I Domingo do Advento: «Para vós, Senhor, elevo a minha alma»

Jr 33,14-16; Sl 25; 1 Ts 3,12-4,2; Lc 21,25-28.34-36

1. «Para vós, Senhor, elevo a minha alma» (Salmo 25,1). Antífona do Cântico de Entrada que inaugura a celebração eucarística do Advento, do Ano litúrgico, do Ano inteiro. Aponta a atitude a assumir pela Assembleia fiel e orante: a oblação permanente, a oração constante. Para que esta atitude não fique esquecida, mas tome verdadeiramente conta de nós, as mesmas palavras são, em parte, repetidas no refrão do Salmo responsorial, que reclama também a confiança (bathah) em Deus. Extraordinário pórtico de entrada no Advento e no novo Ano litúrgico. Belíssima forma de viver, elevando para Deus a nossa vida: a oração é a nossa vida! A nossa vida em ascensão e oração permanente, sacrifício de suave odor, incenso puro subindo para o nosso Deus. Sempre. O Evangelho dirá com a mesma energia e alegria: «Erguei-vos e levantai a cabeça» (Lucas 21,28). É o gesto do justo justificado por Deus (Job 22,26). Página em branco, Primeira e Última, que recebemos de Deus e a Deus apresentamos neste início de Advento e de Ano litúrgico. De Deus é a palavra e a escrita que não passa, e que deve encher por completo as páginas da nossa vida. É assim que se salva a nossa vida.

2. «Orando em todo o tempo», diz, a terminar, a lição do Evangelho deste Primeiro Domingo do Advento (Lucas 21,25-28 e 34-36). «Orar em todo o tempo» significa não se deixar enterrar na lama dos caminhos banais e fúteis deste tempo, de qualquer tempo, e que o Evangelho mostra que a busca desenfreada do sucesso e das falsas soluções da devassidão, da embriaguez e das preocupações da vida (Lucas 21,34) é uma teia que nos enreda e não nos deixa ver bem, belo e bom. Andamos sempre tão atarefados com inúmeros afazeres, campos, bois, negócios, casamentos, que ficamos com o «coração pesado» e insensível (Lucas 21,34), inamovível como o coração do Faraó nas tradições do Êxodo, tornando-nos incapazes de ver o Filho-do-Homem-que-vem (Lucas 21,27), a toda a hora, nos nossos irmãos mais pequeninos! Ora, o Advento é o Filho-do-Homem-que-vem, para que nós o acolhamos. Se o acolhermos, saímos fora da teia dos nossos afazeres que nos sufoca, o penúltimo (entre Beta e Psi), e entramos no mundo maravilhoso do Primeiro e Último (Alfa e Omega), do Amor de Deus e da Liberdade por Ele dada, que rompem as nossas cadeias.

3. Sinais no sol, na lua, nas estrelas, sobre a terra, convulsões no mar, medos vários, são acontecimentos que o Antigo Testamento refere a propósito do «Dia do Senhor», com a intervenção do próprio Deus (Isaías 13,6-22; Joel 2,1-11). O facto de agora, no Evangelho que estamos a ler, tais acontecimentos aparecerem conjugados com a Vinda do Filho do Homem é a indicação clara de que esta Vinda é a manifestação de Deus (1). Além disso, os acontecimentos assinalados mostram ainda que o mundo presente não é definitivo, mas transitório, e abrem caminho para a nova criação, o novo céu e a nova terra (Apocalipse 21,1) (2). Mas é ainda percetível a nossa habituação à ordem fixa do mundo, em que nos habituámos a confiar, vindo ao de cima o desconforto sentido e o tom de angústia e confusão que as mudanças assinaladas nos trazem (Lucas 21,26) (3). E fica também a descoberto que devemos aprender a confiar, não nestas velhas realidades passageiras, mas no Dia novo que aí vem (4).

4. E que os acontecimentos assinalados abrem, não para vias negativas, mas para perspetivas de salvação, pode ver-se na atitude que Jesus indica aos seus discípulos: «Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque está próxima (eggízei) a vossa libertação (apolýtrôsis)» (Lucas 21,28). A hora é, portanto, de libertação. E note-se que Lucas usa o termo «libertação» sobretudo para retratar a nova situação de um prisioneiro a quem foram retiradas as cadeias, e a quem é concedida a liberdade. Quer isto dizer que os discípulos de Jesus não devem estar mais presos, amarrados às situações terrenas, sempre difíceis, instáveis e transitórias, sempre penúltimas, mas devem entrar «na liberdade da glória dos filhos de Deus» (Romanos 8,21). A proximidade anotada é a proximidade do Reino de Deus que, pondo em causa o nosso arco instintivo e desiderativo e as nossas amarras autorreferenciais, nos liberta, fazendo irromper em nós a gratuidade e o amor assimétrico. Esta proximidade faz-se presente em cada geração. E é por isso que, neste tempo novo, tudo é urgente e decisivo, não por ser breve, mas por estar grávido de oportunidades salvíficas.

5. O escritor argentino Jorge Luis Borges deixou-nos versos densos como estes, acentuando a importância e a intensidade de cada momento da nossa vida a não desperdiçar: «Não há um instante que não esteja carregado como uma arma»; «Em cada instante o galo pode ter cantado três vezes»; «Em cada instante a clépsidra deixa cair a última gota». E o poeta brasileiro Vinícius de Moraes escreveu assim num belíssimo poema: «A coisa mais divina/ Que há no mundo/ É viver cada segundo/ Como nunca mais». É assim, sempre vigilantes, amantes e esperantes, sempre à escuta e à espera de alguém, com Amor imenso e intenso, que rasga o próprio tempo, que devemos encher todos os nossos instantes, como se fosse a primeira vez, como se fosse a última vez. Tudo no Evangelho é decisivo: cada passo conta, cada gesto conta, cada palavra conta, cada copo de água conta!

6. Átrio de um tempo novo, habitado, «carregado» de justiça e de bondade. Obra de Deus no nosso mundo. E só dele. Obra terna, tenra e nova, como um «rebento» de um jovem casal ou de uma planta. Sinal de Primavera no meio da invernia e da lama em que nos vamos atolando, ensonados e enlatados, sem sequer darmos por isso. É, portanto, mesmo preciso que Ele venha e que nos acorde e nos levante da nossa letargia com novas pautas e novos acordes musicais! E que nos dê nomes novos a nós, aos nossos corações empedernidos, às nossas cidades e aldeias, às nossas escolas, aos nossos hospitais, às nossas ruas! Dar nome é criar e recriar. Obra só de Deus. Extraordinária lição de Jeremias 33,14-16.

7. Paulo passa por Tessalónica (1 Tessalonicenses 3,12-4,2), ou pela nossa terra, e ensina-nos a levantar a nossa vida para Deus, para dele acolhermos o alento criador, e a rivalizarmos no pagamento das dívidas de amor que dia-a-dia vamos contraindo uns para com os outros. O paradigma, o modelo, o exemplo, é sempre o amor que Deus nos tem, e de que Paulo é testemunha qualificada. Há quem estranhe e pense mesmo que se trata de um mistério o facto de Paulo, quando fala de amor (agápê), quase não mencionar o nosso amor a Deus [apenas mencionado de passagem em Romanos 8,28; 1 Coríntios 2,9; 8,3; 16,22 (philéô); Efésios 6,24; 2 Tessalonicenses 3,5 e 2 Timóteo 3,4 (philéô)], para acentuar sobretudo o amor de Deus para connosco e o nosso amor para com o próximo. Na verdade, não é para estranhar, e muito menos se trata de um mistério. É mesmo verdade que a Bíblia Hebraica e o coração dos Evangelhos falam menos do nosso amor para com Deus, e mais, muito mais, do nosso amor para com o próximo e para com o estrangeiro e o inimigo! E não se trata de um amor que satisfaz o nosso desejo, mas da imitação do amor de Deus e de obedecer a um mandamento. Ora, Deus ama o desvalor e manda-nos amar como Ele ama. Então, a nossa resposta ao amor de Deus não consiste na redamatio ou retribuição a Deus do amor com que Ele nos ama, mas volta-se para a frente e traduz-se no amor ao outro, próximo, estrangeiro ou inimigo. Quer na Revelação patente no AT quer em Jesus, o amor ao próximo aparece como o lugar, o único lugar, da epifania do nosso amor a Deus.

8. Os acordes do Salmo 25, que hoje cantamos, trazem à tona os rumos e os caminhos de Deus, que são sempre bondade, verdade, ternura e misericórdia – caminhos intransitivos, entenda-se –, que se vão insinuando mansamente dentro de nós, mais ou menos como deixou escrito, no seu Diário, com data de 23 de janeiro de 1948, o grande escritor francês George Bernanos: «Que doçura pensar que, embora ofendendo-o, não deixamos de desejar, desde o mais profundo do santuário da alma, aquilo que Ele deseja!».

9. Vem, Senhor Jesus! Vem, vem, que Te esperamos!

 

António Couto



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