Porto: Uma experiência de Misericórdia com os sem-abrigo do Porto

Uma semana após a realização do VI Encontro Nacional de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) para alunos do ensino secundário estivemos à conversa com quatro docentes da disciplina que no Porto colocam a Misericórdia em ação, partindo da experiência da própria disciplina que oferece "um manancial de aptidões, relacionadas, não apenas com o que o aluno deve conhecer, mas também com o que o aluno deve fazer", e nesse sentido, "permite provocar nos alunos a consciência social, política e caritativa, suscitando a sua participação ativa em ações concretas de voluntariado e serviço comunitário".

Conheça o projeto do Agrupamento de Escolas de Alfena. Uma oportunidade à Misericórdia em contexto formativo.

EDUCRIS: Como surgiu esta ideia de trabalhar com alunos fora do contexto escolar?

Professores: A disciplina de EMRC, usando da linguagem curricular em uso, oferece aos alunos um extenso manancial de aptidões, relacionadas, não apenas com o que o aluno deve conhecer, mas também com o que o aluno deve fazer. Nesse sentido, esta ideia de trabalhar com alunos fora do contexto escolar, sendo anterior à publicação dos Programa de EMRC – 2014, já corporizava espontaneamente um modelo de ensino centrado no aluno, nomeadamente a que viria a corresponder à “educação pelo serviço”. Em pleno processo de afirmação e consolidação da disciplina de EMRC no ensino secundário do Agrupamento, havia que provocar nos alunos a consciência social, política e caritativa, suscitando a sua participação ativa em ações concretas de voluntariado e serviço comunitário, que conjugasse a aprendizagem com a intervenção moral e cívica.

EDUCRIS: Quem propôs a ideia dos sem-abrigo? Os professores? Os alunos? Foi uma ideia que brotou espontaneamente?

Professores: Inicialmente, corria o ano letivo 2013/2014, a ideia deste projeto partiu da iniciativa dos docentes de EMRC Eduarda Santos e Afonso Ferraz, corporizando uma proposta de parceria com o Grupo de Leigos Solidários da Consolata, no sentido de auxiliar o trabalho que este grupo já desenvolvia junto dos sem-abrigo da cidade do Porto. Desde cedo, contudo, a ideia acolheu significativa adesão por parte dos alunos do Agrupamento de Escolas de Alfena, maiores de quinze anos. No momento em que foi proposta, a ideia concretizou-se de imediato, sendo difícil discernir, a esta distância, quem terá dado o primeiro passo: se os alunos ou os professores. Cremos, por isso, que ambos terão iniciado esta jornada lado a lado.

EDUCRIS: Quando começaram a trabalhar com os sem-abrigo e quanto alunos aderiram no primeiro encontro

Professores: Os primeiros passos deste projeto foram dados em 2013/2014, quando, de quinze em quinze dias, um grupo previamente organizado de cerca de cinco alunos de EMRC, nomeados de entre uma bolsa de voluntários, acompanhados por pais e encarregados de educação, funcionários e professores do Agrupamento de Escolas de Alfena (Valongo) ajudavam, nas noites de Domingo, o Grupo de Leigos Solidários da Consolata na distribuição de refeições quentes, de merendas e de palavras de afeto e de proximidade à população sem-abrigo ou necessitada do Porto. Este projeto continuou, nos mesmos moldes, no ano letivo de 2014/2015 com os professores Afonso Ferraz, Carlos Meneses Moreira e Mónica Barros. No presente ano letivo, esta atividade continua a mobilizar todo o Agrupamento com a marca EMRC, correspondendo com a oferta regular de alimentos, roupa, artigos de higiene, brinquedos, material didático, etc. Note-se que a população necessitada a quem nos dirigimos integra algumas crianças, que acompanhamos de modo muito especial e personalizado.

EDUCRIS: Como é um dia com os sem abrigo?

Professores: Um dia de trabalho com os sem-abrigo começa muito antes, com a recolha prévia dos ingredientes necessários, a maior parte deles oferecidos pela comunidade escolar, para a confeção das refeições. Paralelamente, de acordo com a época ou estação do ano e as necessidades sentidas pelas pessoas que encontramos, procedemos ainda à recolha, separação e acondicionamento de roupa, calçado e produtos de higiene. Segue-se a organização dos grupos, constituído por cerca de 14 pessoas, que se organizam entre si para a confeção e distribuição das refeições, separação de kits de merenda, recolha de ofertas de diversas instituições que se associaram a este projeto, etc. Por volta das 17.30 de Domingo encontramo-nos nas instalações da Consolata para a confeção de refeições destinadas a cerca de 200 pessoas. Por volta das 19.30 partimos em direção ao Porto e servimos três locais de afluência: perto das instalações do Jornal de Noticias, junto ao Hospital de Santo António e na Rua Dr. Alves da Veiga. Regressamos por volta das 23.00 e, depois da limpeza e arrumação das instalações, os adultos levam os alunos a casa: cansados mas felizes! Atualmente, o grupo de voluntários do Agrupamento ascende os 50 alunos, 10 professores, 4 funcionários e 7 pais.

EDUCRIS: Como tem reagido os alunos a esta iniciativa? E a escola? E os pais?

Professores: A espontaneidade, informalidade e cultura de proximidade que esta iniciativa tem promovido entre alunos, professores, pais e funcionários possibilitou que, desde cedo, fosse reconhecida pela comunidade educativa como uma mais-valia para o crescimento pessoal e moral de todos os intervenientes, porquanto promovia o amadurecimento das relações humanas, em particular, com os mais frágeis e carentes. O difícil, tem sido gerir o número significativo de pessoas que se dispõe a colaborar e participar, dificuldade esta, atenuada pelas diversas tarefas a que todos são chamados a corresponder através das múltiplas formas de apoio que podem prestar. Desde a Direção do Agrupamento, que desde cedo e prontamente, reconheceu a iniciativa como referência na cultura escolar, até às diversas estruturas, valências e pessoas que integram a comunidade educativa, cada qual na medida da sua generosidade e disponibilidade, muitos têm assegurado continuamente esta iniciativa em prol dos mais desfavorecidos.

EDUCRIS: Em ano de misericórdia que sinal pretendem passar para a comunidade educativa?

Professores: A misericórdia, tal como vivida no sentido bíblico e da tradição da Igreja, é uma experiência vital: de proximidade, de acolhimento, de receção, de hospedagem e hospitalidade para com o outro. Não por acaso, a misericórdia traduz a experiência maternal de quem visceralmente se move com e pelo outro, partilhando como suas, as suas dores, sofrimentos e vicissitudes. Para além de uma mera condescendência ou solidariedade filantrópica, a misericórdia faz-se com todos os gestos – os mais simples, inclusive – que nos colocam no lugar do outro, para com ele nos erguemos. É este sinal, extensível a toda a comunidade, que pretendemos passar aos nossos alunos: depois desta experiência – confidenciam-nos os alunos – ninguém fica igual, o mesmo é dizer, ninguém fica indiferente.

EDUCRIS: Em que medida a EMRC contribuiu para que fosse mais fácil a proposta?

Professores: EMRC explora, nas suas aulas, diversos itinerários e modelos pedagógicos centrados no próprio aluno, que passa a conhecer, a ler e a interpretar a realidade a partir da proposta cristã, no que esta oferece para a compreensão da pessoa e do agir humano. Daí que a proposta inicial lançada pela disciplina de EMRC veio a corresponder desde logo aos interesses, necessidades e motivações dos alunos, que viram neste desafio a possibilidade de construírem, diremos assim, o seu próprio portfólio vital de competências pessoais e sociais.

EDUCRIS: Quantas vezes por semana vão para junto dos mais pobres?

Professores: No início, o Agrupamento de Alfena acompanhava de quinze em quinze dias o Grupo de Leigos Solidários da Consolata, ajudando no que fosse necessário. Com o tempo, foi-lhe reconhecido o contributo que prestava, tendo-lhe sido atribuída toda a organização do 3º Domingo de cada mês, e caso exista, o 5º Domingo. A todos os que estiveram e estão envolvidos nesta iniciativa, em particular aos alunos, cumpre-nos endereçar-lhes a nossa gratidão, em nome pessoal e de todos os que beneficiam deste gesto de acolhimento. Fazemos votos para que, neste ano dedicado particularmente à misericórdia, continuem a marcar a diferença na vida de tantos que necessitam de alimento para o corpo e para o coração. Bem-haja a todos!


Quem são os professores:

Perfil #1:

Nome completo e tempo de serviço: Afonso Henrique Ferraz – 18 anos de serviço.

Escola onde leciona: Agrupamento de Escolas de Alfena, Valongo.

Diocese a que pertence: Porto.

Hobbies: estar em família e viajar.

Porque sou professor de EMRC:

Inicialmente por mero acaso, depois de ver que o sacerdócio não era o caminho. Agora realiza-me, faz parte de mim.


Perfil #2:

Nome completo e tempo de serviço: Carlos Meneses Moreira – 18 anos de serviço.

Escola onde leciona: Agrupamento de Escolas de Alfena, Valongo.

Diocese a que pertence: Porto.

Hobbies: aprender para educar melhor.

Porque sou professor de EMRC:

Diria ao contrário, invocando o saudoso poeta Daniel Faria: se não fosse professor de EMRC seria “como lugares mal situados… como sítios desviados do lugar”, o mesmo é dizer, que é como professor de EMRC que encontro o meu lugar.


Perfil #3:

Nome completo e tempo de serviço: Maria Eduarda dos Santos – 20 anos de serviço.

Escola onde leciona: Agrupamento de Escolas de Airães, Felgueiras.

Diocese a que pertencem: Porto.

Hobbies: leitura; viajar; cinema

Porque sou professora de EMRC: pela possibilidade que esta disciplina proporciona de ir ao encontro do “outro” e poder “transforma-lo” e  “transformarmo-nos” crescendo lado a lado.


Perfil #4:

Nome completo e tempo de serviço: Mónica Teixeira Barros - desde 1999.

Escola onde leciona: Agrupamento de Escolas Amadeo de Souza Cardoso.

Diocese a que pertence: Porto.

Hobbies: tentar dinamizar a página de Facebook EMRC Porto e o grupo fechado EMRC Vila Caiz, geocaching e "blogger".

Porque sou professora de EMRC: Sou professora de EMRC por amor. Não porque as circunstâncias tenham feito da EMRC uma opção, mas porque o amor foi a opção.... E um pouco de loucura.



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