Educação e Arte: A Igreja não pode ter «medo» da cultura (c/áudio)

Padre Joaquim Félix sustenta a necessidade de uma maior coerência dentro da Igreja perante a arte e aconselha a uma formação do clero mais capaz de estar e ir ao encontro das pessoas.

Apresentado pelo trabalho na Capela da Árvore da Vida, no Seminário conciliar de São Pedro e São Paulo, em Braga, que valeu o prémio ArchDaily 2011 para edifício religioso com a melhor arquitetura, o padre Joaquim Félix, docente na Universidade Católica Portuguesa tornou-se reconhecido pela transformação da Igreja da Cedofeita, na cidade do Porto. Após uma conferência para os professores de EMRC da diocese do Porto, em pleno templo requalificado, acedeu a falar com o EDUCRIS para explicar o caminho que a Igreja deve percorrer para tornar mais claro o diálogo com a arte e os artistas.

Educris: Não obstante toda a reforma litúrgica e os avanços claros do Concilio Vaticano II para reconciliar a arte com a Igreja esta ainda tem medo dos artistas?

Padre Joaquim Félix: A Igreja não pode ter medo da cultura. É nela que havemos de compreender ainda melhor o alcance da encarnação de Jesus e o facto de hoje o Papa, em termos de Nova evangelização, nos pedir “nova carne” para a Palavra de sempre. Penso que ao insistir tanto na coragem é porque admite, eventualmente, que podemos ir mais além.

Educris: Esta Igreja onde nos encontramos revelou-se uma autêntica “pedra no charco” em termos de renovação artística na cidade...

Padre Joaquim Félix: Esta Igreja [ndr: Cedofeita] viveu muito no calor do Vaticano II, com D. Manuel Martins, que era aqui pároco, e foi já um respiro de linguagem entre os artistas e a própria Igreja. Abandonou-se a Igreja, em construção do século XIX e passou-se a este projeto com Júlio Resende, entre outros. Não se passou isto em todo o lado.

Educris: Continua a Igreja de costas voltadas para os artistas ou trata-se de não perceber a tal “Nova Carne” para a Palavra de sempre?

Padre Joaquim Félix: De certa maneira existe ainda uma dificuldade para uma certa estética da encarnação de Cristo. Que passa pela visibilidade que cria desconforto. Que não nos dá respostas imediatas e que nos obriga a fazer perguntas. Que dá tempo para reconhecer, e não apenas para conhecer. Essa “Nova Carne” passa por expressões mais plurisensoriais e não apenas por ver mas por tocar, aproximar, caminhar no espaço e sair dele diferente enquanto cristão. Passa por ouvir, por um apelo à pluri-sensorialidade do espaço. Caímos, em determinado momento doentes pela doença da retinisse. Uma doença do ver, apenas. Mesmo em termos de espiritualidade. Deixámos de comungar o Corpo de Cristo para apenas ver o Santíssimo e adorá-Lo. Jesus instituiu a eucaristia para ser consumida, antes de mais.

Educris: Nesse aspeto, e após longos anos de afastamento existe um caminho que começou a ser trilhado pelos Papa a partir da segunda metade do século XX…

Padre Joaquim Félix: Diria que é um caminho iniciado por Paulo VI, com a sua experiência de Milão e depois em Roma. O Papa João Paulo II toca o assunto de maneira muito clara na carta aos artistas. O Papa Bento XVI reuniu-se com os artistas, e o mundo da cultura, em várias partes do mundo e aqui mesmo em Belém o fez. Hoje o Papa Francisco tem outras prioridades, mas não se esquece e vai tocando este assunto. Todavia creio que o discurso está hoje separado entre artistas e a Igreja, mas dentro do próprio referencial da Igreja. Entre a materialidade, e quando ela aparece na sua força e cria distâncias, e o discurso.

Educris: Como formador também de futuros padres parece-lhe claro que este, na sua formação, tem de entrar na linguagem desta “Nova Carne”?

Padre Joaquim Félix: Não tenho dúvidas que temos que criar essa sensibilidade. Temos que ajudar os candidatos a ministros a crescer nesta linguagem. Lembro-me, há tempos, de um artista que em Braga foi convidado para executar um cálice. Ele disse-nos: «não vou criar algo só para terdes mais um cálice. Algo possessivo como “o meu cálice da ordenação”. Vós andais muito quebrados, carregando pedras, tradições, tantas coisas que não vos deixam o rosto levantado de Cristo quer-vos de cabeça levantada ao encontro das pessoas». Fiquei a pensar no que nos disse. De facto, precisamos de padres leves que vão ao encontro. Criou, então, um cálice de peregrinação!  Não podemos esquecer nunca o modo como Jesus instituiu a eucaristia. No meio da ceia e levantou-se e lavou os pés deixando-nos uma pergunta: «compreendestes isto?» O espaço da formação inicial dos padres deveria passar por perguntas desta natureza.

Educris: Esta Igreja da Cedofeita quebra com o aspeto tradicional das Igrejas, nomeadamente com a visão presente nos templos românticos do século XIX. É uma tentativa de voltar à Igreja primitiva?

Padre Joaquim Félix: O Espaço desta Igreja é presidido pela Palavra e temos, à parte, uma capela do Santíssimo. É o recuperar da ideia inicial em que o sacrário, ou não existia, ou era apenas uma reserva para os doentes. O sacrário aparece tardiamente na Igreja. Vemos isso ao longo da história e existem imensas tradições diferentes. Nesta Igreja o sacrário aparece numa perspetiva do tabernáculo onde todos podem entrar. Com a morte e ressurreição de Jesus abriu-se o santo dos santos. Uma capela é como que uma pequena capa. Uma capa que revela o tabernáculo. A imagem que temos daqui dá-nos um misto de sombra e luz e permite-nos entrar no espaço, não como reserva, mas como espaço privilegiado da adoração no espaço com Jesus. É um espaço onde se entra e onde se caminha. Onde se colocam questões e onde se muda.

Educris|11.02.2019



Recursos:
Os desafios da Arte na «Encarnação da Palavra»

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