Domingo I do Advento: «Para Vós, Senhor, elevo a minha alma!»

1. «Para vós, Senhor, elevo a minha alma» (Salmo 25,1). Antífona do Cântico de Entrada que inaugura a celebração eucarística do Advento, do ano litúrgico, do ano inteiro. Aponta a atitude a assumir pela assembleia fiel e orante: a oblação permanente, a oração constante. Extraordinário pórtico de entrada no Advento e no novo ano litúrgico. Belíssima forma de viver, elevando para Deus a nossa vida: a oração é a nossa vida! A nossa vida em ascensão e oração permanente, sacrifício de suave odor, incenso puro subindo para o nosso Deus. Sempre. O Evangelho dirá com a mesma energia e alegria: «Estai atentos», «vigiai», «não sabeis quando virá o dono da casa» (Marcos 13,33-37). Na verdade, nós não o podemos ver: é como um homem que partiu de viagem (Mateus 13,34). Todavia, tudo o que possuímos foi dele que o recebemos (Mateus 13,34). Portanto, vida levantada, rosto erguido para Deus. É o gesto do justo justificado por Deus (Job 22,26). Página em branco, Primeira e Última, que podemos apresentar a Deus neste início de Advento e de ano litúrgico. É de Deus a palavra e a escrita que não passa (Marcos 13,31).

2. A lição do Evangelho de hoje (Marcos 13,33-37) está atravessada pelo verbo «vigiar», por quatro vezes repetido (13,33.34.35.37), em imperativo: uma vez agrypneîte (agr-, negação, e hypnóô, dormir) (v. 33), e três vezes grêgoreîte, vigiar (v. 34.35.37). No Getsémani, Jesus clarificará em que consiste esta «vigilância», pois aí dirá: «vigiai e orai» (Marcos 14,28). É preciso manter o coração sintonizado com o coração de Deus. Daí as vigílias da noite também enunciadas no v. 35: ao anoitecer (21h00), à meia-noite (24h00), ao cantar do galo (03h00) e às matinas (06h00). A locução «estai atentos» atravessa também por quatro vezes o inteiro Capítulo 13 do Evangelho de Marcos (13,5.9.23.33), que é um Capítulo em que Jesus fala para quatro discípulos: Pedro, André, Tiago e João, sentados no Monte das Oliveiras, diante do Templo (Marcos 13,3).

3. O Templo ainda está de pé (será destruído no ano 70), e os discípulos admiram a excelência daquelas pedras e do embelezamento do Templo feito por Herodes o Grande, com a intenção de captar as boas graças dos judeus, já que Herodes não era judeu, era Idumeu, e estava interessado em ter os judeus do seu lado. Jesus adverte que aquele luxo passaria, e aproveita para lembrar que passará mesmo tudo, também as nossas seguranças (ou aquilo que pensamos estar seguro), sacudidas por guerras, violências, rapinas, perseguições, pelo normal andamento do tempo e da idade. Com a contundência que lhe é conhecida, diz-nos São Paulo que «passa, na verdade, a figura (tò schêma) deste mundo (toû kósmou toúto)» (1 Coríntios 7,31), isto é, tendo em conta a força das palavras e a expressão gramatical de que se revestem, «a figura que passa (na tela) é este mundo». Sem equívocos: a realidade deste mundo é penúltima, não Última. Neste cenário passageiro, há, porém, uma realidade que não passa: a palavra de Jesus (Marcos 13,31). Salta à vista, portanto, que é a esta âncora que nos devemos agarrar, e não à poeira das nossas grandezas ilusórias! Este discurso é dirigido aos quatro discípulos referidos. Mas, o Evangelho de hoje termina com Jesus a dizer: «O que vos digo a vós, digo-o a todos!». Portanto, a nós, hoje, também.

4. O escritor argentino Jorge Luis Borges deixou-nos versos densos como estes, acentuando a importância e a intensidade de cada momento da nossa vida a não desperdiçar: «Não há um instante que não esteja carregado como uma arma»; «Em cada instante o galo pode ter cantado três vezes»; «Em cada instante a clépsidra deixa cair a última gota». E o poeta brasileiro Vinícius de Moraes escreveu assim num belíssimo poema: «A coisa mais divina/ Que há no mundo/ É viver cada segundo/ Como nunca mais». É assim, sempre vigilantes, amantes e esperantes, sempre à escuta e à espera de alguém, com Amor imenso e intenso, que rasga o próprio tempo, que devemos encher todos os nossos instantes, como se fosse a primeira vez, como se fosse a última vez. Aprendamos então que tudo no Evangelho é decisivo, pois é-nos mostrado com toda a clareza que cada passo conta, cada gesto conta, cada palavra conta, cada copo de água conta!

5. Átrio de um tempo novo, habitado, «carregado» de justiça e de bondade. Obra de Deus no nosso mundo. E só dele. Obra terna, tenra e nova, como um «rebento» de um jovem casal ou de uma planta. Sinal de Primavera no meio da invernia e da lama em que nos vamos atolando, ensonados e enlatados, sem sequer darmos por isso. É, portanto, mesmo preciso que Ele venha e que nos acorde e nos levante da nossa letargia com novas pautas e novos acordes musicais! E que nos dê nomes novos a nós, às nossas cidades, às nossas escolas, aos nossos hospitais, às nossas ruas! Nomes novos, isto é, em termos bíblicos, nova expressão e novas maneiras de viver. UpUpUp! Luz nova lá no alto a atrair os nossos olhos embotados. Instrução nova de Deus para todos os povos, armas transformadas em relhas de arado, flores brancas em mãos ensanguentadas (Isaías 2,1-5).

6. Isaías serve-nos hoje o mais poderoso Salmo de lamentação popular da Bíblia inteira (Isaías 63,17-64,7), nas palavras de Claus Westermann. Nele confessamos a nossa rebeldia, mas também a nossa fugacidade (somos como folhas secas levadas pelo vento), e invocamos o amor paternal, criador e redentor de Deus, para que venha em auxílio da nossa fraqueza. «Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis», ficará para sempre como um grito maravilhoso de quase inultrapassável intensidade e beleza! E, por nós, Deus, nosso Pai, rasgou mesmo os céus, e veio ter connosco (veja-se o cenário maravilhoso da Incarnação, em que o Verbo de Deus comunga da nossa frágil humanidade, e pode ver-se também o cenário do batismo de Jesus, em que se cumpre a expressão dos céus que se abrem).

7. E São Paulo, a abrir a Primeira Carta aos Coríntios (1,3-9) saúda-nos com a Graça e a Paz de Deus, nosso Pai, e refere ainda esta maravilha: «Dou graças ao meu Deus por vós em todo o tempo» (v. 4). Motivo: as inumeráveis bênçãos com que Deus nos tem enriquecido em Cristo Jesus, o único Senhor da nossa vida. O extrato de hoje fecha com a indicação notável de que Deus nos chamou, não a isto ou àquilo, nem sequer a participar na alegria do Messias, como dizem os rabinos acerca de Abraão, mas a participar na comunhão pessoal com o seu Filho, Jesus Cristo (v. 9).

8. É neste tom maravilhoso que devemos recitar com amor a autobigrafia de Israel, que é também a nossa, e que passa nas notas do poderoso Salmo 80: videira arrancada do Egito e transplantada para a nossa terra livre, bela, boa e espaçosa. Tratada com amor, cresceu, cresceu, cresceu, encheu a terra inteira de folhagem e de frutos. Porém, abandonada, foi devastada pelo javali, pelos animais do campo, pelos parasitas… É tempo, portanto, de levantar a alma e rezar em todo o tempo: «Senhor, nosso Deus, vinde de novo; fazei brilhar a vossa face, e seremos salvos!».

 

Como é fácil, Senhor Jesus,

Daqui, de ao pé da tua Cruz,

Avistar a paisagem do Advento,

Compreender-lhe a mensagem,

 

Respirar-lhe o alento.

 

Daqui, de ao pé da tua Cruz de Luz,

Sem dúvida o lugar mais alto do mundo,

Mais alto e mais profundo,

Vê-se bem, com toda a claridade,

Que a lonjura do Advento não é horizontal.

Eleva-se em altura.

Como a tua túnica tecida de Alto-a-baixo,

Vertical,

E sem costura.

 

Tu vens do Alto, Senhor.

Tu vens de Deus.

Tu és Deus.

Tu és o Justo

Que chove das alturas

Sobre a nossa humanidade sedenta e às escuras.

 

Vem, Senhor Jesus,

Alumia e rega a nossa terra dura,

Acaricia o nosso humilde chão

E modela com as tuas mãos de amor

Em cada um de nós

Um novo coração

Capaz de ver.

Capaz de Te ver

Nascer

Em cada irmão.

 

António Couto



Newsletter Educris

Receba as nossas novidades