Aveiro: «Em Niceia o encontro do Evangelho com a cultura foi caminho de esperança», D. Alexandre Palma

O bispo auxiliar de Lisboa foi o convidado de nova sessão do «Tertúlia com Fé» e aprofundou a relação entre “o Concílio de Niceia” e o “hoje da Igreja”

D. Alexandre Palma considera que o Concílio de Niceia, promoveu “o encontro do Evangelho com a cultura” e sustenta que isso “permitiu lançar uma semente sobre o modo como o próprio Cristianismo se foi dizendo a si mesmo”.

“O encontro do Evangelho com a cultura foi semente de um caminho que se abriu, um caminho de esperança”.

Durante a conferência, subordinada ao tema «Cristianismo, hoje: que esperança? Nos 1700 anos do Concílio de Niceia», que se realizou em Aveiro, o presidente da Presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, convidou os presentes a aprofundar o modo como o cristianismo primitivo “soube procurar na cultura dita pagã” a solução para um problema interno.

“A solução do impasse, entre os partidários de Ário” e os que consideravam “Jesus verdadeiro Deus foi encontrada fora do cristianismo”.

“Foram-se buscar conceitos de filosofia grega, platónica e não platónica para resolver o problema. A cultura pagã, reinterpretada, permitiu ultrapassar o impasse. Lembremo-nos do apóstolo Paulo que convida a perscrutar tudo, a estudar tudo e a ficar com o que é bom. Ouve, estuda, e depois no final se houver algo bom guarda-o”, apontou.

Do primeiro Concílio Ecuménico à relevância do dado religioso na sociedade

Situando histórica e geograficamente o acontecimento Niceia, o prelado disse aos participantes que este concílio “inventa o conceito de «Concílio Ecuménico».

“Niceia inventa o conceito de Concilio Ecuménico. Até aqui, tinha havido sínodos locais e regionais, mas não tão alargados. Aqui temos a primeira novidade de Niceia”, disse.

D. Alexandre Palma chamou a atenção para a relevância que uma reunião da Igreja tinha para o próprio equilíbrio do Império Romano.

“Os romanos preocupavam-se, grosso modo, com a ordem pública e com a coleta de impostos. Ser um imperador a convocar o Concílio, que se realiza no seu palácio, fala-nos hoje acerca da sua grande preocupação em resolver uma questão interna da Igreja. Isto porque no entender o Império a divisão dentro o cristianismo era um problema político pois afetava o equilibro da esfera pública e política”, advogou.

Para o também professor da Faculdade de Teologia, da Universidade Católica Portuguesa, Niceia fez com que o Cristianismo entre “numa nova fase de desenvolvimento”.

“Este momento é como que o primeiro episódio de uma nova estação do cristianismo que nasce semita, na zona da Palestina, umbilicalmente ligado ao Judaísmo, segue-se a clandestinidade e disseminação, no meio de perseguições, e com Niceia entra numa fase nova do desenvolvimento”, advogou.

Niceia no hoje da Igreja: Uma abertura à esperança

Na parte final da sua reflexão D. Alexandre Palma, que já havia dito que a primeira preocupação de Niceia “não era debater a esperança” – antes acertar a datação da Páscoa e resolver a questão levantada pelo arianismo - apresentou alguns pontos que a partir da experiência de Niceia podem ser “hoje lugares de esperança para a Igreja”.

“Niceia, e o seu Símbolo, mostra-nos, em primeiro lugar, a prioridade à atitude do louvor crente. A ação de graças dos crentes que veem a ação de Deus na realidade”.

Como segundo lugar de esperança, uma espécie de herança de Niceia para os nossos dias, D. Alexandre Palma apresentou “a figura de Jesus”.

“A figura de Jesus que é central por causa do debate de então. Não a fé num deus abstrato, mas o foco cristológico, cujo rosto histórico é real: Jesus de Nazaré. Uma presença de Deus histórica e não um deus menor. A possibilidade de a história poder ser o lugar do todo de Deus e não um deus em partes. Um Deus que não subordina e não é subordinado. Um Deus que partilha tudo o que é. Tudo o que é, na linguagem de Niceia é a tal substância [ndr: Na formulação de Niceia diz-se consubstancial ao Pai]. Fazer iguais é um tema para a esperança. Não subordinar, tudo entregar, eis a lógica subjacente a Niceia”, desenvolveu.

“Uma humanidade capaz de Deus”, foi o terceiro ponto aventado pelo prelado que afirmou a ideia de que este concílio“falando de Deus a propósito de Jesus fala da Humanidade”.

“A humanidade não acolhe uma centelha de Deus, mas o todo de Deus. Vemos aqui uma profissão da fé em Deus e na humanidade em Deus. A humanidade capaz de Deus, na totalidade, e não se um sub-deus. Una e única substância. A humanidade como lugar de esperança”, aprofundou.

Por fim D. Alexandre Palma desejou que a Igreja atual olhe para si mesma como a Igreja de Niceia, que se entendeu como “lugar de debate, de controvérsia”.

“Temos hoje excesso de puritanismo. Em Niceia vemos a Igreja como lugar de superação, uma Igreja de Igrejas. Niceia inaugura um esforço de tornar ecuménico, sinodal este caminho de se autodizer. Canoniza a forma sinodal, sem idealismos nem puritanismos. Não é um processo fácil. A história de Niceia é tão complicada depois como foi antes. Até à década de 60, do século XX, Niceia é altamente criticada em diversos quadrantes. A história de Deus vai-se construindo também desta forma. A experiência eclesial, nas suas convulsões, é processo de esperança”, completou.

O «Tertúlia com Fé» foi uma organização da Comissão Diocesana da Cultura, com o Centro Universitário Fé e Cultura da Diocese de Aveiro.

Áudio: Serviço de Comunicação da Diocese de Aveiro

Imagem: Shutterstock.com

Educris|14.04.2025



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