«A escola é o lugar da criação do sentido de pertença», Vitor Cotovio

Especialista apresentou impactos da pandemia nos mais novos e desafiou educadores a estarem na escola para lá das matérias ou conteúdos

‘Como é que o ser humano aprende?’, interrogou, esta manhã, o psiquiatra e psicoterapeuta Vitor Cotovio às mais de duas centenas de educadores que participaram na formação «Liderança ética em contexto escolar de pandemia».

A sessão, que reuniu docentes das instituições de ensino católico, particular e cooperativo e do ensino estatal, pretendeu dar ferramentas aos educadores e capacitá-los para um novo paradigma escolar.

“Hoje a escola tem de ser entendida de outro modo. Não se trata de uma educação para a vida, mas da própria vida”, garantiu Vitor Cotovio.

“Se a vida é uma educação permanente então a escola faz parte dessa realidade e educar vai combinar os afetos e a inteligência. Aí temos o processo educativo”, sustentou.

Numa altura de pandemia em que “não vivemos em função do Kronos mas do Kairos”, Vitor Cotovio considerou ser fundamental “impregnar de sentido o que fazemos a cada instante” através da assunção de lideranças capazes de gerar compromisso e conscientes do impacto que se tem nos alunos”.

“Queremos hoje, no meio desta incerteza, que os nossos alunos aprendam exatamente o quê? Se os focos de atenção e tensão estão altamente distorcidos e descontrolados então, e à priori, a escola deve ajudar a crescer o aluno na liderança, em primeiro lugar de si mesmo, do autoconhecimento e do autocontrole. Isto tem de ser ativo em contexto pandémico”, garantiu.

Perante uma geração “hiperestimulada” pela envolvência tecnológica e com “pouca capacidade de escuta” o psiquiatra desafiou os educadores a serem exemplo para os mais novos.

“Quando cruzamos educação com o momento que estamos a viver, as escolas continuam a ser Kairos de formação da responsabilidade natural, lucida e serena. Quem está a ser educado pode ter os ouvidos tapados para os conselhos, mas tem os olhos bem abertos para os exemplos. A Escola deve ser um lugar de exemplos. A exemplaridade é a consciência do impacto das minhas ações no outro”, advertiu.

Perigos e oportunidades em contexto pandémico

Num dia-a-dia de “incerteza e altamente volátil" o psicoterapeuta explicou que o papel dos educadores passa por “ajudar a baixar as expectativas” e a serem “mediadores e mentores junto dos seus alunos”.

“Neste momento vivemos sob ameaça. Perante isto gera-se o medo e ansiedade. Daqui pode emergir aquilo que chamo de angústia existencial pandémica e que se traduz no aparecimento de rituais obsessivos compulsivos; no registo fóbico de ataques de pânico; no desespero”, apontou.

Neste sentido quem lidera “tem de estar atento e assegurar-se se as necessidades do outro, a vários níveis, estão protegidas”. De outro modo não conseguirá fazer “emergir a grandeza de carácter de cada um”, pois não está consciente do “impacto que a sua ação gera nos outros”.

Não somos números. Precisamos de histórias

Perante a banalização dos números da morte por Covid-19 – no dia de hoje morreram mais 291 pessoas em todo o país - Vitor Cotovio deu conta da “frieza que representa o número para o ser humano” e considerou ser fundamental que “mais do que números façamos surgir histórias relacionadas com esta realidade porque o ser humano é um contador de histórias”, garantiu.

“Também o professor tem de ir para além da matéria, pois é, antes de mais, um contador de histórias. Da sua própria história, que lhe dá sentido, e do sentido que busca com ela para a vida dos outros”.

Apenas com a criação de “sentido” se poderá ajudar uma geração a “viver numa sociedade” em que se “sobrevive em alguns ‘V’”.

“Temos hoje um volume da informação que pode tornar-nos obesos e que nos é dada a uma velocidade que não nos permite refletir. Somos arrastados por uma volatilidade sem precedentes que promove a voracidade do consumo permanente e que nos leva, não poucas vezes, ao vazio existencial”, lamentou.

Para Vitor Cotovio “a escola tem de preparar lideranças que nesta situação de crise e medo, saibam mobilizar o sentido de pertença comum que está na base do ser humano”.

O especialista desafiou os agentes educativos a “capacitar os mais novos na necessidade de ações ponderadas, fazendo-os refletir sobre o sentido de pertença e o modo como se está em grupo, apontando a capacidade de superação como um bem, e desafiando à ação”.

No final da sua intervenção o psiquiatra citou Andreas Schleicher, criador do PISA, e que denuncia o perigo das escolas estarem a produzir “robot’s de segunda e não humanos de primeira”.

A formação «Liderança ética em contexto escolar de pandemia» foi promovida pela Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC) com o apoio do Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC).

Educris|26.01.2021



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