Terra Santa: «Parece que caminhamos por uma Via Dolorosa sem fim», afirma o Patriarca Latino de Jerusalém
Em Domingo de Ressurreição o padre Jacinto Bento traz-nos o “sentir” da pequena comunidade católica da Terra Santa
Surrexit Dominus vere, non est hic.
Terminado o Tríduo Pascal, voltámos a estar junto do Túmulo Vazio de Cristo.
O dia, hoje, foi diferente, pois começaram a chegar os consolos creditados em Jerusalém, com outras autoridades, sem esquecer os Escuteiros do Patriarcado. Todos foram recebidos pelo Patriarca na Sala do Trono. À hora certa, 09:45, chegaram os Kawas, os franciscanos e outros sacerdotes. Partimos na tradicional procissão até ao Santo Sepulcro, onde um grande número de jornalistas questionou o Patriarca sobre a Guerra de Gaza.
Juguei que por ser hoje o primeiro dia de trabalho para os judeus, que nos deixassem em paz, mas tal não aconteceu. Não invadiram a procissão, certamente porque ia o representante do governo de Israel para as religiões, mas não deixaram de fazer gestos obscenos. Pensei no que não terão feito a Jesus. Sem querer tirar parte por qualquer confissão religiosa, não posso deixar de destacar os muçulmanos que em Jerusalém, são muito respeitadores dos cristãos.
Chegados à Basílica do Santo Sepulcro, como de costume, fomos recebidos pelo guardião franciscano, junto à Pedra da Unção e seguimos para as capelas franciscanas do Santíssimo Sacramento e dos Cruzados, onde nos paramentámos.
Deu-se início à Dominica Pasche in Resurrection Domini. Estiveram presentes seis bispos, entre eles Sua Beatitude o Cardeal Pizzaballa, dois diáconos, os ministros do altar e concelebraram apenas vinte e dois sacerdotes, onde eu me incluí.
Em 2012 também concelebrei no dia de Páscoa, mas é algo muito difícil porque os católicos ficaram sem espaço desde 1757. Embora o Patriarca Latino tenha a Cátedra no Santo Sepulcro, só a pode usar nos dias determinados pelo Status Quo de 1852, entre o "Onfalo", usurpado pelos ortodoxos e o Túmulo. Nesse espaço não cabem mais de vinte e poucos presbíteros. Na Quinta-feira e Sábado Santos, estiveram aproximadamente duzentos padres porque ficaram na Rotunda (espaço à volta do Santo Sepulcro), mas este espaço, no dia de Páscoa é reservado às autoridades.
O Altar em prata, a Cátedra, o Ambão, o Círio Pascal, o Candelabro, oferecido por D. João V (igual a outros cinco distribuídos por outros santuários por não caberem ali), estão só durante a celebração. Mal acaba a missa é tudo guardado na sacristia e nas duas capelas franciscanas. Isto para dizer que a sobrevivência da Igreja na Terra Santa não é nada fácil. É quase impossível.
A Eucaristia foi como já descrevi nos dias anteriores, toda cantada em Latim, de acordo o Rito Hierosolimitano. A homilia foi proferida em inglês. Aí, o Patriarca depois de se referir ao acontecimentos histórico-salvíficos, mesmo diante dos seus olhos e de todos os presentes, não podia deixar de falar da guerra de Gaza e de todo sofrimento que tem trazido: «parece que caminhamos por uma Via Dolorosa sem fim, marcada por constantes provações. Mas também sei que na Via Dolorosa estão as mulheres de Jerusalém que choram por Jesus em silêncio. Há Simão de Cirene, que intervém para partilhar o peso da cruz. Há Verónica, que enxuga o seu rosto. O caminho do sofrimento nunca é solitário, porque neste caminho a compaixão desperta e o amor toma forma. Por isso, recordemos os nossos irmãos e irmãs de Gaza e todos aqueles que sofrem com a guerra, e esforcemo-nos por ser mães, Verónicas, Simões de Cirene, para eles e para os necessitados, ajudando-os a partilhar o seu fardo. Lembremo-nos de oferecer gestos de dignidade e cuidado a quem está entre nós. Esta é a nossa maneira de proclamar a vida e a ressurreição».
Terminada a celebração da Eucaristia, como de costume, fez-se uma Soleníssima Procissão que deu três voltas pela Rotunda do Sepulcro de Jesus, com velas acesas e vários cantos em Latim. Também foram cantados três trechos do Evangelho. No fim, foi cantado, em frente ao Santo Sepulcro o Te Deum Laudamus e lida uma carta do Papa ao Patriarca com Indulgência Plenária para os participantes.
Regressámos ao Patriarcado Latino numa enorme, desinibida e alegre procissão com cantos pascais.
Por estes dias, tenho recebido muitas mensagens de apreço por ter vindo a Jerusalém em tempo de guerra.
Transcrevo, um excerto de uma delas:
«Caríssimo padre Jacinto Bento, cura da Casa da Ribeira, Cónego e cura de S. Pedro de Angra, corajoso sacerdote que enfrenta os riscos de estar em Jerusalém (por onde andou o primitivo Pedro) em tempos difíceis. Desconhecia essas ‘guerras’, mas a sua fé vai além de mover montanhas».
Sei que este texto já vai longo, mas faço um brevíssimo comentário a esta mensagem e a outras recebidas. Sou um ser humano e um padre que quando disse sim ao convite de passar a Semana Santa em Jerusalém, desde a primeira hora fiquei muito apreensivo e plenamente consciente do que me poderia acontecer. Mas vim em missão e em serviço e sobretudo num gesto de solidariedade com a Igreja Mãe de Jerusalém que muito amo.
Muitos fiéis através de mim também foram solidários. Bem hajam por isso. Senti a força da oração que fizeram por mim e acreditem que junto ao Santo Sepulcro, onde passei muito tempo não me esqueci de ninguém!
De junto do Sepulcro do Senhor, desejo a todos uma Santa e Feliz Páscoa para todos.