Atos 15,1-2.22-29; Salmo 67; Apocalipse 21,10-14.22-23; João 14,23-29
1. O texto que o Evangelho deste Domingo VI da Páscoa (João 14,23-29) nos oferece enquadra-se naquele monumental Testamento que, no IV Evangelho, Jesus pronuncia, em ondas sucessivas, após a Ceia com os seus Discípulos (João 13,12-17,26). Neste imenso arco textual, cujas linhas temáticas ou de construção vêm e refluem e voltam a vir, à maneira das ondas do mar que vêm sobre a praia, refluem e voltam, assistimos hoje ao segundo dos cinco dizeres de Jesus relativos à Vinda do Espírito Santo, Paráclito (paráklêtos), isto é, Defensor [Advogado de defesa], Consolador e Intérprete. Este último significado deriva do aramaico paráklita, dos rabinos, que não tem o significado usual do grego (Defensor e Consolador), mas Intérprete, aquele que traduz Deus para nós e nós para Deus, fonte e ponte permanente de comunicação, compreensão e comunhão. O Espírito Paráclito é assim o grande construtor de pontes entre nós uns com os outros e com Deus. É, por isso, que Ele é o Amor, que destrói todos os muros, preconceitos, ódios, divisões, incompreensões. Eis os cinco mencionados dizeres de Jesus sobre a Vinda do Espírito Santo, sempre dita no futuro: João 14,16; 14,26; 15,26; 16,7; 16,13-15.
2. O primeiro enviado do Pai é o Filho Jesus, que cumpre e revela o conteúdo da própria missão. O segundo enviado é o Paráclito. O Pai é, em relação aos dois, o enviante; o Filho e o Espírito são, em relação ao Pai, ambos enviados, «as duas mãos do Pai», no belo dizer de Ireneu de Lião. Confrontando os textos, vemos que há semelhança da relação entre o Pai e o Paráclito com a relação entre o Pai e o Filho no que ao envio diz respeito: ambas são expressas pelo mesmo verbo «enviar» (pémpô). Mas, juntamente com a semelhança, deparamos também com diferenças. A primeira diferença está no facto de que, em relação ao Filho, o verbo enviar está no passado, encontrando-se no futuro em relação ao Paráclito. O envio de Jesus pelo Pai já se realizou [«o Pai que me enviou»: João 5,23.37; 6,44; 8,16.18; 12,49; 14,24; «Aquele que me enviou»: João 4,34; 5,24.30; 6,38.39.40; 7,16.28.33; 8,26.29; 9,4; 12,44-45; 13,20; 15,21; 16,5], enquanto que o envio do Paráclito é anunciado, mas deve ainda realizar-se [«o Pai enviá-lo-á no meu nome»: João 14,26], do mesmo modo que a sua tarefa de ensinar e de recordar aparece igualmente enunciada no futuro. A segunda diferença reside no facto de o envio de Jesus ser feito diretamente pelo Pai, sem intermediários, enquanto que o envio do Paráclito é feito pelo Pai mediante a intervenção de Jesus, traduzida pela expressão «no meu nome» (en tô onómatí mou) (João 14,26), mas também por outras indicações. Assim, em relação ao Paráclito, o próprio Jesus é também por duas vezes sujeito do verbo «enviar»: «Eu enviá-lo-ei de junto do Pai» (João 15,26); «Quando eu for, enviá-lo-ei para junto de vós» (João 16,7). O que se passa com o verbo «enviar» em termos de semelhança e diferenças, passa-se também com o verbo «dar» (dídômi): o Filho foi dado, verbo no passado, diretamente pelo Pai: «Deus (…) deu o seu Filho unigénito» (João 3,16); o Paráclito será dado, verbo no futuro, pelo Pai a pedido de Jesus: «Eu pedirei ao Pai, e Ele dar-vos-á outro Paráclito» (João 14,16).
3. Mas o texto de hoje põe Jesus a dizer que o Pai enviará o Paráclito, o Espírito Santo, em seu nome (João 14,26), isto é, mediante a sua intervenção. Jesus afirma também que não diz senão a Palavra do Pai (João 14,24), e que o Espírito Santo também não falará de si mesmo, mas apenas o que tiver ouvido (João 16,13). Assim, o Espírito Santo, que será enviado, ensinará todas as coisas e recordará tudo o que disse Jesus (João 14,26). Por outras palavras: receberá do que é meu e vos anunciará (João 16,14).
4. No Evangelho de hoje, Jesus fala ainda do amor, da escuta qualificada da sua Palavra, da habitação de Deus em nós, no meio de nós, da paz por Ele dada, que é diferente da paz que o mundo dá e como o mundo a dá. Ele pode dar a paz, porque «Ele é a paz» (Efésios 2,14). Ele não tem a paz. Ele é a paz. Portanto, a Paz bíblica é pessoal, tem um rosto e um nome: Jesus! A Paz bíblica é, portanto, o estilo pessoal de viver de Jesus, que podemos e devemos aprender, seguindo-o e imitando-o. Não, a Paz bíblica não é a paz romana, assente no poder das armas, nem a paz do judaísmo palestinense, assente nos acordos entre as partes. A Paz bíblica é um Dom de Deus! Portanto, mais do que conquistá-la, é preciso recebê-la, vivê-la e partilhá-la. Imenso desafio para o mundo de hoje.
5. A lição do Livro dos Atos dos Apóstolos (15,1-2.22-29) leva-nos ao incidente de Antioquia (15,1-2), que expõe uma divisão entre os judeo-cristãos e os gentio-cristãos, que provoca o Concílio de Jerusalém, em que o Espírito Santo e os Apóstolos Pedro e Paulo e Tiago se deram as mãos em sinal de comunhão («nós e o Espírito Santo») (15,28), para que o Evangelho fosse levado a todos os corações. O que importa é o Evangelho, e não as nossas diferentes maneiras de pensar!
6. O Apocalipse (21,10-14.22-23) traz-nos a imagem da Jerusalém nova, que desce do céu, com o brilho de uma pedra de jaspe, que é, no simbolismo do Apocalipse, o próprio Cristo. A cidade assenta os seus alicerces nos Doze Apóstolos do Cordeiro, e a luz que a ilumina é a luz de Deus. Aí está diante de nós a Igreja bela, alumiada por Deus, vestida por Deus, tu a tu com Deus, sem a mediação de um templo material, porque o seu Templo é Deus e o Cordeiro, que é Cristo.
7. O Salmo 67 é uma oração de bênção em forma de petição. Em termos técnicos, equivale a uma epiclese: não «eu te bendigo», mas «Deus nos bendiga». O nosso Salmo recolhe os temas da bênção sacerdotal de Números 6,24-26, como a graça, a luz, a benevolência, a paz, pondo o plural onde estava o singular, por assim dizer, «democratizando» a bênção, agora dirigida a todos, onde, na bênção sacerdotal do Livro dos Números, se dirigia apenas a Israel.
8. Diz, de forma absolutamente maravilhosa, o velho comentário rabínico aos Salmos, dito Midrash Tehillîm, que, quando Israel estava no Sinai para fazer aliança com Deus, «o ventre das mulheres grávidas se tornou transparente como vidro, para que os embriões pudessem ver Deus e conversar com Ele». Oh admirável mundo novo!
9. O Espírito Santo faz nascer em nós esta transparência luminosa e maravilhosa. Luz que alumia, e não engana, Amor, só Amor, nada mais que Amor. Vem, Espírito de Luz, construtor e Senhor das mais belas transparências e vivências. Precisamos tanto de Ti nesta calçada enlameada e escura e escorregadia em que andamos.
António Couto