Covid-19: «Despedir não é solução», afirma Papa Francisco

A situação atual, o desespero das pessoas, os mortos, o modo como está a viver este tempo, as crises de fé e as questões do trabalho estiveram no centro da entrevista que o Papa concedeu, via Skype, ao canal espanhol La Sexta

Jordi Evole, jornalista espanhol do canal La Sexta, já não é um estranho para os católicos. No ano passado entrevistou o Papa, num momento único, onde Francisco abriu o coração sobre a questão dos migrantes, a pedofilia na Igreja e as questões do chamado «banco do Vaticano».

Ontem, num programa em videochamada para o Canal La Sexta, e após ter entrevistado da mesma forma uma camionista, uma médica infetada com o Covid-19 e dois filósofos, o jornalista voltou à conversa, aberta e franca, com o Papa Francisco acerca da crise do Covid-19 que afeta a maioria dos países do mundo.

Num momento de profunda crise, e perante “milhares que estão isolados, doentes e mortos sem ninguém ao seu lado”, Jordi Evole questionou o Papa “se já alguma vez teve crises de fé”.

“Já tive as minhas crises de fé e resolvi-as com a graça de Deus. Mas nada nos salva do caminho comum das pessoas, que é o melhor caminho, o mais seguro e concreto. E Isto faz-nos bem a todos”, apontou o Papa.

Crise económica: Despedir não é a solução

Para o Papa, e perante “tantos despedimentos que começam a existir em várias empresas do mundo”, esta “não pode ser a solução nem o caminho”.

“A situação concreta de cada um implica uma reflexão pessoal, de cada um, mas diria, à partida, que se uma empresa despede trabalhadores para se salvar, este não é o caminho a seguir”, apontou o Papa para que “o drama provocado pelo despedimento e as dificuldades por que vão passar o empregado, o trabalhador, a empregada, a trabalhadora é muito maior”.

“Neste momento concreto mais do que despedir, temos que acolher, e fazer sentir aos outros de que estamos numa sociedade solidária. Este é o momento para grandes gestos, esses são os que nos fazem falta agora. O ‘salve-se quem puder’ não é solução”, sustentou.

Francisco afirmou “ter esperança” de que uma crise como a atual “ensine os povos a fazerem uma revisão de vida” para que possamos “sair disto melhores”.

“Infelizmente muitos ficar-se-ão pelo caminho. Este será duro, mas tenho fé”, apontou.

Cientistas: Os santos da porta do lado

Perante a pandemia que leva ao limite os serviços de saúde de vários países o papa manifestou a sua admiração “pelos cientistas e profissionais de saúde que trabalham em prol das pessoas contagiadas pela covid-19” e qualificou-os com “os santos da porta do lado poque arriscam a sua vida pelo próximo”, apontou.

“Admiro-os muito pois ensinam-me como me empenhar ainda mais”, destacou o Papa que recordou “as difíceis condições que muitos destes profissionais enfrentam no dia a dia e os sacrifícios pessoais que fazem, estando, muitos deles, impedidos de irem a casa durante muito tempo e havendo já várias mortes entre eles”, afirmou visivelmente emocionado.

Numa altura em que o Vaticano “aplicou o plano de contingência” o Papa afirmou continuar a “trabalhar normalmente”, mas num outro registo.

“Continuo a fazer a minha vida normal. Deixei de receber grupos, mas continuo com reuniões privadas e trabalhos”, explicou.

Um Submundo com o qual nos habituamos a viver

Perante o “fecho de muitas empresas” e a “deterioração do dado económico” Francisco lamentou o “submundo de humanidade” que fica agora a descoberto e que é preciso ajudar.

“No outro dia um polícia, aqui de Roma, mandou um homem para casa. Ele, por sua vez, retorquiu-lhe: ‘Já não tenho casa. Vivo na Rua’. Perante estas situações, estes submundos de humanidade, visível nos sem abrigo ou na exploração sexual das mulheres, é urgente um novo olhar. Não podemos continuar a agir como “uma sociedade inconsciente”.

“Começamos a estar perto dessas pessoas que conhecemos como abstração”, lamentou para pedir “um resgate da convivência e este talvez seja um dos efeitos desta tragédia, muito triste”, disse.

Educris|23.03.2020



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