O que se irrita justificadamente nas situações em que se deve irritar ou com as pessoas com as quais se deve irritar, e ainda da maneira como deve ser, quando deve ser e durante o tempo em que deve ser, é geralmente louvado. Quem assim for é gentil, se é que a gentileza é uma disposição louvada. Porque o gentil quer permanecer imperturbável e não quer ser levado pela emoção, e apenas o sentido orientador lhe poderá prescrever as situações em que deve irritar-se e durante quanto tempo. Ou seja, o gentil parece pecar mais por defeito, porque não é do tipo vingativo mas mais do género que perdoa.
O defeito, seja uma certa fleuma seja o que for, é repreendido. Os que não se irritam quando têm motivo parecem parvos, o mesmo quando não se irritam de modo correto, nem quando devem, nem com aqueles que devem. Parece até que não sentem a injúria ou não sofrem com ela. Mas se não se irritarem não conseguem defender-se, e aguentar um insulto ou tolerar os insultos feitos a terceiros é uma característica de subserviência.
Há excessos a respeito de todos os elementos circunstanciais envolvidos num acesso de ira (seja por se dirigir contra as pessoas indevidas, seja por motivos falsos, seja por ser de mais, ou por surgir rapidamente ou por durar tempo de mais), mas certamente que nem todos os elementos circunstanciais estão feridos de um carácter indevido ao mesmo tempo e na mesma pessoa. Não parece que tal possa acontecer. Na verdade, o mal destrói-se a si próprio, e se for integral, torna-se insuportável.
Os irascíveis depressa se irritam com aqueles que não devem e pelos motivos indevidos, ou então mais do que devem, mas, por outro lado, também, depressa deixam de se comportar assim. E é o melhor que tem na sua disposição de carácter. Quer dizer, ficam neste estado porque não conseguem
Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco'