Domingo XXXIII do Tempo Comum: «O Mundo, como hoje o conhecemos, não é a a última obra de Deus»

Dn 12,1-3; Sl 16; Hb 10,11-14.18; Mc 13,24-32

1. O Livro de Daniel terá sido provavelmente escrito no Outono do ano 164 a.C., com o objetivo de encorajar os judeus piedosos a permanecerem firmes na sua fé em plena perseguição antijudaica desencadeada três anos antes, em 167 a.C., pelo tirano selêucida Antíoco IV Epifânio, e cujos ecos se podem ver, por exemplo, no Segundo Livro dos Macabeus 6 e 7, que regista a fidelidade heroica do velho Eleazar, de 90 anos, e dos sete jovens irmãos Macabeus. Estes são, no dizer do Livro de Daniel 12,1-3, os mestres sábios (maskkilîm) e justificadores (matsddîqîm), isto é, dadores de vida: ensinam, não teorias, mas a vida verdadeira, dando a sua vida por amor: é assim que vencem os violentos, não opondo-se a eles, mas amando, isto é, dando a vida e dando vida, ensinando a viver. Estes novos sábios e justificadores são, diz o Livro de Daniel, as novas estrelas que brilham para sempre! Se brilham para sempre, então estão em comunhão com Deus, que é luz que não se apaga, pois não conhece trevas nem ocaso (1 João 1,5).

2. Não são, portanto, as estrelas da moda, da música, do cinema ou do futebol, estrelas cadentes, de brilho efémero e passageiro! São as novas e verdadeiras estrelas de brilho permanente, inscritas no Céu ou no Livro da Vida (ver Êxodo 33,32.33; Salmo 69,29; 139,16; Isaías 4,3; Daniel 7,10; 12,1; Malaquias 3,16, com ecos neotestamentários em Lucas 10,20; Filipenses 4,3; Apocalipse 3,5; 13,8; 17,8; 20,12.15; 21,27). As outras pobres estrelas estão, na verdade, inscritas no chão, no pó da terra (Jeremias 17,13), e lá se perdem e disperdem. Deus sabe escrever no coração (Jeremias 17,1; 31,33), na Cruz (Gálatas 3,1), e, como já vimos, no chão, e no Livro, mas também, num gesto de particular ternura, na palma da sua mão (Isaías 49,16).

3. O cenário do Evangelho deste Domingo XXXIII do Tempo Comum (Marcos 13,24-32) não é de terror, mas de amor! Novos céus e nova terra, saídos das mãos de Deus-Pai, com o Filho-que-Vem, e que está próximo, à porta. É como o noivo do Cântico dos Cânticos 5,2, que bate à porta, descrito pela noiva que dorme, mas escuta com um coração enorme e sempre vigilante! Única atitude da Igreja Una e Santa, que Domingo após Domingo, se reúne com emoção e alegria à volta do seu Senhor-que-Vem. Tudo tão suave e tão cheio de maravilhas: o nosso Deus revelando ou simplesmente com todo o carinho desvelando, isto é, retirando o véu que encobre a verdadeira realidade, perante os nossos olhos atónitos! A paisagem que se segue separa-se com clareza de quanto a precede. Pela primeira vez, no seu discurso, Jesus começa uma frase com um «mas» (grego, allá), cortando com o que fica para trás e abrindo agora um início completamente novo: «o sol obscurecer-se-á, a lua não iluminará mais, as estrelas cairão do céu, os poderes do céu serão abalados… Virá o Filho do Homem e reunirá os eleitos» (Marcos 13,24-27). O sol, a lua e as estrelas representam a criação inteira. O seu fim indica o fim de tudo. E Jesus afirma pouco depois: «O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão» (Marcos 13,31). E o Livro do Apocalipse esclarecerá: «O primeiro céu e a primeira terra passaram, e vi um novo céu e uma nova terra» (Apocalipse 21,1), que o mesmo é dizer que o mundo, como o conhecemos hoje, não é a última obra de Deus!

4. Uma parte da Igreja antiga lia este «discurso escatológico» e outros textos similares do Novo Testamento no sentido da chegada iminente do «fim do mundo» (leitura ainda hoje desgraçadamente doentia nas seitas, com ano, dia e hora marcados!). Sim, é do «fim do mundo» que se trata, mas num sentido novo e inaudito: é a Palavra de Deus que não passa, e que é Amor, e é Primeira e Última, sempre nova, portanto, que vem «pôr fim ao nosso mundo» de posse e egoísmo, autossatisfação e auto expansão ilimitadas. É o Último, que é o Amor gratuito e desinteressado, que põe fim ao penúltimo, que é a nossa vã maneira de viver. Neste sentido novo, é de desejar que o nosso mundo velho e caduco entre em agonia e acabe já, para que comece verdadeiramente em nós, e já, um mundo novo e belo, cuja matriz é o Amor gratuito e incondicional. Neste sentido intenso e belo, vale a oração «Senhor, vem!» (marana tha’), porque, com sabedoria serena, sabemos que «o Senhor vem!» (maran ’atta’).

5. O discurso de Jesus no inteiro Capítulo 13 de Marcos não é atravessado por nenhuma angústia nem sugere qualquer corrida desenfreada e frenética. Pelo contrário, por quatro vezes, Jesus interpela os seus discípulos a um comportamento atento: «vede bem», «estai atentos», «prestai atenção», grego blépete (Marcos 13,5.9.23.33), e igualmente por quatro vezes se faz ouvir a voz de apelo à vigilância: «estai acordados», «vigiai», grego agrypnéô e grêgoréô (Marcos 13,33.34.35.37). Depois da admirável introdução deste Capítulo (Marcos 13,1-4), com um discípulo a comunicar a Jesus o seu espanto perante as belas pedras das construções herodianas do Templo (Marcos 13,1), Jesus dá-lhe a volta, dizendo: «Vês estas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra que não seja destruída» (Marcos 13,2). E, sentando-se (como quem ensina) no Monte das Oliveiras, voltado para o majestoso Templo, e interrogado por Pedro, Tiago, João e André sobre o «quando» e «qual o sinal» (Marcos 13,3-4), Jesus profere então o inteiro ensinamento deste grande Capítulo 13, que aparece organizado em três Partes: 1) em Marcos 13,5-23, Jesus fala de um tempo de tribulação, em que pulularão enganadores (Marcos 13,5-6), guerras (Marcos 13,7-8), perseguições (Marcos 13,9-13), e outra vez guerras (Marcos 13,14-20), enganadores (Marcos 13,21-23), e uma chamada de atenção (Marcos 13,23); 2) em Marcos 13,24-27, parte central, Jesus anuncia a vinda do Filho do Homem para reunir os seus eleitos; 3) em Marcos 13,28-37, intercalam-se informações e advertências.

6. Note-se, colocada no centro da estrutura, que é sempre a Parte mais importante, a vinda do Filho do Homem. Não é informação nem enumeração. É anúncio, que põe fim ao penúltimo, à luz do sol, da lua e das estrelas (Génesis 1,14-19), obra do quarto dia da criação, e faz retornar tudo à luz primeira de Deus (Génesis 1,3), obra do primeiro dia da criação e também do mundo novo, como se lê no Livro do Apocalipse: «A cidade não precisa do sol ou da lua, para a iluminar, pois a glória de Deus ilumina-a, e a sua lâmpada é o Cordeiro» (Apocalipse 21,23). Note-se ainda a importante instrução sapiencial da parábola da figueira (Marcos 13,28-29), imediatamente colocada após o anúncio da vinda do Filho do Homem: a atenção dos discípulos não deve centrar-se tanto no tempo presente e naquilo que se vê (o verde das folhas na primavera), mas naquilo que não se vê (o verão e a vinda do Filho do Homem). Não podemos ficar agarrados ao tempo presente, mas compreender que ele anuncia necessariamente o futuro. Não se vê ainda, mas está próximo. Note-se este «próximo» (eggýs) do Filho do Homem (Marcos 13,28.29) a fazer inclusão com o anúncio do Reino de Deus, igualmente próximo (eggýs), em Marcos 1,15.

7. Jesus diz depois de forma solene: «Em verdade vos digo (amên légô hymîn) que não passará esta geração antes que tudo isto aconteça» (Marcos 13,30). Entenda-se: Jesus declara que «esta geração» fará a experiência do fim. Por «esta geração» entendem-se os contemporâneos de Jesus, aqueles a quem ele dirige a sua palavra. Poderemos então entender que Jesus pretende dizer que o fim virá durante o tempo daqueles que o escutam, antes da morte do último? Se levarmos em conta que só o Pai conhece esse dia e essa hora (Marcos 13,32), e se considerarmos a resposta de Jesus em Marcos 13,5-10 à pergunta que os seus discípulos lhe fazem em Marcos 13,4 sobre o «quando» e o «sinal», ficamos a saber que a Ele não interessa um momento determinado, mas põe a sua atenção sobre o cenário deste mundo e a necessidade primeira do anúncio do Evangelho. Esta maneira de ver sai confirmada se tivermos em conta que, quando Jesus fala de «geração», não a entende tanto em termos temporais, mas qualitativos: geração «que pede sinais» (Marcos 8,12), geração «adúltera» (Marcos 8,38), geração «incrédula» (Marcos 9,19). Assim também em Marcos 13,30, Jesus fala dos seus contemporâneos, mas está a vê-los de maneira qualitativa, isto é, enquanto representantes de toda a humanidade.

8. Em Marcos 13,31, Jesus põe em relevo a qualidade inaudita das suas palavras, que são mais estáveis do que o sol e a lua e toda a criação, que são realidades transitórias. Ao contrário, as palavras de Jesus não passarão e permanecem verdadeiras e válidas de modo absoluto e ilimitado. Fácil de compreender que só Deus pode falar assim.

9. O mundo-que-vem é a luz pura de Deus, obra nova e boa de Deus, e não é construído sobre as cinzas do nosso velho mundo. A homilia da Carta aos Hebreus, que hoje temos a graça de continuar a ouvir (10,11-14.18), faz-nos compreender que nós estamos totalmente afetados por Jesus Cristo, que nos trouxe o perdão, entregando-se por nós uma única vez, ao contrário dos sacerdotes da antiga lei, que todos os dias tinham de oferecer sacrifícios pelo pecado. Mas agora, que é o tempo do perdão, o sacrifício pelo pecado deixa de existir (v. 18).

10. Portanto, as pedras e as coisas, as casas e as terras nunca devem ocupar, muito menos encher, o nosso coração. Os sacerdotes, descendentes de Aarão não tinham terra distribuída em Israel. A sua herança era o Senhor (cf. Números 18,20), como cantamos hoje no Salmo 16. No seu Sermão 344, Santo Agostinho comenta assim: «O salmista não diz: “Ó Deus, dá-me uma herança”. Diz antes: “Tudo o que me podes dar fora de Ti, é vil. Sê Tu a minha herança. É a Ti que eu amo… Esperar Deus de Deus, estar cheio de Deus. Basta-te Ele; fora dele, nada te pode bastar». Esta melodia deve encher o nosso coração e este Dia de Domingo, Dia do Senhor, de doação radical, total, ao Senhor. Entenda-se: é um caminho novo que se abre à nossa frente. Sem retrocessos, sem desvios, sem distrações, sem nostalgias, sem saídas de emergência ou de segurança!

António Couto



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