A missão do professor católico na Escola Católica

Duzentos e trinta e três professores de dezassete escolas católicas inauguraram o novo ano lectivo com dois dias de formação subordinados ao tema "A Missão do professor católico na Escola Católica". A iniciativa foi do Colégio Rainha Santa, de Coimbra, em colaboração com o Secretariado Nacional de Educação Cristã. Os formadores, Oscar Alonso e Carmen Pellicer, trouxeram a tão necessária lufada de ar fresco, ainda que seja apenas isso, em tempo de crise educativa e de outras crises.

Oscar Alonso, baseando-se na sugestiva metáfora das instruções aos passageiros de um avião, referiu a necessidade de, em primeiro lugar, garantirmos o oxigénio, a nós próprios, educadores,  para, então, e só então, ficarmos aptos e abastecer os nossos educandos e salvá-los das asfixias que os ameaçam. Na verdade, apenas se educa, verdadeiramente, por contágio, por osmose. É tempo de aprender e ensinar a conjugar os verbos "convocar", "acolher", "curar", "acompanhar", "fortalecer", "possibilitar", "regenerar", "promover"... É urgente anunciar a boa nova e ensinar a sonhar despertos com um mundo mais justo, solidário e comprometido, trabalhando em rede, neste campo imenso e complexo. Um educador terá de perguntar-se, a cada momento: o que estou a fazer agora aproxima-me do lugar onde quero estar amanhã? Trata-se de sair, continuamente, da sua "zona de conforto", aprendendo a olhar a escola com os olhos de Cristo e, assim, mudar, inovar, nos campos da gestão, da pedagogia e da pastoral, obedecendo ao chamamento de um projecto educativo.

O que é um projecto? É, precisamente, o sonho que nos seduz e atrai, de longe. Uma escola é o que for o seu projecto; não importam as suas instalações ou os seus meios técnicos. O projecto reflecte-se fielmente no modelo concreto de pessoas, de relações, de verbalizações, de acções, de eleições; uma escola cristã elege como seus destinatários preferenciais os mais pobres de entre todos: os que não têm bens materiais, os que não têm bens afectivos (família, amigos); os que não têm bens culturais; os que estão longe da Fé.

Tão grande tarefa requer uma escolha cristã comprometida; não podemos fugir ou, tão pouco, ser meros espectadores. Não basta um cristianismo emotivo, pleno de sentimentos gratificantes; ou um cristianismo ético, feito apenas de comportamentos mais ou menos habituais e mecânicos; nem, ainda, um cristianismo de auto-realização egocêntrico e imaturo que, ao primeiro embate se desmorona. Requer-se, em tempo de crise, um cristianismo verdadeiro e fermentador, de total doação e compaixão radical. Assim, um professor reúne as condições para transformar-se em educador que, além de ensinar, educa; e, finalmente, de educador acede a ser mestre, que, além de educar, forma discípulos que o vêem como mestre e o seguem. Um mestre é um provocador, como o Mestre o foi, que apresenta o equilíbrio perfeito de ternura e firmeza; de autenticidade e de congruência; de aceitação incondicional dos educandos e de empatia; conjugando um elevado grau de envolvimento na sua missão com a satisfação. Este mestre, sendo discípulo do Mestre, torna-se capaz de "ser boa notícia" para o mundo, encarnando em si os valores da justiça e do amor.

Que formação se exige para os professores/educadores/mestres na Escola Católica? Uma formação antropológica (que clarifique a visão cristã do homem);  pedagógica (por dentro das metodologias e didácticas de ensino-aprendizagem); psicológica (que compreenda o funcionamento mental e afectivo dos seres humanos nas suas diversas fases de crescimento); teológica (em cristologia, eclesiologia, de forma a superar a profunda ignorância de muitos educadores); conducente à autonomia e à liberdade (um educador/ mestre é discípulo apenas de Cristo e, por Ele, torna-se um servidor; mas não é servente de nenhum outro); comprometida com a Justiça; capaz de sonhar o possível.

Carmen Pellicer, igualmente inspiradora, abordou aspectos relacionados com os modos concretos de "fazer" a educação no trabalho quotidiano. Se um bom mestre pode mudar a vida de muitos e se uma boa comunidade educativa pode mudar comunidades inteiras é urgente encontrar os meios adequados para uma educação potente e transformadora.

Não é possível continuar a ignorar os padrões de funcionamento da mente, pretendendo manter activa a atenção dos educandos, durante horas, sem os captar por dentro. Não é uma boa educação (nem uma boa escola católica) a que não é capaz de revolucionar a mente dos alunos, co-mover os alunos, estimular as suas múltiplas inteligências, reconhecendo-as e promovendo-as de forma integral. Por isso, a inovação pedagógica não é a parte profana da escola católica e da pastoral; é a sua essência, se não nos contentamos com banalidades e superficialidades educativas. Não basta, à Escola Católica, formar "bons alunos"; é necessário formar para lá do tempo da escola, adultos íntegros e boas pessoas. A qualidade educativa da Escola Católica não se fica pela qualidade académica. A missão da escola católica não é, ainda, meramente, evangelizar os católicos; é, sim, transformar a vida de todos os que por ela passam, educando a mente, educando a interioridade. É a escola com a missão profética de se tornar farol e educar pessoas capazes de enfrentar o futuro. E, para isso, tem de abrir-se ao que há de melhor nas novas metodologias e nas novas maneiras de compreender e educar a mente.

Esta necessária transformação faz-se através de uma nova consideração dos currículos e de novas metodologias que conferem renovados papéis ao professor. Estas são as chaves da inovação que abrem as portas para educar e desenvolver a inteligência e a competência espirituais. Resume-se brevemente a abordagem que foi efectuada a estes diversos elementos. 

Os currículos. É urgente afastar uma concepção aditiva, fragmentada e acumulativa de currículo – o cérebro não cresce por lhe metermos muitas coisas dentro. A fragmentação a que sujeitamos o conhecimento é fictícia e redu-lo a uma catadupa de informações desprovidas de sentido. O conhecimento real é global e interdisciplinar. O nosso ensino só estimula a memória de curto prazo e descura as outras "memórias" bem mais eficazes e profundas. A incidência nos exames é reveladora desta superficialidade, já que estes apenas avaliam a memória de curto prazo.  Os currículos terão de ter muito "menos", mas com muito mais profundidade. Os currículos têm sido apenas as folhas, as ramas do conhecimento, quando nas raízes encontramos coisas bem mais potentes. Nas raízes encontramos competências e virtudes: ser resiliente, seguro de si, compassivo, criativo, empreendedor, pleno de recursos. Educar e, também, evangelizar, requer que se vá às raízes mais profundas da personalidade. E o mais profundo está na educação da mente.

As metodologias. Não se trata da mente que se "avaliava" com testes de inteligência – estes apenas captavam uma ponta do icebergue. Além disso, o conhecimento não se constrói diagnosticando debilidades, mas com as "fortalezas" de cada criança. É preciso mudar a pergunta “como se ensina” para "como se aprende". Ao contrário do aluno que "é ensinado", o aluno que "aprende" está apto a crescer e a transformar-se a partir de dentro. Gastam-se excessivas energias com a motivação externa dos alunos. Mas o desafio consiste em gerar processos internos e intensos que desconectem o aluno das dispersões e o centrem na actividade de aprendizagem. O nível de implicação na actividade e o grau de bem-estar na sua realização são fulcrais no desenvolvimento e numa verdadeira aprendizagem. Esta aprendizagem real é ruidosa e, até, caótica; não é, certamente, silenciosa e ordenada. A disciplina e o controlo externos estão longe de garantir a aprendizagem; a autêntica disciplina é a que resulta da intensidade da implicação na tarefa.

Os novos papéis do professor. O professor não pode continuar a ser um transmissor de conhecimentos, mas um coreógrafo que organiza os cenários de aprendizagem mais adequados, sem medo do caos, sem medo de perder o controlo: há que "converter-se"! Um bom professor manipula com perícia as forças culturais que definem as aulas: o tempo (dando-o, sem pressas e com abundância, à reflexão profunda); as oportunidades (diferentes, para que os alunos aprendam de muitas e diversas maneiras); as linguagens (verbais e não verbais, em coerência com as finalidades educativas); as interacções e as relações interpessoais (de respeito, cooperação, solidariedade…); os contextos e os espaços (organização e gestão dos ambientes de aprendizagem, da participação, da acção, do silêncio…); as expectativas (inibindo as expectativas que mutilam e potenciando as que fazem desabrochar a inteligência; cultivando a confiança nas capacidades construtivas dos alunos).

O desenvolvimento da inteligência/competência espiritual. Por estranho que pareça, a ênfase e interesse na inteligência espiritual surgiram nos meios empresariais (ao constatar que as pessoas que gozam de bem-estar espiritual – diferente de auto-estima, de que se tem abusado em excesso – são bem mais produtivas) e no âmbito da saúde (ao perceber que a saúde física era, em grande parte, dependente da saúde espiritual).

É possível educar a inteligência espiritual? Não se pode fazê-lo sem educar todas as outras inteligências (cfr. Gardner) e sem a dimensão da profundidade. Também não é possível conceber uma educação espiritual imersa no relativismo. As pessoas são respeitáveis, mas nem todas as culturas o são. Esta educação faz-se com base num corpo de valores universais e irrenunciáveis, como os que estão presentes na Declaração Universal dos Direitos do Homem, ou nas motivações radicais de sentido de personalidades modelares (Madre Teresa de Calcutá, Ghandi, entre muitos outros).

Há experiências que activam de forma prioritária a dimensão espiritual da inteligência e que, por isso, constituem meios privilegiados para a educação espiritual: narrar-se a si mesmo – narrar experiências profundas leva a construir significados; educar na curiosidade – que aguça o sentido de mistério, sem o qual não existe Ciência; educar na escuta activa – criando espaços orientados de diálogo; educar para um compromisso com a Justiça – bem longe das "espiritualidades zen" que em nada comprometem; aprender a preencher, construtivamente, o tempo subjectivo (cf. David Hay) – falar consigo mesmo, sonhar acordado...; ajudar a compreender o novo através de símbolos e metáforas; respeitar a hierarquia de verdades – transmitindo, de forma potente, o que é fundamental, sem os aspectos acessórios e anedóticos (não podemos continuar a contar contos tradicionais da Bíblia: Maria Madalena, por exemplo, não era uma prostituta; o rigor é uma exigência da educação espiritual); centrar em Cristo; dar a conhecer a experiência do Amor cristão como lei de vida, que se derrama sobre justos e injustos.



Newsletter Educris

Receba as nossas novidades