Nicarágua: Bispo impedido de sair do Paço Episcopal

Agrava-se a situação para a Igreja Católica naquele país da América central. Governo decreta prisão domiciliária a D.Rolando Lagos sem explicar motivos

Desde a passada quinta-feira, dia 4 de Agosto, D. Rolando José Álvarez Lagos, Bispo de Matagalpa, está em situação de prisão domiciliária, impedido, pelas forças policiais, de abandonar o paço episcopal. Com ele estão seis sacerdotes e seis leigos.

Este é o mais recente episódio de um clima de forte tensão que tem vindo a registar-se na Nicarágua entre as autoridades do país e a Igreja Católica.

A Igreja é acusada, nesta diocese, de ser responsável por “organizar grupos violentos”, e de “realizar actos de ódio contra a população, causando um clima de ansiedade e de deserdem, alterando a paz e harmonia da comunidade, com o objectivo de desestabilizar a Nicarágua e atacar as autoridades constitucionais”.

A situação de privação de movimentos em que se encontra D. Rolando Álvarez foi precedida, em Julho, pela expulsão do país das Missionárias da Caridade, congregação fundada pela Santa Teresa de Calcutá, pelo encerramento, em Maio, do canal 51, a estação de televisão da Conferência Episcopal, e a expulsão do país, em Março, do Núncio Apostólico, o represente diplomático do Vaticano neste país do continente americano.

Desde que as autoridades policiais proibiram o bispo de Matagalpa de se ausentar do paço episcopal, têm sido várias as manifestações de solidariedade para com este prelado e para com a situação em que se encontra a Igreja na Nicarágua. É o caso das conferências episcopais do México, Costa Rica e Bolívia, que apelaram ao diálogo e à paz, lembrando “a situação difícil” em que se encontram neste momento sacerdotes, consagrados e leigos neste país governado por Daniel Ortega.

Recorde-se que já em Maio, o Bispo de Matagalpa sentiu-se na necessidade de iniciar uma greve de fome para alertar o país e o mundo para a situação de assédio policial de que dizia estar a ser vítima.

Ao Educris a Fundação AJuda à Igreja que Sofre (AIS) afirma seguir, "com particular preocupação" a situação em que se contra D. Rolando, e recorda uma mensagem vídeo enviada pelo prelado para a sede internacional da instituição, na qual agradecia toda a ajuda dada não só à sua diocese, mas também a toda a Igreja na Nicarágua.

Na mensagem o biispo destaca a solidariedade dos benfeitores da AIS em todo o mundo e que “contribuem com a sua oração, o seu carisma, a sua esmola, a moedinha da pobre viúva”, para com a Igreja que sofre.

A prisão domiciliária de D. Rolando e todos os outros casos relacionados com a Igreja vêm reforçar os dados do relatório  ‘Nicarágua: Igreja perseguida?’, de Martha Patrícia Molina Montenegro. O documento reporta o período compreendido entre 2018 e 2022 e permite perceber que a Igreja Católica sofreu mais de 190 ataques, profanações e perseguições ao clero neste país.


Entre os incidentes mais graves está o incêndio criminoso na Catedral de Manágua, em 31 de Julho de 2020, que mereceu palavras de vigorosa condenação por parte de Thomas Heine-Geldern, presidente executivo internacional da Fundação AIS.

O documento de Martha Montenegro – que faz parte do Observatório Anticorrupção e Transparência – foi publicado no passado mês de Maio e não inclui, por isso, os casos de perseguição ao Bispo Rolando Álvarez, nem o encerramento dos canais de televisão ou a expulsão das Missionárias da Caridade.

Os números apresentados mostram que 37 por cento da hostilidade reportada tem como alvo específico padres, bispos, membros de congregações religiosas, seminaristas e leigos. Cerca de 19% dos incidentes são profanações de locais de culto. Houve também um elevado número, cerca de 17 por cento, de agressões, destruição, fogo posto, bloqueio de serviços básicos e, entre outros, invasão de propriedade privada.

O relatório estima que os dados apresentados serão inferiores ao número real de incidentes ocorridos realmente. “Foram encontradas situações em que os padres estavam tão cansados dos roubos e das profanações que só apresentaram queixas sobre estes últimos. Outros optaram pelo silêncio, uma vez que já não acreditam no sistema jurídico”, lê-se no documento.

O relatório aponta para o apoio da Igreja Católica ao momento estudantil, durante as manifestações pacíficas contra a corrupção e nepotismo, que ocorreram no país a partir de Abril de 2018, como a explicação para este clima de hostilidade. Na altura, as igrejas abriram as suas portas, oferecendo espaços para o diálogo e para momentos de oração, mas também para ajudar os feridos e consolar as famílias dos cidadãos que foram assassinados ou raptados.

Antes de 2018, a Igreja já era alvo de ataques, embora de forma mais esporádica, tendo a hostilidade crescido desde então. “A linguagem ofensiva usada pelo casal presidencial contra a hierarquia católica tornou-se mais clara e comum, e as ações de algumas instituições públicas contra o trabalho de caridade da Igreja também aumentaram”, lê-se no relatório.

Também o Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, editado pela Fundação AIS em 2021, refere que “os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, estão a ser violados” neste país, que “o estatuto deste direito fundamental se deteriorou visivelmente na Nicarágua” e que, por tudo isto, “as perspectivas para o futuro são sombrias”.

Imagem: Diocese de Matagalpa

Educris|13.08.2022



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