Senhora de Janeiro

1. Mãe de Deus, Senhora da alegria, Mãe igual ao dia, Maria. A primeira página do ano é toda tua, Mulher do sol, das estrelas e da lua, Rainha da Paz, Aurora de Luz, Estrela matutina, Mãe de Jesus e também minha, Senhora de Janeiro, do Dia primeiro e do Ano inteiro.

2. De ti pouco sabemos, singular mulher! Mas esse «sim» que te saiu dos lábios abriu um grande rombo no silêncio. De Bezetha[1], mas sempre de Bethesda[2]: não é o amor o que fica das colinas, das colinas, das palavras e de nós? Bezetha, Nazareth, Ain Karem[3], Betlehem[4]: estivesses onde estivesses, estavas decerto permanentemente à escuta, e estremecias, inundada de alegria, sob a palavra que sobre ti descia em ondas sucessivas de emoção.

3. Uma palavra, depois outra, depois outra: caía sobre ti tanto silêncio, que necessariamente havia de ganhar corpo no teu corpo o corpo que atravessa em contraluz toda a Escritura. Mulher, grande mulher, mulher messiânica, mulher entre todas única, mulher!, aeì parthénos[5], sempre virgem, ao mesmo tempo esposa, ao mesmo tempo mãe: mulher de estrelas coroada, ou solar rapariguinha na solene procissão saltando à corda, ou moreninha enamorada saltando, soltando pelos montes a enleante melodia do shîr hashîrîm[6].

4. Shalôm[7], disseste, shalôm: oh imensa, divina saudação, clarão de Deus nos céus de orini[8], no ventre de Isabel, na dança de João: incontrolável rebentação, indizível lalação. Era de paz a voz dos anjos, era de paz, como sempre foi a voz de Deus.

5. Menina de Deus bendita! Sossegada e livre e firme, levas os teus filhos pela mão, salvo-conduto para a esperança, Mulher de todas as esperas. O tempo em que vamos é semelhante ao de Herodes, tu sabe-lo bem, atravessado por tanta tirania e prepotência, batido por tantas vagas de poder e ambição.

6. Faz-nos sentir, Mãe, o calor da tua mão no nosso rosto frio, insensível, enrugado. Acaricia-nos. Senta-nos em casa ao redor do amor, do coração. Somos tão modernos e tão cheios de coisas estes teus filhos de hoje! Tão cheios de coisas e tão vazios de nós mesmos e de humanidade e divindade! Temos tudo. Mas falta-nos, se calhar, o essencial: a tua simplicidade e alegria.

7. Abençoa, Mãe, os nossos dias breves. Ensina-nos a vivê-los todos como tu viveste os teus, sempre sob o olhar de Deus e a olhar por Deus. É verdade. A grande verdade da tua vida, o teu segredo de ouro. Tu soubeste sempre que Deus velava por ti, enchendo-te de graça. Mas tu soubeste sempre olhar por Deus, porque tu soubeste que Deus também é pequenino. Acariciada por Deus, viveste acariciando Deus. Por isso, todas as gerações te proclamam «Bem-aventurada»!

 

António Couto



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