ENC: "A família tem estado no centro da reflexão catequética"

Em vésperas do 56º Encontro Nacional de Catequese, que Santarém acolhe de 9 a 12 de abril, Cristina Sá Carvalho, diretora do departamento de Catequese do Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC) afirma a família “como o centro da reflexão catequética dos últimos dez anos” e reflete sobre “os caminhos percorridos pelo setor” nomeadamente através da “catequese familiar e da escola paroquial de pais”.

EDUCRIS: Quais os objetivos do 56º Encontro Nacional de Catequese?

Cristina Sá Carvalho: Em primeiro lugar é preciso rever os pontos principais da Exortação Pós Sinodal Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), que o papa Francisco dedicou à problemática da família no nosso tempo e na Igreja, sobretudo os pontos em que a Catequese é referida.

EDUCRIS: A Família está no centro das várias intervenções propostas pelo departamento da Catequese do SNEC.É o momento, por parte do Departamento de Catequese do SNEC, de continuar a apostar em projetos catequéticos de cariz familiar divulgando-os aos responsáveis diocesanos ou em que fase estamos já?

Cristina Sá Carvalho: Não, essa fase já está ultrapassa! Há seis anos que lançámos o nosso projeto sobre a Catequese Familiar, sempre em diálogo e colaboração com os secretariados diocesanos, e o Despertar Religioso voltou a ser trabalhado também há bastantes anos, a partir da Diocese de Lisboa. Também publicámos a Escola Paroquial de Pais há algum tempo, para todos os grupos de catequese da infância que não estão em Catequese Familiar, porque párocos e catequistas desejavam trabalhar mais e melhor com as famílias, pais e avós.

EDUCRIS: A família tem estado no centro das preocupações do departamento…

Cristina Sá Carvalho: De facto, nas iniciativas do departamento que tiveram lugar na ultima década a família foi sempre uma prioridade. Se olhar-mos para a história da Catequese em Portugal vemos que a Família esteve sempre presente nas preocupações dos catequetas e responsáveis, com projetos de Catequese Familiar lançados há décadas e de Despertar da Fé também. Mesmo quando o trabalho com as famílias não foi uma meta explícita, a família foi sempre contemplada com algum tipo de intervenção, seja nas notas enviadas a partir dos catecismos ou, como agora, registadas nos próprios materiais, ou na procura de boas reuniões, com uma preocupação formativa e, até, numa fase em que se lamentava bastante a fraca participação familiar na educação para a fé dos filhos e netos, e que acabou por reencontrar algumas respostas e criar outras.

EDUCRIS: A recente reflexão dos bispos e a posterior Exortação Pós Sinodal são ajudas neste trabalho?

Cristina Sá Carvalho: claro que o ambiente pós Sinodal nos ajuda a fazer o balanço da implementação e a perspetivar novas metas. Não se pode fazer uma transmissão da fé verdadeiramente conversora das crianças e dos adolescentes sem a participação das famílias e pode-se aprofundar, despertar ou promover a conversão dos pais através da educação para a fé dos seus filhos pois o projeto de Catequese Familiar é também uma modalidade de Catequese de Adultos. Quando uma criança ou um adolescente faz esse processo de conversão fora da ação da sua própria família significa que encontrou em alguém um substituto emocional e educativo que assumiu esse papel.

EDUCRIS: tendo os três projetos (Catequese Familiar, Despertar Religioso e Escola Paroquial de Pais) já passos consistentes dados é já possível fazer um balanço do percurso desenvolvido?

Cristina Sá Carvalho: No Encontro Nacional de Catequese (#ENC) vamos fazer um balanço, sobretudo para atualizar os dados da sua expansão pelas dioceses, que não fazemos há já uns 18 meses, mas conhecemos bem os seus resultados pastorais, a qualidade do envolvimento das famílias e os frutos para as comunidades de fé. Para muitos jovens casais tem sido a possibilidade de sentir e de verificar que não só desejavam aproximar-se das suas comunidades - muitas vezes uma comunidade nova, por alteração de morada - como de constatar que esta estava pronta e desejosa de os receber. Não é um processo fácil para as famílias jovens e para as famílias que foram atingidas por algum tipo de experiência disruptiva reencontrar a sua comunidade ou integrar-se numa nova, há um processo de perda e de luto a acontecer ao mesmo tempo em que a família se reconfigura e a Catequese Familiar e o Despertar Religioso são grandes facilitadores pois os pais encontram ali outros pais com quem partilhar preocupações e alegrias. Esse registo é um traço essencial da forma como as Famílias se estão a apropriar da experiência da Catequese Familiar, pois referem encontrar ali um ambiente de fraternidade e confiança único, que as escuta, apoia e incentiva a viver melhor as suas vidas. Para as crianças também é uma experiência de grande entusiasmo, vão para os tempos de vida em comunidade previstos pelo programa de CF com uma alegria e uma disponibilidade enormes. Também sentimos que o seu nível de aprendizagem é muito elevado e muito natural, pois vão colocando questões e promovendo experiências de partilha da fé com os irmãos e os pais ao longo de toda a semana. Estão a construir-se pequenas Igrejas em Família.

EDUCRIS: Abordou a questão dos novos contextos familiares a que o papa faz referência e para os quais chama a atenção na Exortação pós sinodal Amoris Laetitiae. Em seu entender que desafios se colocam hoje à transmissão da fé nestes novos contextos e como está a catequese a olhar para este novo desafio?

Cristina Sá Carvalho: Não é um novo paradigma. A família está sempre em mudança e na educação das crianças e dos adolescentes é impossível não nos darmos conta disso. Há dois movimentos complementares, na minha perspetiva, e também é isso que procuramos promover e vemos ter lugar: por um lado, há um modelo de família que a Igreja oferece como o padrão, como aquela estrutura familiar que melhor protege e defende a dignidade da pessoa em qualquer idade da vida e que também é o espaço mais privilegiado para a transmissão da fé e, com esta, dos valores do Evangelho. A Igreja não vai nunca abandonar esse modelo e, na educação, não vai deixar de o propor ativamente pois há na fé cristã, tal como revelada em Jesus Cristo, uma dimensão utópica, profética, do "deve ser". E, na educação, também pensamos no futuro daqueles que nos estão agora confiados, esperamos que possam construir as suas Famílias com solidez, com discernimento, na presença de Deus e na relação com a Comunidade de fé e a Igreja, que deseja ampará-los, guiá-los, maternalmente. Às vezes referimo-nos com alguma leviandade aos novos modelos de Família pois muitas dessas Famílias estão a construir-se sob os escombros de um projeto que falhou, que projetou um grande sofrimento e muito azedume e, muitas vezes, uma fragilização laboral, educativa e financeira que não existia antes. O Papa Francisco insta-nos a socorre-las, a acompanhá-las com um zelo maior e mais lúcido, que seja – e é o segundo movimento – o rosto da Misericórdia de Deus no quotidiano dos nossos irmãos. Na Catequese, começamos por acolher, por conhecer, por dialogar, a pensar nas crianças e nos adolescentes que vivem situações difíceis e, por vezes, uma grande solidão. Não se trata de nos substituirmos aos Pais ou de contornar a sua ação ou de ignorar as suas responsabilidades – porque os Catequistas também devem compreender os limites da sua intervenção e o respeito que é devido a todas as partes – mas estar lá, de porta aberta, para todas as pessoas que procuram a catequese para os seus filhos, netos, afilhados… Esta procura é já uma aproximação importantíssima. Depois, trabalhar com as Famílias dignificando-as e em diálogo, na proximidade que o Papa Francisco pede para com todas as periferias, materiais e existências. E celebrar, com alegria genuína e sem proselitismo, a oportunidade de vivermos juntos e de aprendermos uns com os outros. O ser humano é frágil e limitado, mas na fraternidade encontra motivos e meios de fortalecimento, de conversão, de recomeço.

Imagem: Arquivo Educris

 



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