Moçambique: «Fui ameaçado de morte várias vezes», D. Luiz Lisboa

Antigo bispo de Pemba denuncia pressões e ameaçadas do governo por denunciar conflito que destrói a província mais a norte de Moçambique desde 2017

D. Luiz Lisboa concedeu uma entrevista ao jornal italiano La Repubblica onde admite ter sofrido pressões e ameaças para se silenciar perante os sucessivos ataques ocorridos em Pemba.

“Recebi primeiro ameaças de expulsão, depois de apreensão de documentos e no final de morte”.

O prelado, atualmente bispo na diocese brasileira de Cachoeiro de Itapemirim, no Estado do Espírito Santo, no Brasil, denuncia uma “tentativa de silenciamento” por parte das autoridades governamentais de Moçambique apontando situações que denunciam falta de liberdade de expressão e de imprensa.

“O governo impediu que os jornalistas fizessem seu trabalho. Um repórter está desaparecido desde abril do ano passado e trabalhava para uma rádio comunitária falando sobre a guerra”.

Uma Igreja que é voz dos que não tem voz

Recordando o papel que manteve durante os anos como bispo de Pemba, D. Luiz Lisboa afirma estar consciente da gravidade das ameaças que sofreu mas afirma que como crente não se pôde calar.

“A Igreja foi a única que falou sempre sobre a situação. Nunca deixei de falar. A Igreja é a voz dos que não têm voz. Como eu poderia ficar calado?”, interrogou.

Para o prelado a posição de silenciamento imposta pelo proprio governo moçambicano prende-se com questões “de negócios e orgulho nacional”.

Mostrando-se atento à evolução dos conflitos em Pemba D. Luiz Lisboa mostra-se preocupado e afirma mesmo ter conhecimento de que “a situação está a piorar rapidamente. Estou em contacto com muitas pessoas da diocese de Pemba”, afirmou.

“Muitas pessoas ainda estão escondidas nas matas. Outros conseguiram chegar a outra cidade, Nangade. Há muitos idosos, crianças e pessoas que não sabem como sobreviver. Disseram-me que os helicópteros contratados lançaram bombas atingindo terroristas, mas também civis”, lamenta.

Perante um conjunto de grupos armados que tem espalhado o caos e a morte pelo território o prelado descarta tratar-se de “radicalismo religioso” e considera que é “uma guerra económica”.

“Os extremistas usam o nome do Estado Islâmico, mas esta não é uma guerra religiosa. Se fosse, eles ter-nos-iam atacado. Mas eles atacam todos e destroem tanto igrejas como mesquitas. Eles matam líderes cristãos e muçulmanos. Esta é uma guerra económica pela apropriação dos recursos naturais: gás líquido, ouro, rubis, pedras semipreciosas. No momento, existem mais de 700 mil pessoas deslocadas e mais de 2 mil mortos”.

Não há respeito pelos Direitos Humanos

Numa altura em que a comunicação social dá conta de, pelo menos, 25 cadáveres decapitados e muitos outros mutilados, D. Luiz Lisboa acusa tanto os terroristas como as forças de segurança de “total falta de respeito pelos direitos humanos”. E afirma que o medo se apoderou das populações.

“A população tem medo de ambos. Extremistas roubaram uniformes do exército, armas e alimentos. Eles apresentam-se como militares. Para o povo, é uma situação terrível. Eles veem o exército e para eles são terroristas. As forças militares de alguma forma abusam das pessoas. Mas também os soldados são vítimas, porque estão numa guerra em que não querem estar”.

O papel vital do Papa Francisco

Distante fisicamente de Moçambique, mas muito próximo do que acontece do território o Papa Francisco tem denunciado o atropelo aos Direitos Humanos e reforçado os pedidos para um cessar-fogo e para a paz na região.

D. Luiz lembra a forma como o Papa Francisco se interessou por este caso e o modo como ajudou a internacionalizar o conflito para que o mundo pudesse estar desperto para os massacres no território.

“Depois da sua visita a Moçambique o Papa Francisco acompanhou sempre a situação de Cabo Delgado. Em agosto do ano passado ele ligou-me para dizer que estava muito perto de nós, que estava orando por nós e que queria dar-nos a sua bênção. Graças à sua intervenção, a guerra internacionalizou-se. Depois das suas palavras, muitas pessoas começaram a interessar-se pela guerra. Em dezembro do ano passado o papa doou 100 mil euros para a construção de hospitais e para os deslocados.”

No último encontro, em dezembro de 2020, o Papa “tinha mais informações do que eu e sabia que eu estava a correr riscos e ofereceu-me uma transferência para o Brasil”, concluiu.

Educris|14.04.2021



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