III Domingo do Advento: «Engenharia Divina»

1. «Tendo João ouvido na prisão as obras de Cristo, por meio dos seus discípulos, mandou dizer-lhe: “És TU Aquele-que-vem, ou esperamos outro?” E respondendo, Jesus disse-lhes: “INDO (poreuthéntes), ANUNCIAI (apaggeílate) a João o que ouvis e vedes: os cegos veem e os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem e os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”» (Mateus 11,2-5).

2. João Batista não tem dúvidas de que Jesus é o Cristo, o Messias esperado. Se não tem dúvidas, então por que pergunta? Pergunta ou manda perguntar para dar a Jesus a oportunidade de se autoapresentar. É que João Batista representa o velho: «Todos os profetas e a Lei profetizaram até João» (Mateus 11,13). E Lucas acrescenta: «Daí para a frente é evangelizar o Reino de Deus» (Lucas 16,16). João Batista chegou ao limiar do Novo Testamento, e indicou em Jesus o Messias. Indica-o, mas não o sabe dizer, como o velho não sabe dizer o novo. O velho não tem vocabulário nem conceitos, não reúne competência, para poder dizer o novo, que é Jesus, o Cristo. E, porque não o sabe dizer, opta por dar a Jesus a oportunidade de ser Ele próprio a fazer a sua apresentação. A pergunta de João é, portanto, um sinal de sabedoria.

3. E a resposta de Jesus, acima transcrita, é clara, mas mais performativa do que informativa. De acordo com este belo e transformante dizer de Jesus, é o caudal da evangelização que chega até João. Que o mesmo é dizer: João é evangelizado! Ele é o primeiro «pobre», perseguido pelos poderosos, e, por esse motivo, metido na prisão de Maqueronte por Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, e tetrarca da Galileia (4 a.C-39 d.C.), responsável pela prisão e decapitação de João Batista (Lucas 3,20; 9,9). João denunciou abertamente os erros de Herodes Antipas, e este meteu-o na prisão. João não era um «cão mudo» (cf. Isaías 56,10), embriagado à beira da estrada. No escuro das paredes da prisão de Maqueronte, João recebe a «boa notícia» que abre os seus olhos. Permanecendo embora no escuro cárcere, João Batista recebe a vista de Jesus através da boa notícia que os seus discípulos lhe transmitem: ele é o primeiro «cego» que recebe a vista, o primeiro «preso» que é libertado, o primeiro «pobre» que é evangelizado!

4. Mas a resposta de Jesus vai ainda mais longe, e envolve os mensageiros enviados por João em verdadeiros mensageiros do Evangelho, que requer de todos nós uma nova, exigente e envolvente metodologia. Ao empregar o verbo «anunciar» ou «narrar» (apaggélô, hebraico higgîd) na missão que lhes confia: «INDO (poreuthéntes), ANUNCIAI (apaggeílate) a João o que ouvis e vedes: os cegos veem e os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem e os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados»), tudo no presente, Jesus está a dizer àqueles mensageiros que o Evangelho não se enuncia no passado, não é acerca de algo que já aconteceu, de alguém que já por cá passou. Com este procedimento, Jesus está a dizer-nos que não podemos anunciar o Evangelho com os verbos no passado, sem nos comprometermos a fazê-lo acontecer hoje. O Evangelho conta-se, anuncia-se e enuncia-se no presente. Envolve-nos e implica-nos em fazer acontecer o que vamos anunciar e narrar. Só assim é verdadeiro o testemunho do mensageiro, que se envolve em fazer acontecer o Evangelho; só assim o destinatário pode ser igualmente envolvido na mensagem que o atinge.

5. Em contraponto com o Messias anunciado por João Batista, que vem para julgar já e em força em Jerusalém, empunhando o machado (ver Mateus 3,10) e a pá de joeirar (Mateus 3,12), Jesus instala-se na Galileia, como Luz das Nações (Mateus 4,12-16, cumprindo Isaías 8,23-9,1). É lá que recebe os discípulos de João e de lá os envia de volta para João, como testemunhas de um mundo novo, frágil e feliz, inclusivo e não exclusivo (veja-se a predileção de Jesus pelos pobres, doentes e pagãos), que está a nascer, e em que Jesus se diz a si mesmo recorrendo a Isaías 29,18-19; 35,5-6 e 61,1.

6. «Orvalho de luz» (Isaías 26,19) ou de lume, palha incendiada, vida nova a rebentar dos quatro cantos do nosso mundo inerte, em que os vivos quase já não chegam para sepultar os mortos (Sabedoria 18,12). Luzes e vozes de alegria que abrem olhos engessados, rompem ouvidos rombos, entupidos por mato e por silvas, levantam paralíticos que saltam como filhotes de gazela (Isaías 35,6), desatam línguas de mudos e nós cegos que asfixiam corações! Tantos caminhos que se abrem para os deserdados que não têm caminhos, nem luz, nem uma mão ou voz amiga, nem música de dança para ouvir. Mais do que caminhos, são passadeiras floridas, jardins e avenidas (Sabedoria 19,3), tanto sonho, tanta água, tanta luz a irromper pelo deserto, oh Isaías 35,1-6!

7. A avenida florida é no deserto, engenharia divina, que transporta os seus filhos queridos da escuridão da Babilónia para a luz em flor de Jerusalém. «Ele mesmo, Deus, andará por essa estrada» (Isaías 35,8), esse caminho, essa avenida. Estrada santa, passadeira de luz e de sentido, engenharia divina!

8. Arrisca um passo nessa estrada divina, nessa estrada de luz e de graça, meu irmão do Advento. Encontrarás com certeza alguém que te levará até Belém. É importante que essa estrada de Amor, Perdão, Bondade, Justiça e Paz chegue à tua porta, à tua casa, ao teu coração. Do coração de Deus ao teu coração. Do teu coração ao coração do teu irmão.

9. Com paciência, persistência, humildade e amor. Sê como o camponês, que acaricia a semente, lavra a terra, visita o campo para ver crescer devagarinho a plantação. Vela também sobre o teu coração, para que não se torne duro e pesado. Vigia com amor, como quem está sempre à espera de alguém que ama, à espera do Senhor que vem. E pode vir na pessoa de um irmão. Não digais mal uns dos outros. Grande lição de Tiago 5,7-10.

10. Vê-se bem que o melhor e mais belo que anda por aí não é obra nossa. É engenharia de Deus a inundar de Luz este Domingo da Alegria! A nós compete-nos deixar entrar em nós esta torrente de Evangelho, e começar então a ver, sentir e dizer bem, belo e bom. Ajustar a esquadria do nosso coração por essa divina engenharia.

11. É assim que o Salmo 146, que é uma espécie de carrilhão musical, nos convida a cantar os «doze belíssimos nomes» de Deus, decalcando aqui a expressão muçulmana que exalta os «99 belíssimos nomes» de Allah. É claro que os doze nomes que passaremos em revista não celebram tanto a essência divina, mas a sua ação em favor das suas criaturas, sobretudo dos mais pobres e desfavorecidos. É assim que o Salmo evoca o Deus que fez o céu, a terra, o mar, o Deus Criador (1), o Deus da verdade (?emet) (2), o Deus que faz justiça aos oprimidos, defensor dos últimos (3), que dá pão aos famintos (4), que liberta os prisioneiros (5), que abre os olhos aos cegos (6), que levanta os abatidos (7), que ama os justos (8), que protege os estrangeiros (9), que sustenta o órfão e a viúva (10), que entrava o caminho dos ímpios (11), o Deus que reina eternamente (12). Este maravilhoso Salmo ajuda-nos saborear musicalmente toda a liturgia de hoje.

 

São estes os caminhos do Advento,

Cheiinhos do vento do Espírito,

Que derruba as folhas secas das árvores,

E nos faz ver

Que somos todos como a erva,

E a nossa glória não é mais do que a flor da erva.

Mas seca a erva e murcha a flor,

E nós passamos.

 

Sim, estamos de passagem.

Mas sentimos no rosto,

Ou talvez no coração,

A tua aragem mansa,

Que nos enche de paz e confiança.

 

O Advento é uma escola de esperança

E de oração,

De coragem e de alento.

O Advento é uma viagem

Até ao nascimento

Do menino de Belém,

Lá,

E dentro de nós também.

 

António Couto



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