Homilia do Papa Francisco no II Dia Mundial dos Pobres

Leia, na íntegra, a homilia do Papa Francisco no II Dia Mundial dos Pobres, XXXII Domingo do Tempo Comum.

 

Vejamos as três ações que Jesus realiza no Evangelho.

A primeira. Em pleno dia, sai: retira-se da multidão no momento do sucesso, quando estava a ser aclamado por ter multiplicado os pães. E enquanto os discípulos queriam gozar a glória, ele imediatamente força-os a sair e a dispensar a multidão (cf. Mt 14, 22-23). Procurado por pessoas, vai sozinho; quando tudo estava "em declive", sai para a montanha para rezar. Depois, no meio da noite, desce da montanha e junta.se aos seus caminhando sobre as águas agitadas pelo vento. Em tudo Jesus vai contra a corrente: primeiro deixa o sucesso, depois a tranquilidade. Ensina-nos a coragem de sair: deixar o sucesso que faz inchar o coração e a tranquilidade que adormece a alma.

Ir para onde? Até Deus, rezando, e até aqueles que tem necessidade, amando. São os verdadeiros tesouros da vida: Deus e o próximo. Subir a Deus e descer até aos irmãos, aqui está a rota indicado por Jesus. Assim se distingue das pastagens imperturbáveis, nas planícies confortáveis ??da vida, do viver ociosamente, de braços cruzados, para as pequenas satisfações do quotidiano. Os discípulos de Jesus não são feitos para a tranquilidade previsível de uma vida normal. Como o Senhor Jesus, eles vivem o seu caminho, leves, prontos para deixar as glórias do momento, atentos para não se apegarem aos bens que passam. O cristão sabe que a sua casa está noutro lugar, sabe que é já agora - como recordou o apóstolo Paulo na segunda leitura - "concidadão dos santos e familiares de Deus" (cf. Ef 2:19). Ele é um viajante ágil da existência. Nós não vivemos para acumular, a nossa glória está em deixar o que passa para segurar o que resta. Pedimos a Deus que assemelhe a Igreja à descrita na primeira leitura: sempre em movimento, perita em partir e fiel no serviço (cf. Atos 28, 11-14). Provoca-nos, Senhor, da calma ociosa, da quieta bonança dos nossos portos seguros. Arranca-nos das amarras da autorreferenciação que pesa sobre a vida, libertam-nos da busca dos nossos sucessos. Ensina-nos Senhor a saber deixar para afinar a rota da vida na tua: para Deus e para o próximo.

A segunda ação: no meio da noite, Jesus encoraja. Ele vai ter com os seus, imersos na escuridão, caminhando «sobre o mar» (v. 25). Na realidade, era um lago, mas o mar, com a profundidade das suas trevas subterrâneas, evocava as forças do mal naquela época. Jesus, por outras palavras, vai ao encontro dos seus espezinhando os inimigos malignos do homem. Aqui está o significado deste sinal: não é uma manifestação comemorativa do poder, mas a revelação, para nós, da certeza de que Jesus, somente Ele, Jesus, vence os nossos maiores inimigos: o diabo, o pecado, a morte, o medo, o mundanismo. Hoje também nos diz: «Toma coragem, sou eu, não temas» (v. 27).

A barca da nossa vida é muitas vezes sacudida pelas ondas e abalada pelos ventos e, quando as águas estão calmas, logo se agitam novamente. Então apanhamos com as tempestades do momento, que parecem ser os nossos únicos problemas. Mas o problema não é a tempestade do momento, é como se navega na vida. O segredo de navegar bem é convidar Jesus a bordo. O leme da vida deve ser dado a ele, para que ele possa administrar a rota. Só ele dá vida na morte e esperança na dor; somente Ele cura o coração com perdão e liberta do medo com a confiança. Convidemos hoje Jesus para a barca da vida. Como os discípulos, nós experimentaremos que com ele a bordo os ventos se acalmam (ver verso 32) e nunca causam um naufrágio. Com ele a bordo nunca seremos náufragos! E é somente com Jesus que nos tornamos capazes de nos encorajar também. Há uma grande necessidade de pessoas que saibam consolar, mas não com palavras vazias, mas com palavras de vida, com gestos de vida. Em nome de Jesus, o verdadeiro consolo é dado. Não com um incentivo formal e óbvio, mas a presença de Jesus restaura. Encoraja, Senhor: Consolados por ti, seremos verdadeiramente consoladores dos outros.

E terceira ação de Jesus: no meio da tempestade, ele estende a mão (cfr. V. 31). Ele agarra Pedro que, temeroso, duvidou e, se afundando, gritando: «Senhor, salva-me!» (V. 30). Podemos colocar-nos no lugar de Pedro: somos pessoas de pouca fé e estamos aqui para implorar pela salvação. Somos pobres na vida real e precisamos da mão estendida do Senhor, que nos tira do mal. Este é o começo da fé: esvaziar a orgulhosa convicção de acreditar-se apto, capaz, autónomo, e reconhecer-se necessitado da salvação. A fé cresce neste clima, um clima que é adaptado por estar com aqueles que não estão no pedestal, mas que precisam e pedem ajuda. Por esta razão, a fé viva no contato com os necessitados é importante para todos nós. Não é uma opção sociológica, não é a moda de um pontificado, é uma necessidade teológica. É reconhecer-se como mendigos da salvação, irmãos e irmãs de todos, mas especialmente dos pobres, amados pelo Senhor. Assim se atinge o espírito do Evangelho: «o espírito de pobreza e de amor - diz o Concílio - é de facto a glória e o sinal da Igreja de Cristo» (Const. Gaudium et Spes, 88).

Jesus ouviu o grito de Pedro. Peçamos a graça de escutar o grito daqueles que vivem em águas tempestuosas. O grito dos pobres: é o grito estrangulado das crianças que não podem vir à luz, dos pequenos que sofrem com a fome, dos meninos já habituados ao rugido das bombas em vez de estarem acostumados aos gritos felizes dos jogos. É o grito dos idosos descartados e deixados sozinhos. É o grito daqueles que enfrentam as tempestades da vida sem uma presença amiga. É o grito daqueles que devem fugir, deixando a casa e a terra sem a certeza de um local de repouso. É o grito de populações inteiras, também privadas dos enormes recursos naturais disponíveis para eles. É o grito dos muitos Lázaros que choram, enquanto poucos se banqueteiam com aquilo que por justiça pertence a todos. A injustiça é a raiz perversa da pobreza. O clamor dos pobres torna-se mais forte a cada dia, mas a cada dia ouve-se menos. Todos os dias o choro é mais alto, mas a cada dia é menos ouvido, esmagado pelo barulho de algumas pessoas ricas, que são sempre menos e sempre mais ricas.

Diante da dignidade humana atropelada, muitas vezes se permanece com os braços para baixo ou ainda com os braços cruzados, impotentes diante da força sombria do mal. Mas o cristão não pode ficar de braços cruzados, indiferente, ou de braços abertos, fatalista, não. O crente estende a mão, como Jesus faz com ele. Com Deus, o clamor dos pobres é ouvido. E eu pergunto: e em nós? Temos olhos para ver, ouvidos para ouvir, mãos estendidas para ajudar, ou repetimos que "volta amanhã"? «O próprio Cristo, na pessoa dos pobres, reclama em voz alta a caridade dos seus discípulos» (ibid.). Ele pede-nos para o reconhecer  na fome e na sede, num estranho e despojado de dignidade, doente e preso (cf. Mt 25,35-36).

O Senhor estende a mão: é um gesto gratuito, não esperado. É assim que é feito. Nós não somos chamados a fazer o bem apenas para aqueles que nos amam. Retribuir é normal, mas Jesus pede para ir mais longe (cf. Mt 5, 46): dar àqueles que não têm como devolver, isto é, amar de graça (cf. Lc 6, 32-36). Vamos olhar para os nossos dias: entre tantas coisas, fazemos algo de graça, algo para aqueles que não têm como retribuir? Esta será a nossa mão estendida, a nossa verdadeira riqueza no céu.

Segura a nossa mão, Senhor, segura-a. Ajuda-nos a amar como Tu amas Ensina-nos a deixar o que é passageiro, a encorajar os que estão ao nosso redor, a dar livremente aos necessitados. Amém.

Tradução Educris a partir do original em italiano

18.11.2018



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