Domingo XXVII do Tempo Comum: «Toda a autoridade vem de Deus»

Is 5,1-7; Sl 80; Fl 4,6-9; Mt 21,33-43

1. Como já anotámos no início do Comentário ao Evangelho do Domingo passado (XXVI do Tempo Comum), Jesus encontra-se no Templo, no grande Átrio dos Pagãos (13,5 hectares). Tinha acabado de expulsar daí vendedores e compradores (Mateus 21,12), tinha curado cegos e coxos (Mateus 21,14), e tinha sido aclamado pelas crianças com o hino de colorido messiânico: «Hossana ao Filho de David!» (Mateus 21,15). Vendo e ouvindo tudo isto, vieram ao encontro de Jesus as autoridades judaicas, religiosas e civis, nomeadamente os «chefes dos sacerdotes» e os «anciãos do povo». Nada de estranho, pois competia a estas autoridades velar e zelar pela boa ordem no Templo, sobretudo no vasto Átrio dos Pagãos, onde era usual surgirem mestres e pregadores de toda a espécie e feitio. As referidas autoridades judaicas aproximam-se de Jesus e pedem-lhe, por assim dizer, as suas credenciais: «Com que autoridade fazes estas coisas, e quem te deu essa autoridade?» (Mateus 21,23). A estas perguntas, Jesus não respondeu diretamente, mas avançou também ele uma pergunta prévia, condicionando a sua resposta ao facto de os seus interlocutores responderem à questão que Ele ia pôr, método muito em voga neste tipo de discussões e disputas. Recuperamos aqui a pergunta de Jesus aos seus interlocutores: «O batismo de João de onde (póthen) era? Do céu ou dos homens?» (Mateus 21,25). Os chefes dos judeus conversaram entre si, e concluíram que a pergunta de Jesus era uma armadilha, pois fosse qual fosse a resposta que dessem, ficavam sempre entalados. Se dissessem que era do céu, Jesus retorquir-lhes-ia: «Então por que não lhe destes ouvidos?»; se dissessem que era dos homens, seria o povo que lhes cairia em cima, pois todos consideravam João como profeta. Por isso, diplomaticamente responderam: «Não sabemos», o que levou Jesus a responder à questão que lhe tinham posto: «Também Eu não vos digo com que autoridade faço estas coisas» (Mateus 21,27).

2. Chegados a este ponto, Jesus dispara contra os seus interlocutores três parábolas seguidas, que formam um bloco textual maciço (Mateus 21,28-22,14), sem intervalos e sem tempo para respirar: a «parábola dos dois filhos» (Mateus 21,28-32), a «parábola dos vinhateiros homicidas» (Mateus 21,33-46) e a «parábola do banquete nupcial» (Mateus 22,1-14). No Domingo passado (XXVI) foi-nos dado escutar a «parábola dos dois filhos» (Mateus 21,28-32). Neste Domingo XXVII, escutaremos a «parábola dos vinhateiros homicidas» (Mateus 21,33-43), que começa por descrever os gestos de amor embevecido de DEUS pela sua vinha, seguindo de perto o cântico da vinha, de Isaías 5,1-7 que, por sinal, também teremos a graça de escutar na liturgia deste Domingo. Depois de descrever os gestos de amor pela sua vinha, o texto continua de forma incisiva, introduzindo novas personagens: os VINHATEIROS violentos e assassinos são os chefes religiosos e civis (chefes dos sacerdotes e anciãos do povo…), dado que estas parábolas são a eles dirigidas (Mateus 21,23), e são eles que, no final, reagem a elas (Mateus 21,45-46). Os SERVOS, sucessivamente enviados por DEUS e maltratados pelos homens, são os profetas, todos assassinados, segundo o módulo narrativo mais breve de toda a Escritura (Mateus 23,34-35; cf. Lucas 11,50-51). O FILHO tem muitas coisas em comum com os SERVOS: também Ele é enviado, ainda que seja o último enviado, também vem recolher os frutos, e é igualmente assassinado de modo violento. Salta à vista que este FILHO é JESUS, prolepse do que está para lhe acontecer.

 

3. Os CHEFES DOS SACERDOTES e os ANCIÃOS DO POVO, a quem a parábola está a ser contada são, neste ponto da parábola, apanhados na pergunta sem saída de JESUS: «Quando vier o dono da vinha, que fará com esses VINHATEIROS?» (Mateus 21,40). Eles respondem fácil e direto, ao jeito de David, quando ouve a história da ovelhinha do pobre, roubada e comida à mesa do rico (cf. 2 Samuel 12,5-6): «Mandará matar sem piedade esses malvados, e arrendará a vinha a OUTROS VINHATEIROS, que lhe entreguem os frutos a seu tempo» (Mateus 21,41). E Jesus remata com uma citação do Salmo 118,22: «A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular» (Mateus 21,42). E ainda: «O Reino de Deus ser-vos-á tirado, e confiado a UM POVO que produza os seus frutos» (Mateus 21,43). Nesta altura, diz-nos o narrador, que «os chefes dos sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas parábolas, perceberam que JESUS se referia a eles, e procuravam prendê-lo…» (Mateus 21,45-46).

4. Descodificando a parábola: o dono da vinha, que a trata com tanto carinho, é DEUS. A vinha é Israel: sem equívocos: «A vinha do Senhor é a Casa de ISRAEL» (Isaías 5,7). Os SERVOS, que são enviados, são os PROFETAS, como refere com acerto Jeremias 25,4. Os chefes dos sacerdotes e os anciãos dos judeus, escribas, fariseus, etc., que não cuidam da vinha e maltratam todos os enviados veem-se claramente alinhados com os VINHATEIROS violentos e assassinos. Mas já, entretanto, se vislumbra no horizonte OUTRO POVO e OUTROS VINHATEIROS, à imagem do último Profeta e dele verdadeira transparência. Então, sim, a vinha do Senhor, novo Israel de Deus (Gálatas 6,16), será devidamente cuidada e dará os frutos esperados. Não nos esqueçamos de que é aqui que nos devemos encontrar, deve ser este o nosso retrato, somos nós a vinha do Senhor, reunida à volta do último enviado de Deus, que fará frutificar a sua vinha.

5. Se repararmos bem, esta Parábola faz passar diante de nós a inteira história da salvação, mostra-nos o amor permanente e persistente de Deus, e o modo em que esse amor se manifesta através dos Profetas que nos são enviados, mas deixa igualmente à vista o modo violento como os temos tratado. Por fim, depois de uma longa lista de Profetas, é enviado o próprio Filho de Deus, que terá a mesma sorte dos Profetas. E a culpa cai sempre sobre nós. Agora, que tudo vai ficando mais claro, faz-se ver a nós também a qualidade do amor da resposta que somos hoje chamados a dar, uma vez que somos informados que a vinha será entregue a um povo novo, que saberá cuidar dela. E somos seguramente chamados a tornar a vinha de Deus uma maravilha deliciosa e apetitosa, jovem, leve e bela. Mais ou menos como canta um apócrifo de origem judeo-cristã, de finais do séc. I ou princípios do II d.C., o Apocalipse Siríaco de Baruc: «A terra dará fruto, dez mil por um. Cada videira terá mil ramos, cada ramo mil cachos, cada cacho mil bagos, cada bago centenas de litros de vinho!». Alegria a transbordar.

6. O soberbo cântico de Isaías 5,1-7 dá o tom e o aroma da vinha e do amor a este Domingo XXVII do Tempo Comum. O Senhor da vinha e do amor, que é Deus, tratou com infinito desvelo a sua vinha, que é o seu povo, o povo de Israel e de Judá, e somos nós, como se pode ver neste belo «cântico da vinha» de Isaías 5,7: plantou-a numa colina solarenga com castas selecionadas, cavou-a, limpou-a, amou-a, fê-la crescer ao ritmo de música de embalar. Todavia, a vinha assim amada e acariciada produziu agraços, em vez de uvas doces e saborosas. O Cântico di-lo numa extraordinária aliteração hebraica: «Deus esperava mishpath [= retidão],/ e eis mispah [= sangue derramado];/ tsedaqah [= justiça],/ e eis tse?aqah [= gritos de socorro]» (Isaías 5,7). Depois de uma lírica serena e tranquila, eis-nos agora perante o lamento de um camponês desiludido, de um amante traído, de um amor dorido, não correspondido. Assim é a história da vinha do Senhor.

7. O mesmo canto, ao mesmo tempo dorido e belo, atravessa o Salmo 80,9-17, que canta a videira, e conta a história da videira, que simboliza Israel. Contando a história desta videira, o poeta está, na verdade, a fazer uma autobiografia de Israel. Estava plantada no Egito, de onde Deus a arrancou para a transplantar para outra terra (v. 9). Aí lançou raízes, cresceu e atingiu tais dimensões que a sua folhagem verde cobria todo o mapa de Israel (v. 11 e 12). Mas também aí conheceu o abandono e foi devastada pelo javali, símbolo de impureza pela sua semelhança com o porco. Se, em Isaías 5,1-7, era Deus que se queixava da sua vinha que já não respondia ao amor primeiro de Deus, agora é a vinha que se sente abandonada, e chora o estado de desolação em que se encontra, mas entrecorta o seu lamento com um belo refrão, pedindo a Deus que se levante e volte atrás, que lhe faça graça e a salve (v. 4.8.15.20). É o caminho do Perdão e da Salvação.

8. Outra vez Paulo e as palavras de antologia que nos dirige na Carta aos Filipenses 4,6-9, que hoje temos a graça de escutar: «Tudo o que é verdadeiro e nobre, tudo o que é justo e puro, tudo o que é amável e de boa reputação, tudo o que é virtude e digno de louvor é o que deveis ter no pensamento» (Filipenses 4,8). E coloca-se como modelo a imitar: «O que aprendestes, recebestes e vistes em mim, isso fazei» (Filipenses 4,9). Já se sabe que por detrás de Paulo está Cristo, que é a sua vida (cf. 1 Coríntios 11,1).

António Couto



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