Homilia do Papa Francisco no «Domingo da Palavra de Deus»

Na sua homilia, a primeira no «Domingo da Palavra de Deus» o Papa Francisco lembrou que o ministério de Jesus e o modo "como a Palavra de Deus se fez próxima" e foi "anunciada às periferias e aos simples". Francisco desafiou os fiéis a "lerem o evangelho todos os dias" e a transportarem-no consigo "no bolso ou no telemóvel" para que "nos inspire todos os dias".

Leia, na íntegra e em português, a homilia do Papa Francisco

«Jesus começou a pregar» (Mt 4,17). Deste modo introduz o evangelista Mateus o ministério de Jesus. Ele, que é a Palavra de Deus, veio falar connosco, com as suas palavras e a sua vida. Neste primeiro domingo da Palavra de Deus, vamos às origens da sua pregação, às fontes da Palavra de vida. Ajuda-nos, para isso, o Evangelho de hoje (Mt 4, 12-23), que nos diz como, onde e para quem Jesus começou a pregar.

1. Como começou? Com uma frase muito simples: «Convertei-vos, porque o reino dos céus está próximo» (v. 17). Esta é a base de todos os seus discursos: dizer que o reino dos céus está próximo. O que significa isto? Por reino dos céus entende-se o reino de Deus, ou o seu modo de reinar, de colocar-se à nossa frente. Agora Jesus diz-nos que o reino dos céus está próximo, que Deus está próximo. Aqui está a novidade, a primeira mensagem: Deus não está longe, Aquele que habita os céus desceu à terra, fez-se homem. Ele removeu as barreiras, eliminou distâncias. Nós não merecíamos: Ele desceu, veio encontrar-nos. E esta proximidade de Deus com o seu povo é um hábito dele, desde o princípio, até do Antigo Testamento. Diz Ele ao povo: «Que grande nação haverá que tenha um deus tão próximo de si como está próximo de nós o SENHOR, nosso Deus, sempre que o invocamos?» (Cf. Dt 4,7). E esta proximidade tornou-se carne em Jesus.

É uma mensagem de alegria: Deus veio visitar-nos pessoalmente, tornando-se homem. Ele não tomou a nossa condição humana por um sentido de responsabilidade, não, mas por amor. Por amor tomou a nossa humanidade, porque trata-se aquilo que se ama. E Deus tomou a nossa humanidade porque nos ama e nos quer, gratuitamente, dar a salvação que sozinhos não podemos obter. Ele deseja estar connosco, dar-nos a beleza de viver, a paz do coração, a alegria de ser perdoado e sentir-se amado.

Então entendemos o convite direto de Jesus: "Convertei-vos" ou "mudai de vida". Mudai de vida porque um novo modo de vida começou: o tempo de viver para si mesmo terminou, o tempo de viver com Deus e para Deus, com os outros e para os outros, com amor e porque o amor começou. Jesus repete para ti também hoje: "Coragem, estou perto de ti, abre-me espaço e a tua vida mudará!". Jesus bate à porta. É por isso que o Senhor te dá a sua Palavra, para que tu a aceites como uma carta de amor que ele escreveu para ti, para te fazer sentir que Ele está ao teu lado. A Sua Palavra conforta-nos e encoraja. Ao mesmo tempo, é causa de conversão, abana, libertando-nos da paralisia do egoísmo. Porque a sua Palavra tem este poder: mudar a vida, passar das trevas para a luz. Esta é a força da sua Palavra.

2. Se virmos onde Jesus começou a pregar, descobrimos que começou precisamente a partir das regiões consideradas “sombrias". De facto, a primeira leitura e o evangelho falam-nos daqueles que estavam «na região e na sombra da morte»: são os habitantes da «terra de Zebulão e Neftali, a caminho do mar, região de além do Jordão, Galileia dos gentios» (Mt 4 15-16; cf. Is 8,23-9,1). Galileia dos gentios: a região onde Jesus começou a pregar era assim chamada porque era habitada por pessoas diferentes e era uma verdadeira mistura de povos, línguas e culturas. De facto, havia a Via do Mar, que representava uma encruzilhada. Viviam ali pescadores, comerciantes e estrangeiros: certamente que não era o lugar onde a pureza religiosa do povo escolhido se podia encontrar.  No entanto, Jesus começou a partir daí: não do átrio do templo em Jerusalém, mas do lado oposto do país, na Galileia das gentes, de um local dos confins. Começou numa periferia.

Podemos considerá-lo uma mensagem da sua parte: A Palavra que salva não vai à procura de lugares preservados, esterilizados e seguros. Vem às nossas complexidades, às nossas trevas. Hoje, como então, Deus deseja visitar aqueles lugares onde pensamos que Ele não chega. Quantas vezes, em vez disso, fechamos a porta, preferindo esconder as nossas confusões, as nossas opacidades e duplicidades. Silenciamo-lo dentro de nós, mesmo quando invocamos o senhor com alguma oração formal, atentando para que a sua verdade não nos abale por dentro. E isso é uma hipocrisia oculta. Mas Jesus, diz o Evangelho hoje, «percorria por toda a Galileia [...] anunciando o Evangelho e curando todo o tipo de enfermidades» (v. 23): atravessou toda aquela região multifacetada e complexa. Do mesmo modo, ele não tem medo de explorar os nossos corações, os nossos lugares mais austeros e difíceis. Ele sabe que somente o seu perdão nos cura, somente a sua presença nos transforma, somente a sua Palavra nos renova. A Ele que percorreu a Via do Mar, abramos os nossos caminhos mais tortuosos - aqueles que temos por dentro e que não queremos ver ou escondemos -, deixemos que a Sua Palavra entre em nós, ela que é «viva, eficaz, e [...] discerne os sentimentos e pensamentos do coração» (Hb 4,12).

3. Finalmente, com quem Jesus começou a falar? O Evangelho diz que «enquanto caminhava pelo mar da Galileia, viu dois irmãos [...] que lançavam as suas redes ao mar; eram de facto pescadores. E disse-lhes: «Vinde após mim, farei de vós pescadores de homens» (Mt 4,18-19). Os primeiros destinatários do chamamento foram os pescadores: não pessoas cuidadosamente selecionadas com base em habilidades ou homens piedosos que estavam no templo a orar, mas pessoas comuns que trabalhavam.

Obsservai o que Jesus lhes disse: Eu farei de vós pescadores de homens. Fala com os pescadores e usa uma linguagem que eles compreendem. Retira-os das suas vidas: Chama-os a partir de onde estão e como estão, para os envolver na sua própria missão. «E eles imediatamente deixaram as redes e seguiram-no» (v. 20). Porquê imediatamente? Simplesmente porque se sentiram atraídos. Eles não foram velozes e prontos porque receberam uma ordem, mas porque foram atraídos pelo amor. Para seguir Jesus, não basta um bom empenho, é preciso ouvir o seu chamamento todos os dias. Somente ele, que nos conhece e nos ama até o fim, nos faz decolar para o mar da vida. Como ele fez com os discípulos que o ouviram.

Portanto, precisamos da sua Palavra: de escutar, no meio de milhares de palavras todos os dias, aquela Palavra única que não nos fala das coisas, mas nos fala da vida.

Queridos irmãos e irmãs, abramos espaço dentro de nós mesmos para a Palavra de Deus! Leiamos alguns versículos da Bíblia diariamente. Comecemos com o Evangelho: mantenhamo-lo aberto na mesa de cabeceira em casa, levemo-lo connosco no bolso ou na mala, vejamo-lo no nosso telemóvel, deixe-nos inspirar todos os dias. Descobriremos que Deus está perto de nós, que ilumina as nossas trevas e que, com amor, conduz ao largo a nossa vida.

Tradução Educris a partir do original em italiano

 

Imagem: Vatican.va

26.01.2020



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