Discurso do Papa aos participantes do «Fórum dos Povos Indígenas» (C\vídeo)

Francisco pede “harmonia” no modo de viver e "redescoberta do modo de vida dos povos indígenas" para ultrapassar a crise climática

Leia, na íntegra, a reflexão do Santo Padre

Queridos irmãos e irmãs:

Agradeço esta visita, no meio aos trabalhos do Fórum dos Povos Indígenas, que se realiza nestes dias na sede do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA). O tema deste ano – “Liderança dos Povos Indígenas em Questões Climáticas: Soluções Comunitárias para Melhorar a Resiliência e a Biodiversidade” – é uma oportunidade para reconhecer o papel crítico que os povos indígenas desempenham na proteção do meio ambiente e destacar a sua sabedoria para encontrar soluções globais para os imensos desafios que as mudanças climáticas colocam diariamente à humanidade.

Infelizmente, presenciamos uma crise social e ambiental sem precedentes. Se queremos realmente cuidar da nossa casa comum e melhorar o planeta em que vivemos, são essenciais mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e consumo. Devemos ouvir mais os povos indígenas e aprender com o seu modo de vida, para entender bem que não podemos continuar a devorar avidamente os recursos naturais, porque «a terra foi-nos confiada para que seja para nós mãe, mãe terra, capaz de dar o que cada um precisa para viver» (cf. Videomensagem à Conferência dos 500 representantes nacionais e internacionais: ‘As Ideias da Expo 2015 – Rumo à Carta de Milão’, 7 de fevereiro de 2015). Portanto, a contribuição dos povos indígenas é essencial na luta contra as mudanças climáticas. E isso é comprovado cientificamente.

Hoje mais do que nunca são muitos os que reclamam um processo de reconversão das consolidadas estruturas de poder que regem a sociedade, na cultura ocidental e, ao mesmo tempo, transformam as relações históricas marcadas pelo colonialismo, exclusão e discriminação, dando lugar a um diálogo renovado na forma como estamos a construir o nosso futuro no planeta. Precisamos urgentemente de ações conjuntas, fruto de uma colaboração leal e constante, porque o desafio ambiental que vivemos e as suas raízes humanas têm impacto em cada um de nós. Um impacto não só físico, mas psicológico e cultural.

Por isso, peço aos governos que reconheçam os povos indígenas de todo o mundo, com as suas culturas, línguas, tradições, espiritualidades, e que respeitem a sua dignidade e os seus direitos, com a consciência de que a riqueza da nossa grande família humana consiste precisamente em sua diversidade. Voltarei a isto mais tarde.

Ignorar as comunidades originárias na salvaguarda da terra é um erro grave, é funcionalismo extrativista, não?, para não dizer uma grande injustiça. Por outro lado, valorizar o seu património cultural e as suas técnicas ancestrais ajudará a trilhar caminhos para uma melhor gestão ambiental. Neste sentido, é louvável o trabalho do FIDA para ajudar as comunidades indígenas num processo de desenvolvimento autónomo, graças sobretudo ao Fundo de Apoio aos Povos Indígenas, embora esses esforços devam ser ainda multiplicados e acompanhados de tomadas de decisão mais decididas e previdentes, numa transição justa.

Quero deter-me em duas palavras que são fundamentais para isto: viver bem — ou viver bem — em harmonia. Viver bem não é o "dolce far niente", a "dolce vita" da burguesia destilada. Não não. É viver em harmonia com a natureza, sabendo buscar, não tanto o equilíbrio, mas sim a harmonia, que é superior ao equilíbrio. A balança pode ser funcional; a harmonia nunca é funcional, ela é soberana em si mesma.

Saber mover-se em harmonia é o que nos dá a sabedoria que chamamos de ‘bem viver’: Harmonia entre uma pessoa e a sua comunidade; a harmonia entre a pessoa e o ambiente; a harmonia entre uma pessoa e toda a criação.

As feridas contra esta harmonia são as que vemos obviamente destruir os povos. Extrativismo, no caso da Amazónia, por exemplo; desmatamento ou, em outros lugares, extrativismo de mineração.

Portanto, buscar e sempre a harmonia. Quando os povos não respeitam o bem do solo, o bem do meio ambiente, o bem do clima, o bem da vegetação ou o bem da fauna, esse bem geral, quando não o respeitam, caem em posturas não humanas, porque perdem esse contato com —vou dizer a palavra— a mãe terra. Não no sentido supersticioso, mas no sentido de que a cultura nos dá e nos dá essa harmonia.

As culturas aborígenes não devem ser convertidas numa cultura moderna; eles devem ser respeitados. [Há] duas coisas a considerar: andar pelo caminho do desenvolvimento e, em segundo lugar, ouvir as mensagens de sabedoria que eles nos transmitem. Porque é uma sabedoria não enciclopédica. É a sabedoria de ver, ouvir e tocar na vida quotidiana.

Continuai a lutar lutando para proclamar esta harmonia. Que esta política funcionalista, esta política de extrativismo está a destruir. E que todos possamos aprender a viver bem nesse sentido harmonioso dos povos indígenas.

Acompanho-vos com a minha proximidade, acompanho-vos com a minha oração. Que Deus vos abençoe, abençoe as vossas famílias, abençoe as vossas comunidades e vos ilumine no trabalho que estão a realizar em favor de toda a criação. E peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim. E se alguém não orar, mande-me boas energias, precisamos disto aqui. Muito obrigado.

Imagem: Vatican MEDIA

Tradução Educris a partir do original em italiano

Educris|10.02.2023



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