Domingo XXVIII do Tempo Comum: «Todo o Dom perfeito vem de Deus»

Is 25,6-10a; Sl 23; Fl 4,12-14.19-20; Mt 22,1-14

1. No seguimento dos dois Domingos anteriores (XXVI e XXVII), também neste Domingo XXVIII do Tempo Comum, os chefes religiosos e civis judaicos continuam na mira de Jesus. O Evangelho deste Domingo é retirado de Mateus 22,1-14. Já quando ouviram as duas parábolas anteriores – a dos «dois filhos» (Mateus 21,28-32) e a dos «vinhateiros homicidas» (Mateus 21,33-43 –, perceberam bem que as palavras de Jesus se dirigiam a eles, e, parafraseando Jorge Luis Borges, perceberam também que as palavras de Jesus estavam carregadas como uma arma. O narrador informa-nos, de resto, no final, que «os chefes dos sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas parábolas, perceberam que Jesus se referia a eles, e procuravam prendê-lo», e que só não o fizeram por «receio das multidões, que o tinham por profeta» (Mateus 21,45-46).

2. É importante, para o leitor, esta última informação do narrador, pois o texto de hoje, que segue imediatamente os anteriores, começa assim: «E, respondendo, Jesus disse-lhes novamente em parábolas» (Mateus 22,1). Ficamos então a saber que o novo dizer parabólico de Jesus serve de resposta aos pensamentos e planos violentos que as parábolas anteriores desencadearam nos chefes judaicos.

3. E segue a primeira, estupenda parábola, que parte da afirmação da semelhança do Reino dos Céus a um banquete nupcial que um Rei fez para o seu filho. «Reino dos Céus», usual em Mateus, é uma circunlocução para dizer «Reino de Deus». E a figura do Rei é muitas vezes usada no Antigo Testamento e no judaísmo para designar Deus. E o verbo «fazer» evoca imediatamente o relato da criação (Génesis 1,1-2,4a), em que o verbo fazer se conta por dez vezes. E o filho do Rei, para uma audiência cristã da parábola, designava de imediato Jesus. E o banquete nupcial feito pelo Rei é uma imagem fortíssima de festa e de alegria, tantas vezes anunciado pelos profetas (veja-se, por exemplo, a lição de hoje do profeta Isaías 25,6), e impacientemente aguardado pelos judeus piedosos. É seguro: ser convidado e poder participar num banquete assim era um sonho para qualquer judeu piedoso!

4. Atravessam o texto várias surpresas. Primeira surpresa: quando o Rei enviou os seus servos a chamar os CONVIDADOS para o banquete, estes não queriam (ouk êthelon: impf. de thélô) vir (Mateus 22,3). O uso do imperfeito indica duração; não se trata, portanto, de um ato, mas de uma atitude: nem hoje, nem amanhã, nem em dia nenhum. E o uso do verbo querer deixa claro que se trata de uma ação voluntária, e não de uma qualquer predisposição ou sentimento. Mais ainda: que a ação é deliberada, fica patente no facto de o Rei ter enviado outros servos para voltar a chamar os CONVIDADOS, e estes nem sequer prestaram atenção, indo cada um à sua vida (Mateus 22,4-5). E os restantes ainda maltrataram e mataram os servos do Rei (Mateus 22,6).

5. Note-se ainda que foi o próprio Rei que preparou (hêtoímaka: perf. de hetoimázô) o banquete, empenhando-se pessoalmente nele (Mateus 22,4). O verbo preparar está colocado em lugares-chave em Mateus: veja-se 3,3: «Preparai o caminho do Senhor»; 25,34: «Vinde, benditos de meu Pai, recebei o Reino preparado para vós…; 26,17.19: preparar a Páscoa.

6. Este cuidado meticuloso posto pelo Rei na preparação do seu banquete para nós parece esbarrar depois na brutalidade com que se irou (ôrgísthê: aor. de orgízomai), enviou as suas tropas, matou aqueles homicidas e incendiou a sua cidade (tên pólin autôn) (Mateus 22,7). O sentido voa aqui em duas direções: primeira, o uso do aoristo (passado em português, itálico no texto acima) em todos os verbos gregos mostra que «a sua ira dura apenas um momento», como diz o Salmo 30,6; segunda, o castigo descrito retrata e interpreta os acontecimentos dramáticos bem conhecidos do ano 70 d.C. (destruição do Templo e da cidade de Jerusalém pelos generais romanos Vespasiano e Tito). Não deve passar despercebido que a cidade de Jerusalém, normalmente dita a cidade de Deus, é aqui depreciativamente catalogada como a sua (deles) cidade. Deles, dos chefes judaicos. Deus abandonou a sua cidade!

7. Segunda surpresa: as sucessivas e gradativas recusas dos CONVIDADOS não desarmam o Rei, que DIZ (légei) então aos seus servos (Mateus 22,8): IDE às encruzilhadas dos caminhos, e TODOS os que encontrardes, chamai-os para o banquete (Mateus 22,9). Os servos saíram, e reuniram TODOS os que encontraram, maus e bons (Mateus 22,10). Missão universal que brota do amor fontal de Deus-Pai (Ad Gentes, n.º 2). E foi assim, por nova, excessiva e a todos os títulos surpreendente iniciativa do Rei, que se encheu a sala do banquete. Note-se o novo DIZER do Rei, posto no presente histórico: «diz então aos seus servos» (Mateus 22,8), que marca um primeiro ponto alto no relato. Note-se ainda que o intervalo militar verificado parece não ter esfriado a comida daquela mesa sempre posta!

8. Terceira surpresa: o Rei entra, vê «um homem» sem o traje nupcial, e expulsa-o da casa alumiada para as trevas cegas e as lágrimas vazias. Que o homem não tenha o traje nupcial é surpresa para o Rei, que não para nós, leitores. Para nós, a surpresa é que TODOS os outros, maus e bons, tenham o traje nupcial, uma vez que foram como que arrastados à pressa e à força dos caminhos lamacentos dos seus trabalhos! Como é que ainda conseguiram vestir o traje nupcial, não deixa de ser surpreendente para nós! Para o Rei, é aquele «um homem», que não vestiu o traje nupcial, que causa surpresa! E chegamos ao segundo ponto alto do relato, marcado também pelo verbo DIZER no presente histórico. De facto, o Rei trata aquele «um homem» cordialmente, e DIZ-lhe (légei autô): «Amigo» (hetaîre), apelativo que só Mateus usa no Novo Testamento (20,13; 22,12; 26,50), e que apenas é usado quando se aborda alguém de forma muito cordial, de forma especialmente cordial. A este amigo (hetaîros), o Rei concede, mediante esta última abordagem direta e cordial, uma última oportunidade de se dizer, isto é, de reconhecer o seu desarranjo interior e de mudar a sua vida.

9. Oportunidade desperdiçada, pois o homem simplesmente não responde. Ficou calado e petrificado (Mateus 22,12). Note-se o mesmo tratamento de Jesus para com Judas naquela noite escura, mas ainda à beirinha da Luz: «Amigo (hetaîre), para que estás aqui?» (Mateus 26,50). Judas também não respondeu.

10. É aqui que a parábola nos atinge a TODOS em cheio. Vistas bem as coisas, e poucos se aperceberão disto, só o Rei fala nesta parábola. E se ouvirmos bem, DIZ-nos: «Amigo!…». Vem ao nosso encontro, e concede-nos, quem sabe, a última oportunidade de mudar a vida.

11. A razão daquele homem não usar o traje nupcial. 1) Não o usa devido à técnica do arrasto que o apanhou desprevenido e sem tempo para ir a casa ao menos para lavar a cara e mudar de roupa. Este é o entendimento banal e superficial da parábola, que nos rouba as verdadeiras chaves de leitura e nos leva para leituras mais ou menos moralizantes! 2) Também não podemos explicar o não uso do traje nupcial recorrendo, como é habitual, a motivos também moralizantes traduzidos em comportamentos menos dignos. Esse motivo e essas pessoas (os CONVIDADOS) já foram excluídos (cf. Mateus 22,8), e é-nos dito expressamente que os servos daquele rei levaram agora para a sala do banquete todos os que encontraram, maus e bons (cf. Mateus 22,10); se foram levados todos, maus e bons, é difícil suportar aqui uma leitura moralizante. 3) Não é, portanto, pelo facto de ser mau ou andar distraído que aquele homem não usa o traje nupcial. 4) Procuremos então outro caminho: aquele homem não usa o traje nupcial, porque não o quis receber. O traje da festa não se vai buscar a casa; tão-pouco traduz a nossa bondade ou qualquer mérito nosso. Está antes disso e antes de nós. É um presente do Rei à entrada da sala do banquete, à entrada para o palco da vida. É verdade que, no nosso mundo ocidental, são os convidados que levam os presentes. No mundo oriental, quem convida é que costuma oferecer presentes aos convidados, entre os quais se pode contar o vestido da festa, isto é, a vida dada por Deus. A ideia foi muito veiculada por Agostinho, mas aqui é necessário ir um pouco além de Agostinho. Não convém, portanto, materializar o vestido, e ver nele apenas uma peça de roupa! É sabido que, no mundo bíblico, o vestido significa a vida. Ao fundo da cena está sempre a nossa vida dada por Deus e que deve ser por nós com alegria recebida. Ao fundo da cena está, portanto, sempre Deus de mãos abertas, que reclama as nossas mãos também abertas.

12. Nunca nos esqueçamos então de que é de Deus toda a verdadeira iniciativa. Nunca nos esqueçamos também de começar sempre por receber: em relação a Deus somos sempre recebedores. E de gastar o resto do tempo que nos for dado a agradecer e a partilhar.

13. De banquete para banquete. Aí está a pena de Isaías, na lição de hoje (25,6-10), a descrever um banquete por Deus oferecido a todos os povos (kol-ha?ammîm) e um mundo novo aberto aos olhos de todas as nações (kol-haggôyim) e de todos os rostos (kol-panîm), carinhosamente limpos de lágrimas, tudo sobre este monte (bahar hazzehpreparado (Isaías 25,6-8). Este magnífico cenário reclama ainda Isaías 56,1-8, e a extraordinária elevação e inclusão dos extrangeiros no povo de Deus, dignos de subir ao «monte da minha santidade» (har qodshî) e de entrar na «casa da minha oração» (bêt tephillatî) (v. 7), assim definitivamente transformada em «casa de oração para todos os povos» (bêt-tephillah lekol-ha?ammîm) (v. 7). Declaradamente, fica patente a oposição entre «os jardins» e os lugares altos com árvores frondosas, por um lado, e o «monte do Senhor», o «monte da minha santidade», por outro, confirmando a função do «monte», purificado de maldade e violência, em Isaías 65,11.25. Texto tardio que abre diante de nós, não apenas as portas de Sião, mas as portas da casa de Deus.

14. A Carta aos Filipenses, que continuamos a ler aos bocadinhos (4,12-20), como se de pão para a boca se tratasse, continua a mostrar-nos Paulo empenhado na sua missão dia após dia, sem se preocupar, como pediu Jesus, com o que havia de comer ou de vestir (cf. Mateus 6,25). Mostra-se reconhecido e agradecido à comunidade querida de Filipos, mas toda a sua confiança está posta em Deus, a quem dirige a sua bela doxologia final: «A Deus, e nosso Pai, a glória pelos séculos dos séculos, amém».

15. Deixemos, entretanto, ressoar em nós a música sublime do Salmo 23, e deixemo-nos conduzir pela mão carinhosa e pela voz maternal e melodiosa do Bom e Belo Pastor. Sim, Ele recebe bem os seus hóspedes: faz-nos uma visita guiada pelos seus prados muito verdes, cheios de águas muito azuis, unge com óleo perfumado a nossa cabeça, estende no chão do seu céu a «pele de vaca» (shulhan), que é a sua mesa, serve-nos vinhos generosos… Outra vez o banquete preparado! Confessou o filósofo francês Henri Bergson: «As centenas de livros que li nunca me trouxeram tanta luz e conforto como os versos do Salmo 23».

16. De banquete para banquete para banquete! Não nos esqueçamos de ver em contraluz o Banquete da Eucaristia em que hoje, Domingo, dia do Senhor, temos a graça de participar.

António Couto



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