Que ridículo e mesmo estúpido dizer-se de um livro que está bem escrito. Não é «bem escrito» que está. Está é sentido originalmente, original nas observações, inteligente na reflexão. É por isso que não se pode imitar. Pode-se é ser original de outra maneira. Há realmente livros que são apenas «bem escritos». São os livros banais, com palavras trabalhadas ao torno, frases que se pretendem «despojadas», reduzidas ao «essencial», e cruas. Mas como o que nelas está não representa um sentir originário, nem uma observação imprevista, nem uma reflexão que nos surpreenda pela justeza e profundidade, o que delas resulta é uma construção pretensiosa, estéril e quase sempre irritante. Decerto um romance (como a poesia segundo Mallarmé e como creio já ter dito), faz-se com palavras. Pois com que é que havia de fazer-se? Mas antes disso faz-se com o impulso animador a essas palavras e que assim não passa bempor elas mas por entre elas, fazendo delas apenas um apoio para passar além, como o som passa pelas cordas mas existe por entre elas e é nesse som o indizível que nos emociona. O que nos fica de um livro «bem escrito» é essa emoção que já não lembra as palavras e vive por si.
Eis porque tal livro é inimitável e apenas poderá repetir-se, ou seja plagiar-se. Imitar verdadeiramente esse livro é recompor uma emoção afim e inventar outras palavras que traduzam esse sentir, ou seja que lhe sirvam de pretexto ou estratagema para que esse sentir (e pensar/sentir) se realize como a música nas cordas
Vergílio Ferreira