«Precisamos implementar e reforçar a cultura da responsabilidade e do cuidado», Cardeal Tolentino

Bibliotecário e arquivista do Vaticano recebeu hoje prémio da Universidade de Coimbra e deixou apelos “à centralidade da Universidade” no futuro do conhecimento

«Precisamos, como a pandemia o tem inequivocamente mostrado, implementar e reforçar a cultura da responsabilidade e do cuidado, não deixando ninguém para trás”, apontou D. Tolentino Mendonça numa intervenção por videoconferência a partir de Roma.

Considerando que se vive “numa estação dramática da História” o cardeal português considerou ser urgente “restabelecer equilíbrios mais estáveis e duradouros” e desafiou as universidades a estar “na primeira linha para responder a esta chamada”.

“A crise pandémica vem desativar muitas modalidades de construção do real e dizer que estão ultrapassadas. A pandemia, por distópica que seja, empurra-nos para o futuro. A crise pandémica vem desativar modalidades de construção do real. Sobre o conhecimento, porém, ela vem reforçar a relevância; as sociedades do futuro terão de potenciar sempre mais a importância e a centralidade do conhecimento recorrendo a paradigmas mais interdisciplinares e colaborativos”, considerou.

Na celebração dos 731 anos da Universidade de Coimbra, D. José Tolentino de Mendonça propôs uma interpretação da pandemia como “uma encruzilhada civilizacional”, que “impele a refletir criticamente” sobre as formas atuais de habitar o mundo” e desafia a “sondar novos modos”.

“As nossas sociedades precisam de colocar no âmago da vida, com maior decisão e empenhamento, a noção de bem comum. A acentuação do individualismo conduziu a uma dramática fragmentação da experiência social. A universidade tem um papel central porque as suas palavras anteciparão o futuro”, apontou.

«Contemplação» e «cuidado»: o vocabulário do futuro

Na segunda parte da sua intervenção o prelado português considerou que é fundamental voltar à “contemplação” e ao “cuidado” libertando-se de uma certa visão “utilitarista da ciência” já criticada por Nietzsche.

“Uma das críticas veementes que já no século XIX Nietzsche formulou contra o modelo das universidades modernas assenta no facto de se ter perdido a dimensão contemplativa, essa liberdade para o aprofundamento não utilitarista da ciência”.

D. José Tolentino de Mendonça sustentou que “o que nos distancia do mundo e da vida é aceitar substituir os nossos sentidos pelo consumo expedito e massivo das interpretações, tornando-nos, como viu George Steiner, uma sociedade de logocratas e comentadores, em vez de seguirmos a nossa vocação original de criadores legentes, interrogantes, exploradores, intérpretes do real. Na verdade, a contemplação é arte de nos aproximarmos de nós próprios e do mundo”, fundamentou.

O premiado considerou que “a redescoberta da contemplação pode ser precisamente isso, a emergência de uma nova consciência sistémica, que compreender a interconexão vital existente entre a vida humana e a vida do planeta que é a nossa casa comum, investindo aí a construção de novas sínteses e práticas”.

À Universidade o também poeta considerou que “a universidade está colocada perante o desafio epocal de adequar todas as suas disciplinas e saberes a partir de uma ecologia integral, e de transmitir isso à comunidade. Neste campo, precisamos, de facto, de entrar numa nova época da História”, apontou.

Sobre o “cuidado” D. José Tolentino considerou que urge colocar “no âmago da vida, com maior decisão e empenhamento, a noção de bem comum”.

“A acentuação do individualismo conduziu-nos a uma dramática fragmentação da experiência social. O ‘salve-se-quem-puder’ ou o ‘todos contra todos’, como insistentemente tem repetido o papa Francisco, não são estratégias de futuro”, afirmou.

“Servir o bem comum, que é, no fundo, servir a pessoa humana, a sua dignidade singular e inviolável, e servir a harmonia com toda a Criação, deve tornar-se o objetivo mobilizador da comunidade”, concluiu.

Educris|01.03.2021



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