Notas sobre a vida cristã

Toda a pessoa generosa corre o risco de pensar que a santidade é seguir à letra as palavras do Evangelho. Mas há palavras do Evangelho que não podem ser tomadas à letra, por exemplo aquelas que são expressões tipicamente exageradas, destinadas a sacudir o auditório. Dou um exemplo, entre muitos: “Se o teu olho direito é para ti ocasião de pecado, arranca-o e deita-o fora…”. É óbvio que o Senhor nos convida, com esta imagem, não a arrancar os olhos no sentido próprio, mas a cortar cerce com olhares de pecado.
Certos livros de espiritualidade do séc.XIX afirmavam que a perfeição consiste na obediência, e que os mandamentos da Lei de Deus, as prescrições da Igreja, as instruções dos Papas, contêm tudo o que é necessário para encontrarmos o nosso caminho. Era o tempo em que se sugeria que a vida do homem na terra tinha começado por um paraíso terreal, onde os homens viveriam como se fossem crianças num infantário perfeito, sem pecados, sem problemas, sem nada de grave a resolver. Acrescentava-se que Jesus tinha vindo ao mundo expressamente para morrer na cruz, e se tinha limitado a obedecer.
Julgo que esta concepção da vida

cristã é totalmente avessa ao Evangelho. Jesus obedeceu aos mandamentos da Lei, mas contestou pela palavra e pelo exemplo tudo aquilo que se tinha tornado absurdo: a observância cega do sábado, o apedrejamento das mulheres adúlteras, o desprezo definitivo pelos maus, a ideia de que a coisa mais importante não é o amor, mas a lei. Ao contrário do que faziam os Sumos Sacerdotes, não quis ter poder político, não resolveu mandar em tudo, não promulgou regulamentos de minúcia, mandou-nos estar atentos aos “sinais dos tempos”, fomentou a criatividade e a iniciativa. Houve tempo em que se ensinou nas Igrejas que os cristãos deviam denunciar à Inquisição os que atraiçoavam a fé. Claro que só havia duas respostas possíveis: contestar (e ser preso pela Inquisição) ou rezar.

Padre João Resina Rodrigues


Artigos Relacionados: