«Liturgias Domésticas», padre Vasco Gonçalves

O tempo é de Quaresma, em dias de quarentena. A comunidade cristã dispersou e foi crescendo um vazio, bem retratado nas poucas igrejas que permanecem de portas abertas. As famílias vivem um “exílio” em suas próprias casas. Os dias são de “travessia” e, sem o sabermos, a sede cresce nos nossos corações. O Espírito Santo é o único que não pára e ajuda-nos a compreender que, na contingência, a força genuína da fé e da Igreja está na beleza da Igreja doméstica.

Muito mais do que dar uma oportunidade à família, pretende-se recuperar uma tradição de liturgias domésticas que aconteciam sobretudo por ocasião de grandes celebrações, como a Páscoa. Já no Antigo Testamento se celebravam à volta da Palavra de Deus, quando os pais narravam aos filhos as histórias bíblicas. No Novo Testamento, sobretudo nos Atos dos Apóstolos e nas cartas de S. Paulo, há inúmeras referências à vida da fé nas casas. Os Padres da Igreja, como Jerónimo, Orígenes, Basílio e Agostinho, estimulavam com insistência a leitura da Bíblia em família. Entre eles, é S. João Crisóstomo que, no contexto de uma eclesiologia em que sublinhou a responsabilidade laical, apontou os deveres da Igreja doméstica, desafiando: “volta para tua casa e prepara uma mesa dupla: uma, a dos alimentos, a outra, a da Sagrada leitura… que os filhos a escutem e… deste modo farás da tua casa uma Igreja ” – o termo usado é “eclesiola”, isto é, Igreja em miniatura. O Concílio Vaticano II recuperou o termo usado por S. João Crisóstomo, traduzindo-o para “Igreja doméstica”, e S. João Paulo II tentou consciencializar a família como Igreja, santuário de vida e amor, sobretudo com a Familiaris Consortio.  O Papa Francisco, na Amoris Laetitia, convida a família a olhar-se a partir da sua essência, do que a torna verdadeiramente família: o Amor! Não há nenhuma história de família banal, porque cada história de amor que está na sua base revela o essencial e aproxima-se de Deus.

Em quarentena e em Quaresma, queremos compreender o que é parar e saborear o essencial nas nossas vidas: vamos viver e celebrar no coração das casas o Amor e a Fé. A Igreja apresenta, neste tempo várias propostas de oração em família à volta da Mesa da Palavra. Desta forma, apesar das circunstâncias nos dispersarem da igreja, lugar da celebração comunitária, podemos viver o dia do Senhor em sintonia e em comunhão de famílias.

É o tempo da contenção e reflexão, do estado de emergência, mas é o tempo da família. Numa humanidade fragilizada, tudo o mais, que nos fazia correr, deixou de ser importante e fica só a família, os seus laços e gestos de amor. E, com a família, o bom Deus, Aquele que nunca deixou de estar e proteger.

Vamos aproveitar esta ocasião dolorosa para celebrar, nas nossas casas, a fé e o amor de um Deus que salva o mundo! Por isso, para além das várias transmissões da Eucaristia, online ou na Televisão e rádio, não queremos dispensar as outras celebrações domésticas que vamos propondo, sobretudo celebrações da escuta da Palavra de Deus à volta da mesa e a recitação do terço.

Tudo isto porque a família é a encruzilhada essencial e incontornável nas nossas vidas!

 

Pe. Vasco António da Cruz Gonçalves



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