Domingo de Ramos: «Um Rei novo nos nossos caminhos»

Domingo de Ramos: Mc 11,1-10; Is 50,4-7, Sl 22; Fl 2,6-11; Mc 14,1-15,47

1. Batizado com o Espírito Santo no Jordão, confirmado com o Espírito Santo no Tabor, Jesus realizou a sua missão filial batismal anunciando o Evangelho do Reino de Deus e fazendo as suas «obras». A sua «viagem» chega agora ao fim, em Jerusalém, onde o seu Batismo deve (plano divino) ser consumado (ainda Lucas 12,49?50) na sua Morte Gloriosa: única Fonte do Espírito Santo para nós, porque única Fonte da Vida Eterna verdadeiramente Dada (sempre Atos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,38-39). De facto, não se alcança através da nossa planificação. As coisas supremas não são planificáveis. Já estão prontas para receber. A missão filial batismal do Filho de Deus finalmente consumada! É que fomos, de facto, batizados na sua Morte (Romanos 6,3), e, com Ele, fomos  com?sepultadoscom?ressuscitadoscom?vivificados e com?sentados na G1ória! (Efésios 2,5?6; Colossenses 2,12?13: tudo ver­bos cunhados por Paulo e postos em aoristo histórico!). For­mamos, por isso, «a Igreja que Ele amou» (Efésios 2,25). A este amor de Cristo pela Igreja chama Paulo «o mistério grande» (Efésios 5,32). Nós, a Igreja do amor de Cristo, somos, portan­to, a esposa bela, a nova Jerusalém (Apocalipse 19,7?9; 21,2.9-27) que, juntamente com o Espírito, diz ao Senhor Jesus: Vem! (Apocalipse 22,17).

2. O tom deste Domingo de Ramos é dado pela página preciosa de Marcos 11,1-10, que nos mostra o Rei messiânico a tomar posse da sua Cidade, a «Cidade do Grande Rei» (Salmo 45,5; 47,2-3; Tobias 13,11; Mateus 5,35), a Esposa bela que nascerá do seu Sangue: Esposa cúmplice da Morte do Esposo, e beneficiária da Morte do Esposo! Esposa, portanto, e no entanto! Que ao encontro do Esposo desce em vestido de noiva, não de viúva! (Apocalipse 21,2). O Rei messiânico toma posse da sua Cidade, a Filha de Sião, a Esposa; vem montado sobre o jumento da paz, e não sobre cavalos de guerra, cumprindo Zacarias 9,9. De notar que Zacarias escreveu esta página deslumbrante de um Rei diferente, pobre, manso e humilde, em contraponto com o imponente espetáculo do grande Alexandre Magno, porventura o maior imperador que algum dia o mundo conheceu, quando este, em finais do século IV a. C., descia a costa palestinense a caminho do Egito, com todo o seu arsenal de riqueza e de prepotência militar! Estendem-se as capas e ramos de árvores no caminho: assim se procedia quando era ungido o rei e como tal aclamado, como se pode ver no caso de Jeú (cf. 2 Reis 9,13). A multidão canta «Hossana» [= «Salva, por favor!»] (Salmo 118,5), saudando o Rei-que-Vem, «Aquele-que-Vem» (título divino) (Salmo 118,26), com o Reino de David, o novo David!

3. Dado o insólito da situação, não é possível não reparar que Jesus não entra em Jerusalém como Peregrino ou Mestre ou Taumaturgo. Mas como o Rei futuro prometido, pobre e humilde, anunciado em Zacarias 9,9. Por isso, nesta última etapa do seu caminho, desde Betfagé e Betânia, perto do Monte das Oliveiras, até à Cidade de Jerusalém, Jesus não vai a pé, como sempre andou nos caminhos das cidades e aldeias da Palestina, ou de barco, quando se tratava de atravessar o mar da Galileia. Agora, neste último troço da sua viagem, Jesus faz questão de o percorrer, não a pé, mas montado num jumento, ainda não montado por ninguém (Marcos 11,2): o Rei é o primeiro em tudo! E toda a temática relativa ao jumento montado por Jesus torna-se tão evidente, que não pode passar despercebida a ninguém. Basta reparar na distribuição dos dez versículos desta passagem (Marcos 11,1-10): sete ocupam-se com a meticulosa procura do jumento e com o modo simples e novo, sem arreios, como Jesus o monta!

4. Ainda hoje, no domingo de Ramos, não obstante o ambiente abertamente hostil aos cristãos que se respira, se faz, desde Betfagé, uma pequena aldeia hoje totalmente muçulmana com um pequeno santuário à guarda dos Franciscanos, uma impressionante procissão e manifestação de fé que, descendo o Monte das Oliveiras, termina na Igreja de Santa Ana, junto da porta de Santo Estêvão (ou dos Leões).

5. O Evangelho que enche este Domingo de Ramos na Paixão do Senhor é o imenso e impressionante relato da Paixão de Marcos 14,1-15,47 (note-se que o texto soma 119 dos 677 versículos que contabiliza o inteiro Evangelho de Marcos), que marca o ritmo da «Semana Santa», que as Igrejas do Oriente chamam «Semana Grande», e que o antigo rito da Igreja de Milão conhecia por «Semana Autêntica». Somos nós, portanto, carregando os nossos ódios, raivas, mentiras, invejas e violências, seguindo a par e passo o Rei manso e obediente que a nós e por nós se entrega por amor, absorvendo, absolvendo e dissolvendo assim o nosso lado sombrio e pecaminoso. Momentos decisivos em que a Esposa bela, por graça tornada bela, segue o Esposo passo a passo: a unção para a sepultura em Betânia (Marcos 14,3-9), a Ceia Primeira (e não última!) (Marcos 14,12-31), o abismo do Getsémani (Marcos 14,32-42), a prisão (Marcos 14,43-52): todos o abandonam (Marcos 14,50); Jesus fica sozinho, verdadeiro «Resto de Israel», os processos e a condenação (Jesus afirma?se como «o Bendito», «o Filho de Deus», «o Messias», «o Rei»), a en­trega à morte de cruz por Pilatos (Marcos 15,15), mas, na verda­de, por Deus (1 Coríntios 11,23: paredídeto: passivo divino!), a coroa de espinhos, a Cruz santa e gloriosa, as três tentações por parte dos que passavam, dos sacerdotes, dos demais cruci­ficados: «salva?te a ti mesmo», «desce da cruz» (Marcos 15,29?32), a oração do Salmo 22 (todo): começa «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», e termina «esta é a obra do Senhor!», a ago­nia e a Morte precedida do grande grito (Marcos 15,33 e 37), que indica a Vitória de Deus, enfim, a sepultura. Proclamação da máxima Obra de Deus no mundo, a indizível Economia divina na vida terrena do Filho de Deus! A proclamação deve seguir?se com a conversão do coração, e, sobretudo, com o louvor no coração.

6. Quem atravessa com extremosa atenção este imenso texto, há de por força reparar no silêncio prolongado de Jesus perante testemunhas e acusações falsas. Este silêncio aparece condensado e referido em dois momentos, que são também os únicos em que Jesus quebra o silêncio para responder a duas perguntas. Primeira anotação: «Levantando-se então o sumo-sacerdote no meio deles, interrogou Jesus, dizendo: “Nada respondes a estes que testemunham contra ti?”. Ele, porém, ficou calado, e nada respondeu. O sumo-sacerdote interrogou-o de novo: “És tu o Cristo, o Filho do Bendito?”. Então Jesus disse: “Eu sou!”» (Marcos 14,60-62). Segunda anotação: «Pilatos interrogou-o: “Tu és o Rei dos judeus?”. Ele então respondeu e disse-lhe: “Tu o dizes!”. E acusavam-no os sumo-sacerdotes de muitas maneiras. Então Pilatos interrogou-o novamente e disse-lhe: “Não respondes nada? Vês de quantas coisas te acusam!”. Jesus, porém, nada mais respondeu» (Marcos 15,2-5). Vê-se bem que Jesus apenas quebra o silêncio por duas vezes, para responder a duas perguntas sobre a sua identidade.

7. Vendo bem, somos todos levados a percorrer e a reviver as últimas decisivas vinte e quatro horas de Jesus, sensivelmente desde as 15h00 de Quinta-Feira Santa até perto das 18h00 de Sexta-Feira Santa:

15h00 = Preparação da Ceia

18h00 = Ceia Primeira!

21h00 = Getsémani

24h00 = Prisão de Jesus

03h00 = Pedro nega e o galo canta

06h00 = Jesus diante de Pilatos

09h00 = Crucifixão de Jesus

12h00 = as trevas em vez da Luz!

15h00 = Morte de Jesus

18h00 = Sepultamento de Jesus

 

8. Note-se que, na cronologia dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), esta Quinta-Feira é o dia da Preparação da Páscoa, comendo-se a Ceia Pascal logo após o pôr-do-sol (no calendário religioso hebraico já é Sexta-Feira, dado que o dia começa com o pôr-do-sol). Como se vê, esta cronologia vê na Ceia de Jesus com os seus Discípulos uma Ceia Pascal. Também de acordo com esta cronologia, Jesus é preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado em Sexta-Feira, Dia da Páscoa dos judeus, o que seria muito estranho! O Evangelho de S. João apresenta outra cronologia, hoje defendida pela maioria dos estudiosos, segundo a qual Jesus terá comido uma Ceia, a sua Ceia Nova em Quinta-Feira, mas não a Ceia ritual da Páscoa dos judeus, e foi preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado, em Sexta-Feira, dia da Preparação, antes da Ceia ritual da Páscoa dos judeus, que João coloca no Sábado, e não na Sexta-Feira. No seu Livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI defende também esta cronologia joanina. De resto, as Igrejas do Ocidente seguem a cronologia dos Sinóticos: por isso, a nossa Eucaristia é com pão Ázimo, derivado do ritual da Ceia da Páscoa dos judeus. Por seu lado, as Igrejas do Oriente seguem a cronologia joanina, sendo a sua Eucaristia com pão comum, dado não derivar do ritual da Páscoa dos judeus.

9. O Antigo Testamento serve-nos hoje o chamado «terceiro canto do Servo» (Isaías 50,4-7). Gerado na dor de Israel como verdadeiro filho do milagre (Isaías 49,21), ergue-se esta singular figura de «Servo» (‘ebed), totalmente nas mãos de Deus, desde a sua predestinação desde o seio materno (Isaías 49,1 e 5), passando pela sua entrega à morte (Isaías 53,12), até à sua exaltação e glorificação (Isaías 52,13), de tal modo que Deus o pode chamar «meu Servo» (‘abdî). Na lição de hoje, o «Servo» é um Discípulo a quem Deus abre os ouvidos até ao coração, para ouvir bem a música de Deus, e poder levar uma palavra de consolo aos dela necessitados. «Tornando o seu rosto duro como uma pedra» (Isaías 50,7), apresenta-se como um Servo, não insensível e indiferente, mas decidido a levar até ao fim a missão que lhe é confiada. A mesma expressão será dita acerca de Jesus em Lucas 9,51, quando toma a decisão inabalável de se dirigir para Jerusalém. O Novo Testamento passa por aqui!

10. Em claro paralelismo com o «Servo», cantado por Isaías, aí está Jesus apresentado por Paulo aos Filipenses (2,6-11). Mas aqui, o «Servo» tem um Rosto e um Nome: Jesus recebeu, na sua Humanidade, o Nome divino (ver também Hebreus 1,1-4), Nome incomparável (Filipenses 2,9). Por isso, agora, todos os seres criados adoram o Nome-Jesus (Filipenses 2,10), e «toda a língua», isto é, todo o ser humano racional, professa: «Senhor é Jesus Cristo!». Notar a ordem dos três termos, errada nas versões modernas: Senhor, isto é, Deus eterno, é o Homem-Jesus Cristo. O acento cai, pois, sobre Senhor. O fim em vista: a Glória do Pai com o Espírito (Filipenses 2,11). É quanto Deus operou na Cruz e semeou no nosso coração.

11. Voltamos à música do Salmo 22, uma oração que nasce na Paixão e termina na Páscoa! É belo tomarmos consciência de que Jesus nos pediu estas palavras emprestadas, para no-las devolver a transbordar de sentido. Já se sabe que aquele «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», que Jesus reza na Cruz, e que são as primeiras palavras do Salmo, implica, segundo a praxe judaica, a recitação do Salmo inteiro, que tem uma primeira parte de fortíssima lamentação (v. 2-22), passando logo para uma segunda parte que expressa consolação por ver Deus ao nosso lado, tão próximo de nós (v. 23-27), e terminando em verdadeira exultação (v. 28-32). O grande pregador francês Jacques Bossuet (1627-1704) declarava bem-aventurados aqueles que, recitando este Salmo, se encontram com Jesus, tão santamente tristes e tão divinamente felizes!

 

Senhor Jesus,

Senhor dos Passos

Serenos e seguros no caminho da vida e da Paixão,

Da ressurreição.

 

Senhor Jesus,

Senhor dos Passos

Sossegados e firmes,

Resolutos,

Até à porta do meu coração.

 

Senhor Jesus,

Senhor dos Passos,

Dos meus e dos teus,

Finalmente harmonizados,

 

Finalmente lado a lado:

Os meus, imprecisos, indecisos,

Atravessados pelo teu Perdão;

Os teus, sossegados e firmes,

Sincronizados pelo pulsar do meu coração.

 

Sim,

Eu sei que foi por mim que desceste a este chão

Pesado, íngreme, irregular,

De longilíneas lajes em que é fácil escorregar.

Mas os teus braços sempre abertos ajudam-me a levantar.

 

Senhor Jesus,

Deixa-me chegar um pouco mais junto de ti,

Chega-te tu também mais junto de mim.

Segura-me.

Dá-me a tua mão firme, nodosa e corajosa.

Agarro-me.

Sinto sulcos gravados nessa mão.

Sigo-os com o dedo devagar.

Percebo que são as letras do meu nome.

Foi então por mim que desceste a este chão.

O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.

 

Senhora das Dores, Maria, minha Mãe,

Que seguiste até ao fim os passos do teu Filho,

Acompanha e protege os meus passos também.

 

Obrigado, Senhor Jesus,

Meu Senhor, meu Irmão e companheiro.

António Couto



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