Domingo XII do Tempo Comum: «Não tenhais medo!»

1. Continuamos a escutar, neste Domingo XII do Tempo Comum, o Discurso Missionário de Jesus no Evangelho de Mateus, hoje Mateus 10,26-33. Omitiu-se Mateus 10,9-25, em que Jesus fazia aos seus Doze Apóstolos apelos ao despojamento radical – sem ouro, nem prata, nem cobre, nem alforge, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado, nem pão; apenas Paz – e os prevenia para as perseguições que viriam de toda a parte. Neste contexto, é importante que não nos precipitemos a expor as nossas razões, que nada valem, mas que saibamos dar lugar ao Espírito do nosso Pai. Ele é que sabe dizer a Paz do Evangelho.

2. A perícope de hoje está atravessada pela confiança em Deus, nosso Pai, que cuida de nós em todas as circunstâncias. Daí a locução «não tenhais medo!», verbo grego phobéomai, que soa no pequeno texto de hoje por três vezes (Mateus 10,26.28.31). Daí, a coragem serena que deve mover o discípulo e enviado de Jesus a falar claro, à luz do dia ou sobre os telhados, em todas as circunstâncias. De resto, é óbvio que sendo o discípulo de Jesus missionário, não pode viver escondido nas catacumbas ou amuralhado no seu grupo de pertença ou de conforto. O cristão tem sempre pela frente o risco do mundo e da vida.

3. Depois, para ilustrar as suas palavras, surge o recurso caraterístico de Jesus às imagens simples da vida campestre. Dois passarinhos são vendidos por um asse, uma moedinha de cobre, pequenina, que valia 1/16 avos de um denário. O denário era o equivalente ao salário de um dia de um trabalhador. Portanto, do menor para o maior, à boa maneira rabínica, se Deus, nosso Pai, cuida desses passarinhos, pequeninos, quanto mais fará sentir a sua providência sobre nós (Mateus 10,29-31).

4. É assim também que, em pura sintonia com o Evangelho, entre a perseguição de todos e o amor de Deus que tudo supera e vence, nos chega hoje a voz simultaneamente dorida e tranquila, mas sempre apaixonada e orante de Jeremias 20,10-13. É um extrato de uma das suas «confissões», que se podem ver em Jeremias 11,18-12,6; 15,10-21; 17,12-18; 18,18-23; 20,7-18, e que são uma espécie de diário interior, autobiográfico, em que o profeta de Anatôt, uma aldeiazinha situada a meia-dúzia de km a nordeste de Jerusalém, grita a Deus as dores e os amores da sua vida. Jeremias atravessou o período mais dramático da história do seu país, vendo primeiro, em 609, morrer tragicamente o justo rei Josias, subir ao trono o tirano rei Joaquim (609-597), assiste às duas entradas do babilónio Nabucodonosor em Jerusalém, em 597 e 587, sendo a segunda para arrasar Jerusalém e o Templo, deportar o rei Sedecias e pôr fim à nação de Judá. No meio de tudo isto, muita corrupção, muita violência, muitos interesses em jogo.

5. Jeremias é dotado de uma sensibilidade apuradíssima. Ele é, com certeza, o mais terno dos homens da Bíblia, um romântico afeiçoado ao seu país, à sua religião e ao seu Deus, à sua aldeia natal de Anatôt, aos afetos e ao amor. Todavia, por não poder calar o que tem de dizer, por não poder fugir de Deus e da sua Palavra, vê-se excomungado, perseguido pelos seus conterrâneos de Anatôt, denunciado por parentes e amigos, obrigado a não poder constituir família com a mulher amada (Jeremias 16,2). Por todos amaldiçoado (Jeremias 15,10), perseguido pelo poder, torturado e flagelado (Jeremias 20,1-6), preso (Jeremias 37,13-38,6) e exilado para o Egito (Jeremias 43,6-7), Jeremias continuou sempre a gritar a Palavra a arder que lhe chegava de Deus (Jeremias 15,16; 20,9). Jeremias articula muito bem, na sua vida, tal como Jesus e os seus discípulos de todos os tempos, missão, perseguição e esperança.

 

6. Por falar em missão, perseguição e esperança, aí está o Apóstolo. S. Paulo explica bem, na grande lição da Carta aos Romanos de hoje (5,12-15), que a Lei, por melhor que seja, não anula o pecado nem cura da morte. Antes, torna o pecado manifesto, pois a Lei é uma espécie de dique que aumenta a albufeira do pecado, e, portanto, o vau da morte. Aumentando a albufeira do pecado, torna-o visível, mostra-o, fá-lo entrar pelos olhos dentro. É assim que se pode ver depois, também, com todo o relevo e a toda a luz, a graça de Cristo Salvador. Foi quanto Paulo foi forçado a ver na estrada de Damasco. Tanto viu que ficou encandeado, e nunca mais viu como via antes.

7. O Salmo 69, que é uma súplica individual, continua a mostrar, com linguagem forte, como é habitual nos Salmos, figuras orantes e cheias de esperança, como Jeremias, por todos perseguidas e abandonadas, mas sempre com Deus por perto, que escuta as súplicas e o louvor dos pobres e humildes. O trono de Deus, a sua cátedra, são as nossas misérias e as nossas dores.

 

Sabes, meu irmão, que em Anatôt,

Há uma amendoeira em flor carregada de esperança.

Sim, em Anatôt, de Anatôt, a amendoeira levanta-se

E planta-se no teu coração róseo-branco de criança.

Sim, em Anatôt, Foz Coa, Kilimanjaro, Lamego,

Aí mesmo no chão do teu coração,

Tanto faz, minha irmã, meu irmão.

Sai dessa reclusão

E vem expor-te

A este vendaval manso de graça e de perdão.

 

A amendoeira em flor é uma toalha branca estendida pelo chão.

Não pela minha mão,

Incapaz de tecer um tal manto de brancura,

Mas pela mão de Deus,

Que também faz brotar o vinho e o pão

E a ternura

No nosso coração.

 

 

António Couto



Newsletter Educris

Receba as nossas novidades