Domingo XXXII do Tempo Comum: «Chegar com o controlo encerrado»

Sb 6,12-16; Sl 63; 1 Ts 4,13-18; Mt 25,1-13

1. O Evangelho deste Domingo XXXII do Tempo Comum é todo ele uma parábola (Mateus 25,1-13) e é introduzido com a fórmula típica das parábolas: «Então (tóte), o Reino dos Céus será semelhante (homoiôthêsetai)…» (v. 1a). O cenário é o de um casamento judaico tradicional. No último dia antes dos festejos, depois do pôr-do-sol, o noivo, acompanhado pelos seus amigos, à luz de tochas e ao som de cânticos, formando um cortejo, dirigia-se para a casa da noiva, que o esperava, acompanhada pelas suas amigas. Quando o cortejo do noivo chegava ao seu destino, a noiva abandonava a sua casa com as suas amigas, e formava-se então uma única comitiva luminosa e ruidosa, com danças e cantares, que se dirigia para a casa do noivo onde se celebrava o casamento e tinha lugar o banquete nupcial.

2. Depois da já referida introdução, o texto prossegue com a alusão ao grupo das jovens amigas ou damas de honra que acompanham a noiva que aguarda a chegada do cortejo do noivo. Note-se, porém, que a noiva nunca é referida no texto. Em vez da noiva, são as amigas da noiva que aparecem à boca da cena, e são estranhamente divididas em dois grupos, iguais em número, mas não em qualidade: cinco são qualificadas de sensatas (phrónimoi) e cinco de insensatas (môraí) (v. 2). O noivo, por sua vez, não segue o ritual previsto, pois atrasa-se muito para além da hora habitual (v. 5).

3. O facto de a parábola aparecer formulada no futuro, e o facto de o noivo atrasar a sua chegada muito para além da hora habitual, confere a esta parábola um tom claramente escatológico. Jesus, que está sentado no monte das Oliveiras desde Mateus 24,3, fala aos seus discípulos, não de como as coisas são agora, mas de como serão na Parusia do Filho do Homem. Esta perspetiva de futuro é salientada por aquele «Então» introdutório, que remete para trás, para o «dia» e a «hora» que marcam o ritmo do discurso e do andamento do mundo desde 24,36: só o Pai conhece esse dia e essa hora. A paráboa apresenta, então, o cenário da Parusia eventualmente diferida, mas que chega de improviso. A função das virgens chamadas a ir ao encontro do noivo remetem para os amigos do noivo, de que fala Jesus em 9,15, esclarecendo a identidade do noivo, Jesus, e dos que o seguem, os seus discípulos. Mas a enunciação desta parábola no futuro e a terminologia usada remetem ainda para 7,24-27, em que Jesus diz, em forma de parábola: «Aquele que escuta as minhas Palavras e as faz será semelhante (homoiôthêsetai) a um homem sensato (phrónimos) que construiu a sua casa sobre a rocha» (7,24) (…), «mas aquele que escuta estas minhas Palavras e não as faz será semelhante (homoiôthêsetai) a um homem insensato (môrós), que construiu a sua casa sobre a areia» (7,26).

4. Dado o atraso, inesperado, do cortejo do noivo, as amigas da noiva acabam por adormecer todas, não se notando, neste particular, qualquer diferença entre os dois grupos já identificados das sensatas e das insensatas. Até que, no meio da noite, também inesperadamente, a vozearia do cortejo do noivo faz acordar, estremunhadas, as amigas da noiva, e é só agora que se notam as primeiras dissonâncias no comportamento dos dois grupos: as sensatas, juntamente com as suas tochas, necessárias para entrar na luminosa comitiva noturna, levam também o indispensável combustível: o azeite. A arqueologia tem mostrado estas antigas tochas em uso nos cortejos nupciais do mundo Mediterrânico de então, bem como o seu funcionamento: um suporte de madeira em cuja cavidade superior se introduziam trapos e estopa, que eram então embebidos em azeite, e acesos só na hora de sair para o exterior. São, na verdade, luzes de exterior, que nada têm a ver com as lucernas de interior do período Herodiano, que produziam pouca luminosidade. Depois de embebidas em azeite, e acesas, o seu tempo de duração era de cerca de quinze minutos. Pelo que só deviam ser acesas imediatamente antes de sair. E, ainda assim, se a viagem demorasse, devia transportar-se também a vasilha do azeite, para não se correr o risco de a tocha se apagar. É este segundo aspeto que separa as jovens insensatas das sensatas. O problema não reside no facto de umas estarem a dormir e outras acordadas, pois é referido que todas as virgens, as sensatas e as insensatas, tinham igualmente adormecido.

5. Com as tochas apagadas e sem o indispensável azeite, as jovens insensatas não puderam integrar o cortejo nupcial, que se dirigia para casa do noivo, que era habitualmente a casa dos seus pais. Enquanto foram comprar o azeite (pouco importa numa parábola que houvesse lojas abertas àquela hora), pôs-se em marcha o cortejo até à casa do noivo, deu-se início ao banquete e fechou-se a porta. Mais tarde, chegaram também as jovens insensatas, e disseram: «Senhor, Senhor, abre-nos a porta» (v. 11). A resposta, porém, surge com mais estrondo que o fechar da porta, e soa assim: «Em verdade vos digo que não vos conheço» (v. 12). Tendo em atenção os usos e costumes dos casamentos de então, a festa prolongava-se por sete dias e dificilmente a porta se fechava, pois era habitual irem chegando novos convidados. Mas trata-se sempre obviamente da exclusão daquelas virgens insensatas da alegria da luz e da festa e de serem atiradas para a escuridão, por terem, com o seu comportamento desleixado, insultado os noivos e os seus convidados e estragado a festa sagrada de um casamento.

6. Para se entender bem o alcance das locuções «Senhor, Senhor» e «não vos conheço», importa reler atrás, no Discurso programático da Montanha, Mateus 7,21-23: «Não todo aquele que me diz “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: “Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos e em teu nome que expulsámos demónios e em teu nome que fizemos muitos milagres?” Então eu lhes declararei: “Nunca vos conheci”».

7. E a propósito do bom conhecimento, importa revisitar ainda Mateus 12,48-50, para descobrir uma nova família, que são as pessoas que melhor conhecemos: «“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” E estendendo a sua mão para os seus discípulos, disse: “Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem faz a vontade do meu Pai que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”». O lapso trivial das jovens insensatas que se esqueceram de levar consigo o necessário azeite pode ser a manifestação de um falso conhecimento, o que pode significar que não fazem parte da família de Jesus. Não basta dizer. É necessário fazer.

8. Este noivo que demora a vir é o Senhor. O tempo da sua demora é o tempo que, por graça, nos é dado a todos para estarmos sempre prontos, preparados e operosos. Afinal, as jovens insensatas também sabiam bem o que era necessário, tanto que acabaram por cumprir o programa e chegaram à meta. Só que tarde e a más horas, e o controlo já estava encerrado.

9. O texto do Antigo Testamento que serve de espelho ao Evangelho de hoje, que fala do noivo, da luz e da vigilância, é o texto do Livro da Sabedoria 6,13-18. Saúda-se já por termos hoje a graça de escutar um bocadinho deste Livro delicioso, que poucas vezes encontramos na Liturgia. Alegramo-nos ainda porque encontramos neste bocadinho de pão da Sabedoria o amor, a luz, o conhecimento, a busca incessante, o encontro feliz. Na verdade, a Sabedoria em Deus é Deus, e constitui uma figura simbólica que indica o amor de Deus, amor nupcial, transformante, unitivo. A Sabedoria é Luz divina inalterável; portanto, Vida divina inalterável. Apresenta-se como uma esposa que vem ao nosso encontro, tomando a iniciativa do Amor. Portanto, a Sabedoria é Graça preveniente, concomitante, consequente, que desposa cada fiel, e todos os fiéis reunidos em comunidade. Trabalho do Amor é a Sabedoria, que atravessa o Novo Testamento como Sabedoria Incarnada. Dá-nos, Senhor, a tua Sabedoria sempre diligente. Ensina-nos a bem contar os nossos dias (Salmo 90,12) e a saber cantar as nossas alegrias. Vem, Senhor Jesus!

10. Escutamos e escrutamos uma vez mais um grande e claro texto da Primeira Carta aos Tessalonicenses 4,13-18, saído da pena de S. Paulo que, de Corinto, capital da Acaia, da casa de Priscila e Áquila, onde estava hospedado, escreve aos cristãos de Tessalónica, capital da Macedónia, certamente respondendo a dúvidas que de lá lhe foram trazidas e reportadas. No extrato de hoje, trata-se de saber se a força da ressurreição de Jesus Cristo (cf. Filipenses 3,10) também chega àqueles que já morreram. O texto diz bem, como ainda hoje nós usamos dizer na liturgia, aqueles que adormeceram em Cristo, usando o verbo grego koimáomai, em cuja raiz está também koímêsis [= sono] e koimêtêrion [= cemitério], que é o dormitório, o lugar onde se dorme. A resposta de Paulo é clara: com a vinda do Senhor, e à sua voz de comando, todos ressuscitaremos com Ele, os mortos [= os que dormem] e os vivos. Sim, vem a hora, e é agora, em que os que morreram ouvirão a voz do Filho de Deus, e viverão (cf. João 5,25 e 28). Não nos deixemos, portanto, habitar pela tristeza, porque temos connosco a esperança, que nos atira para além do horizonte das mais elementares leis da natureza. O neopaganismo em que vive atolada esta sociedade vende uma finitude, em que o finito, o defunto, que é aquele que deixou de funcionar, deve ser assumido como tal, ponto final. O Cristianismo também sabe desta finitude, mas enquanto a finitude neopagã é vista como natural, nós, cristãos, vemo-la como criatural. Então, no Cristianismo, o homem tem um fim, não por ser mortal, mas por ser criado. E, portanto, a nossa finitude cristã está fundada sobre o Criador, e não sobre nós mesmos. A maneira de ver neopagã não tem saída, nem a quer ter, nem a pode ter. Ao contrário, a ótica cristã remete para o Criador, deixando-nos, portanto, no terreno firme da esperança e da confiança.

11. O Salmo 63 é conhecido como «o cântico do amor místico», atravessado por uma apaixonada intensidade, bem expressa na primeira afirmação ou declaração de amor à boca do Salmo, mas que enche, de resto, o Salmo inteiro: «O meu Deus és Tu» [?elî ?attah], a que responde e corresponde Deus em Isaías 43,1, declarando: «Para mim tu és» [?attah]. Todo o resto no Salmo 63 assenta sobre esta certeza: Ele é o meu Deus, e eu sou d’Ele. A minha vida recebida (naphshî), por quatro vezes no Salmo referida (v. 2.5.9.10) agarra-se amorosamente (dabaq) a Ti (v. 9), canta o teu amor, vive de Ti, tem sede de Ti, como cantaremos no refrão. A beleza, intensidade e espiritualidade que atravessam este Salmo ganham visibilidade na liturgia bizantina das manhãs de Domingo, e os v. 3-6 entram no cânone eucarístico armeno.

António Couto

 



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