Opinião: E depois do Crisma?, por pe. Paulo Malícia

Na esmagadora maioria das paróquias, o sacramento do Crisma é proposto no final de uma caminhada de aproximadamente dez anos de catequese (entre os 6 e os 16 anos de idade) que correspondem a um itinerário de iniciação cristã alicerçado em dez catecismos.

Depois deste período de catequese sistemática, os crismados integram os chamados "grupos de jovens" e continuam ligados à sua comunidade paroquial, mas outros, muitos, deixam de pertencer a um grupo específico na paróquia e, em alguns casos, abandonam até a prática sacramental. Infelizmente, o anedotário eclesiástico é pródigo em glosar aqueles que depois do crisma se vão embora e nunca mais os vemos. Não é aqui o espaço para uma reflexão profunda sobre os desafios pastorais pós-Crisma, nem o autor destas linhas estaria à altura de tal tarefa. Mas, porque não podemos deixar de nos interrogar o que fazer perante essa aparente debandada, bem como com os jovens que depois de dez anos de catequese semanal querem e devem continuar a edificar a comunidade cristã, gostaria de deixar aqui alguns tópicos para uma reflexão sobre a pastoral desta fase tão bonita e desafiante da vida cristã.

Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que, pelo facto de muitos deixarem de pertencer a um grupo paroquial, não significa que deixem de ser cristãos comprometidos no mundo. Nesta idade de emancipação e afirmação, o sentido de pertença está em profunda transformação. É altura de novos desafios e, consequentemente, de questionarem antigas e novas pertenças. Os seus modelos identitários estão em mudança e é natural que procurem e integrem grupos e espaços diferentes. As redes sociais, o mundo universitário e o despertar de novos compromissos culturais, sociais e afetivos ocupam agora um lugar central na vida destes jovens. Muitos dos que deixaram o grupo da paróquia depois do Crisma continuam a dar um testemunho de fé pela forma como estão presentes como cristãos em tantas iniciativas de carácter social (o voluntariado por exemplo), cultural e escolar, muitas vezes em ambientes em que não é nada fácil assumir o Evangelho como estruturante da identidade e das opções fundamentais da vida. A pertença à Igreja não se esgota na participação em grupos paroquiais. A catequese pós-Crisma implica assim uma aposta forte na pastoral escolar, universitária e da cultura, e uma presença assídua e de qualidade nas redes sociais de modo a que estes novos espaços que os desafiam sejam também formas agregativas de vida cristã.

Em segundo lugar, parece evidente que o grande desafio da pastoral pós-Crisma está a montante. Se durante dez anos de catequese o catequizando não se sentir protagonista de uma experiência de encontro com Cristo no seio de uma comunidade, mais cedo ou mais tarde vai-se embora. Para tal, urge descolarizar a catequese da infância e da adolescência, transformando-a numa experiência significativa de fé e de vida (mistagogia), numa verdadeira iniciação cristã. Se a catequese é mais uma hora no horário escolar e o Crisma o fim do curso da fé, terminando o curso o que resta? É necessário, pois, que à medida que o adolescente vai progredindo na sua caminhada de iniciação, sinta que faz parte de uma comunidade viva, onde encontra espaço para desabrochar o dom da fé e respostas de sentido para a sua vida. Há que integrar logo desde o início da catequese o catequizando na vida da comunidade de modo a que este sinta que aquele é o seu espaço e que nele se pode encontrar com Cristo. Não podemos esquecer que a dinâmica evangelizadora é comunitária e que o adolescente aprende fazendo. Comunidade e missão são palavras-chave na pastoral da adolescência e juvenil que precisam de ser repensadas e operacionalizadas em propostas catequéticas. Paralelamente, é necessário encarar os sacramentos da iniciação como momentos estruturantes da caminhada cristã e não como pontos de partida ou de chegada ou, ainda, como medalhas de bom comportamento e de assiduidade. Os sacramentos são os principais meios de graça, pelos quais a Igreja se consolida como Povo do Senhor e os cristãos crescem na conversão, em ordem à santidade. O Crisma não é fim de um percurso nem o culminar da iniciação cristã: «Se verdadeiramente a Eucaristia é fonte e ápice da vida e da missão da Igreja, temos de concluir antes de mais que o caminho de iniciação cristã tem como ponto de referência tornar possível o acesso a tal sacramento. A propósito, devemos interrogar-nos se as nossas comunidades cristãs têm suficiente noção do vínculo estreito que há entre Batismo, Confirmação e Eucaristia; de facto, é preciso não esquecer jamais que somos batizados e crismados em ordem à Eucaristia. Este dado implica o compromisso de favorecer na ação pastoral uma compreensão mais unitária do percurso de iniciação cristã.» (Sacramentun caritatis, n.º 17)

Finalmente, impõe-se a pergunta: Que devemos então propor aos jovens que depois de dez anos de catequese paroquial são crismados e esperam um desafio novo? Depois do Crisma a catequese e a vida cristã continuam. Mas, tal como referi em cima, mais importante que propor aos crismados um percurso sistemático de estilo escolar é necessário proporcionar-lhes uma experiência de edificação e pertença a uma comunidade cristã onde possam ler a vida à luz do Evangelho e fazer uma caminhada de conversão e encontro com Cristo e com os irmãos. Deixo algumas sugestões que me parecem transversais a todos os grupos, salvaguardando sempre que cada comunidade terá de encontrar o seu caminho.

 - Existem alguns itinerários catequéticos pensados para esta fase que podem ser um bom suporte para o grupo (projeto GPS das edições salesianas, itinerário juvenil da diocese de Lisboa). É importante que os grupos tenham um fio condutor e um líder com maturidade humana e cristã, que sabe quem é e para onde vai, capaz de os motivar e desafiar.

 - É fundamental nesta etapa da caminhada cristã consolidar a participação dos jovens na comunidade. Devem pois ser convidados e responsabilizados para assumirem tarefas concretas nas diferentes áreas da evangelização (liturgia, comunhão, serviço e ministério da palavra).

 - Os jovens devem sentir-se protagonistas de um novo projeto. Para tal há que envolvê-los na programação do ano e dos objetivos, para que no grupo possam debater as questões que lhes interessam. Mais importante que seguir um modelo ou um catecismo é adotar um estilo de encontro que possibilite uma leitura crente da realidade (da sua vida), pois corremos o risco de andar a dar respostas a perguntas que ninguém coloca. A catequese não pode ficar marginal à vida e à pessoa. Nesta linha, importa experimentar modelos catequéticos diferentes do modelo que durante dez anos experimentaram, tais como a lectio divina, a revisão de vida e a partilha da palavra, não esquecendo que a Palavra de Deus é o grande catecismo da Igreja.

 - Esta fase da caminhada cristã deve ser marcada por uma verdadeira mistagogia. O catequizando deve fazer uma experiência do mistério cristão e de tudo o que lhe é proposto na catequese. A dimensão celebrativa é pois essencial, devendo apostar-se numa pedagogia da espiritualidade que proporcione momentos de verdadeiro encontro com Deus (Eucaristia, momentos de oração, retiros, etc.) em que todos se sintam participantes ativos e não meros assistentes.

 - O espaço do grupo não pode ficar reduzido a uma sala na paróquia. O mundo é agora o lugar de catequese. É importante ajudar os jovens a ler o mundo e desafiá-los para o compromisso cristão nos espaços novos que frequentam. Mais do que prepará-los para a missão, devemos convocá-los para a missão, evangelizá-los na missão e deixar que a missão os evangelize.

 -  Num tempo de tantas linguagens, não nos podemos reduzir a um modelo pedagógico e comunicacional. Os encontros devem ter em conta a multidimensionalidade da comunicação (o mix imagem, som, emoção), bem como tantas formas diferentes de catequese (catequese com a arte, a imagem, o encontro direto com a Escritura, etc.)

 - Num mundo marcado por uma globalização que reduz o indivíduo à massa, a necessidade de individualizar percursos não só é uma prioridade, como uma forma de motivar e responsabilizar os crismados com o compromisso cristão que assumiram. Depois do Crisma, o jovem deve ser ajudado a elaborar o seu projeto pessoal de vida, através de uma catequese que privilegie uma pedagogia vocacional, capaz de o ajudar a descobrir e concretizar sua vocação batismal.


Muito mais haveria para dizer sobre a pastoral do pós-Crisma. Aqui fica apenas, ainda que de forma sucinta, o sublinhar de alguns tópicos fundamentais. Com o esforço de todos, estou certo que encontraremos formas de dar resposta a este desafio, com a certeza de que sem o Senhor nada se pode fazer. Numa altura em que a Igreja portuguesa procura repensar a sua identidade e missão, é hora de assumirmos que só comunidades evangelizadas e evangelizadoras podem proporcionar um itinerário de iniciação cristã capaz de gerar cristãos maduros na fé e comprometidos com a sua missão no mundo.

 

Padre Paulo Malícia, diretor de Departamento de Evangelização do Patriarcado de Lisboa



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