Publicações: «O estudo do religioso é fundamental para o estudo da sociedade», Alfredo Teixeira

Apresentação da obra «Religião, Território e Identidade – Contextos Metropolitanos», decorreu na passada quinta-feira, em Lisboa

A Biblioteca da Imprensa Nacional Casa da Moeda foi o espaço escolhido para a apresentação do último volume da Coleção «Estudos de Religião».

“A Religião, e o seu estudo, tem lugar numa editora como a da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM) por que esta dimensão é absolutamente fundamental para a sociedade. O estado é laico, mas as pessoas que o ‘fazem’ não o são”, começou por justificar Duarte Azinheira, diretor da Unidade de Publicações INCM, na apresentação da obra.

Numa publicação que reúne a INCM e o Centro de Investigação em Teologia e Estudos da Religião (CITER), da Universidade Católica Portuguesa (UCP), a obra “resulta da construção do conhecimento, a partir das várias áreas do conhecimento”.

“Hoje a investigação faz-se individualmente e em conjunto. Só assim e possível um bom trabalho científico, apontou Alexandre Palma do CITER.

Para o responsável o novo recurso é enriquecido pela “visão de vários investigadores, de diversas áreas do conhecimento o que permite alargar o objeto do estudo a vários públicos e ser património de todos”.

“Este é o grande objetivo do CITER. Trazer à academia o fenómeno religioso, alargando-o a todas as áreas do saber para assim perscrutar a realidade. O estudo do religioso é fundamental para o estudo da sociedade como um todo”, completou.

Na apresentação da obra, e numa mesa redonda que contou com todos os autores, Alfredo Teixeira, coordenador da coleção destacou a necessidade de hoje se estudar o “impacto das diferentes comunidades religiosas na construção da cidade e na ocupação do espaço comum”.

“Esta obra traz-nos uma perceção fundamentada do modo como as diferentes comunidades religiosas habitam o espaço comum e a forma como realizam um conjunto de experiências ‘pastorais’ que lhe permitem crescer no território”.

Para o sociólogo o “peso dos católicos num determinado contexto, e o tempo de inscrição nesse território afeta toda a população católica e não apenas os que exprimem a frequência do culto”.

Daqui advém a constatação de que “quanto mais tempo alguém permanece num determinado lugar mais facilmente adere ao catolicismo”.

“É uma identidade religiosa que se diferencia de outras pelo facto de estar agarrada às dimensões socioculturais que definem o território. Muitos destes católicos vivem com ‘o deus da nossa terra’”, afirmou.

Para o especialista o apregoado “problema do envelhecimento do mundo católico” resulta “do natual envelhecimento da população de determinada região”.

“A organização das comunidades católicas parece acompanhar com dificuldade as mudanças da comunidade, e isso faz que o seu quadro mais restrito é constituído por pessoas que habitam mais tempo determinado território. Esta comunidade tem pouca capacidade para entrar em diálogo com os novos residentes.  O catolicismo cultural tende a ser uma estrutura de reprodução”, concluiu.

Uma Lisboa multicultural

Para Margarida Franca, geografa, a realidade da grande Lisboa mostra “uma diversidade que advém ora “dos fluxos migratórios dos chamados Países de Língua Oficial Portuguesa”, quer “de uma nova vaga de população asiática e que representa, já hoje, cerca de 30% do total de toda a migração em Portugal”.

“Os movimentos e os fluxos tem de ser olhados a partir da sua composição. Hoje vemos que 30% da população migrante no concelho de Lisboa vem da Ásia. Aqui encontramos 25% agregados são unipessoais e mais de 50% tem formação superior. A urbanização e a terciarização são muito evidentes dentro da cidade”, desenvolveu.

Para a geografa estes grupos minoritários “tem capacidade económica” e tem ‘ocupado’ o espaço comum através “Da compra de lugares emblemáticos na própria cidade”.

Sempre houve pessoas sem religião: E se em Portugal existisse imposto religioso?

Presente na sessão de apresentação o sociólogo Steffen Dix aprofundou os desafios da “secularização” e lamentou o “simplismo” com que se aborda o fenómeno.

“Já em Platão vemos a tentação de atribuir a pena de morte aos que perderam a crença nos deuses. Agnósticos, indiferentes, crentes sem religião e ateus. Não é uma questão nova. Nova é a forma como olhamos para ela nos últimos cem anos” revelou.

O especialista lembrou que “no mundo anglicano existe um estudo onde se afirma que ateus e agnósticos tem mais conhecimento de religião do que a maioria dos religiosos”.

“O que significa ser indiferente? Nos estudos alemães, na área da sociologia, descobriu-se que mais de 50% dos alemães se considera sem religião. Vemos hoje uma fuga da Igreja Católica. Em Portugal os últimos censos, de caracter facultativo, apontam para os 80% de crentes na Igreja Católica mas se introduzirmos impostos quantos ficam?” questionou.

Secularização: Da guerra ao diálogo

Jorge Botelho Moniz, da Universidade lusófona, explicitou aos presentes um “inegável processo de secularização em curso na área de lisboa”.

“Quando se começaram a realizar estudos deste tipo caiu-se na chamada falácia da secularização. Acreditava-se que a evolução, os factos verificáveis pela ciência, fariam desaparecer a crença.  Tal não se verificou e hoje percebemos que mais do que a não crença convivemos com o aumento da iliteracia religiosa, mas a dimensão da alteridade e do espiritual não desapareceu”.

Para o especialista hoje os diversos teóricos concordam com a necessidade de criar “espaço para diálogo e não para guerra”.

“Mais do que perceber se a religião em si termina ou não existe uma tendência para perceber a consequência da abertura do ‘mercado do religioso’ e o modo como cada tradição se vai implementando no território”, desenvolveu.

Olhando para a realidade de Lisboa “vemos uma maior diversidade religiosa e social onde as verdades parecem já não existir e lentamente, vemos as comunidades a balcanizar-se a  “fechar-se”.

Laicidade ou um secularismo positivo?

Olhando para o caso português o investigador José Pereira Coutinho da Universidade Católica Portuguesa, sustentou a tese de que em Portugal não existe um "fenómeno de laicidade".

“A laicidade acontece em frança, ou anteriormente na Turquia e em mais ado nenhum. Em Portugal existe, por conta da lei da liberdade religiosa, uma hierarquização das igrejas para terem acesso a um conjunto de benefícios”.

Num país com forte marca da presença do catolicismo a “concordata, entre a Igreja Católica e o Estado Português,” coloca esta comunidade “num outro patamar diferenciado”.

“Por vezes é engraçado o modo como lidamos com esta questão por que se observarmos atentamente vemos que parece que o Estado pode envolver-se em todos os aspetos da sociedade exceto no fenómeno religioso”, criticou.

Para o especialista a realidade portuguesa aponta mais para um “secularismo positivo”, onde “a relação entre estado e religiões se permite, sempre que a relação for benéfica para ambos”.

“A lei da liberdade religiosa permitiu criar um conjunto de critérios jurídicos. Esta hierarquização fundamenta a aproximação”, completou.

A obra está disponivel para venda na INCM e na UCP.

Educris|27.03.2023

 



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