturas pensam e atribuem características várias ao que se entende por ‘ser homem e ser mulher’”.

Explicando a necessidade histórica de “ordenar as sociedades tendo em conta o aparecimento de novos seres humanos”, o especialista apelou a uma educação capaz de mesclar “liberdade e responsabilidade” de modo a ajudar os mais novos a crescer plenamente.

Para João Duque, pró-reitor da Universidade Católica Portuguesa, a visão bíblica acerca “do ser homem e ser mulher”, é influenciada “por uma determinada cultura” e por “uma ideia muito clara de que o ser humano é um ser de resposta a Deus e relaciona-se com Este”.

“O amor, na tradição hebraico-cristã, não se reduz ao desejo, ou ao afeto mas engloba todo o ser humano numa união entre desejo, afeto e vontade”, considerou.

Para o padre Jorge Cunha, professor de Teologia Moral na UCP-Porto, o religioso cristão tem tido um trabalho meritório “para melhorar o modo como as pessoas se relacionam com a sua sexualidade”.

“Cursos de preparação para o matrimónio, formações várias, aulas de Educação Moral e Religiosa Católica, são apenas alguns dos lugares concretos onde o papel da Igreja, neste domínio da sexualidade, é relevante. Temos que investir nestes lugares para melhorar a vida de pessoas, pois o que Jesus nos ensinou está, ainda e no limite, por viver”, afirmou.

Para o docente é importante “recuperar a Bíblia enquanto manancial de afetividade e sexualidade” para os dias de hoje.

“Cântico dos Cânticos, Daniel, ou Tobias são livros da história bíblica eticamente muito ricos. Colocam a mulher em cena e a espiritualidade do casal em destaque. O próprio Novo Testamento apresenta-nos uma fenomenologia do amor, quer na infância de Jesus, quer no encontro deste com tantas personagens”, desenvolveu.

Lamentando a influência “do estoicismo e do platonismo” na moral cristã o padre Jorge Cunha desafiou a uma educação para a sexualidade que “implique levar a pessoa de volta ao seu início”.

“Educar a pessoa não é nem ser progressista nem conservador. Precisamos de iniciar a pessoa para que vá ao lugar de origem. Voltar a Santo Agostinho, com o ‘ama e faz o que quiseres’, aprofundando o significado primeiro do ‘amor’ e a sua essencialidade para a afirmação do ‘eu’” completou.

Buscadores da Verdade em diálogo e discernimento

Na conclusão dos trabalhos o professor Jerónimo trigo desafiou os presentes a “debater as várias perspetivas”, e lembrou a intuição do Concílio Vaticano II de “tratar as temáticas à luz do Evangelho e da Experiência Humana”.

“Estar atento aos sinais dos tempos implica escutar todas as perspetivas e agir de acordo com o Evangelho. Temos de ter critérios para não ficarmos reféns de uma interpretação, legítima, mas circunscrita, e discernir tendo por base os critérios e os princípios e não as normas”, apelou.

“As palavras, e o modo como as usamos, contam. A palavra é preformativa e não apenas informativa. Apontar à Verdade implica percorrer um caminho onde se aceita, como sinal de maturidade, que nada está feito nem resolvido e que o discernimento é fundamental”, concluiu.

Os trabalhos do Simpósio terminaram com a Eucaristia presidida por D. Jorge Ortiga, arcebispo emérito de Braga e vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé.

A iniciativa contou com o apoio da Fundação Porticus, e tem como parceiros a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (UCP), o Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC), da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o Movimento Scout Católico e a Conferência Internacional Católica do Escutismo – Região Europa Mediterrâneo.

Educris|29.01.2023



Newsletter Educris

Receba as nossas novidades