Vaticano: Papa exprime o desejo de que a «Teologia seja acessível a todos»

Francisco recebeu hoje os participantes do Congresso internacional sobre o futuro da Teologia e lembrou que a “realidade é complexa” e necessita, por isso, de um olhar “interdisciplinar” e não “simplista”

Leia, na íntegra, o discurso do Santo Padre aos participantes da iniciativa organizada pelo Dicastério para a Cultura e Educação da Santa Sé

Queridas irmãs e irmãos, bom dia!

Estou feliz por vos ver e por saber que tão grande número de professores, investigadores e reitores, vindos de todo o mundo, se reuniram para refletir sobre o modo de acolher e integrar a grande herança teológica das gerações passadas e imaginar o seu futuro. Agradeço ao Dicastério para a Cultura e a Educação esta iniciativa. E de coração obrigado a vós, queridos teólogos, pelo trabalho que realizais, muitas vezes oculto, mas tão necessário. Espero que o Congresso marque o primeiro passo de um fecundo caminho comum. Fiquei a saber que as instituições académicas, as associações teológicas e alguns de vós individualmente contribuíram para os custos de deslocação de outros com menos possibilidades. Isso é muito bom! Avante, juntos! E quando a fé, o amor toca nos bolsos, tudo bem! [risos entre os participantes] Quando pára primeiro, falta alguma coisa.

Em primeiro lugar, gostaria de vos dizer que, quando penso em teologia, vem-me à mente a luz. Na verdade, graças à luz, as coisas emergem da escuridão, os rostos revelam os seus contornos, as formas e as cores do mundo aparecem finalmente. A luz é bela porque faz aparecer as coisas, mas sem se expor. Algum de vós viu a luz? Mas vejamos o que a luz faz: faz aparecer as coisas. Ora, aqui, admiramos esta sala, vemos os nossos rostos, mas não vemos a luz, porque ela é discreta, é meiga, humilde e, por isso, permanece invisível. A luz é suave. A teologia também é assim: faz um trabalho oculto e humilde, para que surja a luz de Cristo e do seu Evangelho. Desta observação surge para vós um caminho: procurar a graça e permanecer na graça da amizade com Cristo, a verdadeira luz que veio a este mundo. Toda a teologia nasce da amizade com Cristo e do amor pelos seus irmãos, pelas suas irmãs, pelo seu mundo; este mundo, dramático e magnífico ao mesmo tempo, cheio de dor, mas também de uma beleza comovente.

Sei que nestes dias trabalhareis juntos sobre o “onde”, o “como” e o “porquê” da teologia. Perguntamo-nos: teologia, onde estás? Com quem vai? O que está a fazer pela humanidade? Estes dias serão importantes para responder a estas questões, para nos interrogarmos se o legado teológico do passado poderá ainda dizer alguma coisa aos desafios de hoje e ajudar-nos a imaginar o futuro. É um caminho a que sois chamados a percorrer juntos, teólogos e teólogas. Recordo-me do que nos diz o Segundo Livro dos Reis. talvez seja a primeira edição do Deuteronómio, que se perdeu. Um padre e alguns letrados leram; até o rei o estuda; sentem algo, mas não compreendem. Então o rei decide entregá-lo a uma mulher, Hulda, que imediatamente o compreende e ajuda o grupo de eruditos – todos homens – a compreendê-lo (2Rs 22,14-20). Há coisas que só as mulheres entendem e a teologia precisa do seu contributo. Uma teologia só de homens é uma teologia de metade. Há ainda um longo caminho a percorrer neste sentido.

E agora permita-me que lhe faça um desejo e um convite.

O desejo é este: que a teologia ajude a repensar o pensamento. A nossa forma de pensar, como sabemos, também molda os nossos sentimentos, a nossa vontade e as nossas decisões. Um coração amplo corresponde a uma imaginação e a um pensamento amplo, enquanto um pensamento encolhido, fechado e medíocre dificilmente poderá gerar criatividade e coragem. Os manuais de teologia com que estudamos vêm-nos à mente. Tudo fechado, tudo “parecido com museu”, parecido com biblioteca, mas não faziam pensar.

A primeira coisa a fazer, repensar o pensamento, é curar-se da simplificação. Na verdade, a realidade é complexa, os desafios são variados, a história é habitada pela beleza e ao mesmo tempo ferida pelo mal, e quando não podemos ou não queremos lidar com o drama desta complexidade, facilmente tendemos a simplificar. Mas a simplificação quer mutilar a realidade, faz nascer pensamentos estéreis, pensamentos unívocos, gera polarizações e fragmentações. E o mesmo acontece, por exemplo, com as ideologias. A ideologia é uma simplificação que mata: mata a realidade, mata o pensamento, mata a comunidade. As ideologias reduzem tudo a uma única ideia, que depois repetem de forma obsessiva e instrumental, superficial, como papagaios.

Um antídoto à simplificação é indicado na Constituição Apostólica Veritatis gaudium: interdisciplinaridade e transdisciplinaridade (Proem, c). Trata-se de fazer “fermentar” a forma do pensamento teológico juntamente com a de outros conhecimentos: filosofia, literatura, artes, matemática, física, história, ciências jurídicas, políticas e económicas. Deixai fermentar o conhecimento, porque são como os sentidos do corpo: cada um tem a sua especificidade, mas precisam um do outro, segundo também diz o apóstolo Paulo: «Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se tudo fosse ouvido, onde estaria o olfato?” (1Cor 12,17). Este ano celebramos o 750º aniversário da morte de dois grandes teólogos: Tomás de Aquino e Boaventura. Tomás recorda-nos que não temos apenas um sentido, mas múltiplos e diferentes sentidos, para que a realidade não nos escape (De Anima, lib. 2, lect. 25). E Boaventura afirma que na medida em que alguém «acredita, espera e ama Jesus Cristo», «readquire a audição e a visão […], o olfato, […] o paladar e o tato» (Itinerarium mentis in Deum, IV, 3). Ao contribuir para repensar o pensamento, a teologia voltará a brilhar como merece, na Igreja e nas culturas, ajudando todos e cada um na busca da verdade.

Este é o desejo. Agora, gostaria de deixar um convite: que a teologia seja acessível a todos. Há alguns anos que, em muitas partes do mundo, existe um interesse entre os adultos em retomar a sua educação, incluindo a formação académica. Homens e mulheres, especialmente de meia-idade, talvez já formados, desejam aprofundar a sua fé, querem fazer um caminho, muitas vezes matriculam-se numa faculdade universitária. E este é um fenómeno crescente, que merece o interesse da sociedade e da Igreja. A meia-idade é uma época especial da vida. É uma época em que geralmente se goza de uma certa segurança profissional e solidez emocional, mas é também uma época em que os fracassos são sentidos com maior dor e novas questões surgem à medida que os sonhos juvenis se desmoronam. Nesta fase pode notar uma sensação de abandono e, por vezes, a alma gela. É a crise da meia-idade. E depois sente a necessidade de retomar uma busca, talvez tacteando, talvez sendo segurado pela mão. E a teologia é esta companheira de viagem! Por favor, se alguma destas pessoas bater à porta da teologia, das escolas de teologia, encontrá-la-á aberta. Certifique-se de que estas mulheres e homens encontram na teologia um lar aberto, um lugar onde possam retomar o seu caminho, onde possam procurar, encontrar e procurar novamente. Prepare-se para isso. Imagine coisas novas nos currículos para que a teologia seja acessível a todos.

Queridos irmãos e irmãs, disseram-me que esta não será uma conferência clássica, onde poucos falam e outros ouvem – ou dormem! –. Ouvi dizer que todos vós sereis colocados em condições de serem ouvidos e de se ouvirem a vós próprios. Bem! Podemos aprender com todos, até mesmo com as velhinhas, que são sábias. Peço ao Dicastério para a Cultura e a Educação que me dê a conhecer os resultados do vosso trabalho, pelo que desde já vos agradeço. Eu abençoo-vos do fundo do meu coração. E por favor não vos esqueçais de rezar por mim. Este trabalho é divertido, mas é difícil!

Imagem de Arquivo: Vatican MEDIA

Tradução EDUCRIS a partir do original em Italiano

Educris|10.12.2024



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