Domingo IV da Páscoa: «Inundação de Luz»

1. O selêucida Antíoco IV Epifânio tinha profanado o Templo de Jerusalém, introduzindo lá cultos pagãos. Contra esta helenização e paganização do judaísmo lutaram os Macabeus, e, em 164 a.C., Judas Macabeu procede à purificação do Templo e à sua Dedicação ao Deus Vivo. Este acontecimento deve ser celebrado todos os anos, durante oito dias, com a Festa da Dedicação, a partir de 25 do mês de Kisleu, que, no ano em curso de 2019, corresponde ao nosso dia 23 de dezembro, nas proximidades da nossa festa de Natal.

2. É no ambiente desta Festa anual da Dedicação do Templo, em pleno inverno, que se situa a perícope do Evangelho de João 10,27-30 (veja-se 10,22), proclamada neste Domingo IV da Páscoa, também Domingo do Bom Pastor e Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Este Dia de Oração remonta à radiomensagem de Paulo VI, de 11 de Abril de 1964, que deu início a este Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que são um indicador seguro da vitalidade da fé e do amor de cada comunidade paroquial e diocesana, bem como o testemunho da saúde moral e espiritual das famílias cristãs, num mundo carente de mãos e corações sacerdotais.

3. A Festa da Dedicação, em hebraico hanûkkah, celebra-se durante oito dias, e tem como símbolo o candelabro de oito braços. Relata o Talmude que, quando os judeus fiéis entraram no Templo profanado pelos pagãos helenistas, encontraram uma única âmbula de azeite puro (kasher) de oliveira para reacender o candelabro de sete braços, em hebraico menôrah, que é um dos símbolos de Israel, e que deve arder permanentemente diante do Deus Vivo. Todavia, uma âmbula de azeite duraria apenas um dia, e eram precisos oito dias para preparar novo azeite puro. Pois bem, o azeite daquela única âmbula durou milagrosamente oito dias! Daí que, na Festa da Dedicação, se acenda um candelabro de oito braços, chamado hanûkkiah. Mas acende-se apenas uma luz por dia, depois do pôr-do-sol, aumentando progressivamente até estarem acesas as oito luzes. Além disso, e ao contrário das luzes da menôrah e do Sábado, que alumiam o interior do Santuário e da casa de família respetivamente, as Luzes do candelabro da Dedicação, refere o ritual, devem ser vistas cá fora: devem alumiar o ambiente social, político, comercial e cultural. E também ao contrário das luzes da menôrah e do Sábado, não se acendem todas de uma vez, mas progressivamente, uma por dia, porque, quando as condições são adversas (paganismo helenista e escuro), não basta acender uma luz e mantê-la; é preciso aumentar constantemente a luz… Mais luz! Mais luz! Mais luz!

4. Como este simbolismo é importante para os dias de hoje! Está escuro cá dentro e lá fora, o mundo parece desconstruir-se, o paganismo é galopante! Mais do que nunca, é preciso, portanto, não apenas manter a luz, mas aumentá-la progressivamente. E está em maravilhosa sintonia com o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que salienta sempre a importância da fé e da esperança.

5. O resto é a força e a beleza da imagem do Bom e Belo Pastor, que dá a Vida Eterna às suas ovelhas, que as segura pela mão, que as conhece, enquanto elas escutam a voz do Bom Pastor e o seguem (João 10,27-29). Maravilhosa Comunhão.

6. Maravilhosa Comunhão também entre este Bom e Belo Pastor, que é o Filho, e o Pai. Texto imenso e intenso, de grande alcance trinitário: «Eu e o Pai uma Realidade somos» (João 10,30). Deixem-me pôr aqui o texto grego: egò kaì ho patêr hén esmen. O verbo está no plural: somos. Junta «Eu» e «o Pai», duas Pessoas. O predicativo, porém, não está na forma masculina, mas na forma neutra: uma Realidade (hén). Donde: o Filho e o Pai não são uma só Pessoa (da ordem da hypóstasis), mas são uma única Realidade (não coisa!, como se vê em algumas pobres traduções), uma única Substância (da ordem da ousía), como diziam bem os Padres gregos. Ó música insondável do Amor de Deus, ó admirável comunhão de três Pessoas iguais, mas distintas, ó Vida Plena e Verdadeira a nós acessível por graça! Basta, para tanto, conhecer, escutar e seguir o Bom e Belo Pastor.

7. A lição de hoje do Livro dos Atos dos Apóstolos (13,14.43-52) mostra-nos Paulo e Barnabé em Antioquia da Pisídia, antiga cidade situada no coração da Ásia Menor, atual Turquia, hoje reduzida a algumas ruínas junto da aldeia de Jalvaz. Entrando na sinagoga em dia de sábado, Paulo e Barnabé anunciaram aí, na longa perícope hoje não lida (vv. 16-41), o kêrigma tripartido da fé: a Promessa feita aos Pais, Cristo Ressuscitado, o Dom do Espírito Santo. O anúncio suscitou a fé em numerosos hebreus que, no final, se unem aos dois apóstolos (vv. 42-43). O círculo de ouvintes e crentes aumentou no sábado seguinte (v. 44), o que provocou a inveja dos judeus fiéis à sinagoga (v. 45). Vendo então que a Palavra de Deus era rejeitada pelos judeus da sinagoga, Paulo e Barnabé voltaram-se para os pagãos, que muito se alegravam e glorificavam a Deus, e abraçaram a fé (v. 48). Os dois apóstolos leem esta recusa dos judeus e a consequente oferta da salvação aos pagãos como fazendo parte do Desígnio divino, e citam a propósito Isaías 49,6: «Eu te estabeleci como luz das nações pagãs, para que leves a salvação até aos confins da terra» (v. 47). E Isaías outra vez a confirmar esta oferta da salvação a todos os povos, pondo-os todos sob a Bênção de Deus: «Bendito o Egito, meu povo, a Assíria, obra das minhas mãos, e Israel, minha herança» (Isaías 19,25). É o Evangelho sem peias nem fronteiras. Paulo e Barnabé acabaram naturalmente expulsos da cidade devido às perseguições dos judeus (v. 50). Mas o Espírito Santo ia enchendo de alegria os novos discípulos (v. 52).

8. A mesma realidade pode ver-se na lição de hoje do Livro do Apocalipse 7,9.14-17, onde a Jerusalém celeste congrega «uma multidão imensa de todas as nações, raças, povos e línguas» (v. 9). A lição é clara: os eleitos de Deus não pertencem a uma só raça ou cultura ou língua ou nacionalidade. Mas, neste povo «pentecostal», podemos logo identificar outra característica, uma espécie de verso e reverso, viver em dois teclados, dois cenários sobrepostos: os fiéis experimentam a aflição, mas vivem na alegria, a perseguição, mas vivem na glória, são atormentados, mas vivem na serenidade. Outra vez o episódio de hoje do Livro dos Atos dos Apóstolos como paradigma: em Antioquia da Pisídia levantou-se uma perseguição contra Paulo Barnabé e os primeiros crentes, e, não obstante, «os discípulos estavam cheios de alegria» (Atos 13,52) e «os pagãos alegravam-se e glorificavam a Deus» (Atos 13,48). Os eleitos do Apocalipse imitaram Cristo também no martírio, «lavando as suas vestes no sangue do Cordeiro» (Apocalipse 7,14). Experimentaram a fome e a sede, o sol e o calor ardente. Agora, porém, seguindo o ritual da Festa das Tendas (cf. Levítico 23,40), levam palmas (phoínix) na mão (Apocalipse 7,9), símbolo de vitória e de festa e de vida nova e eterna (phoínix tem o duplo significado de palmeira e fénix, a ave da imortalidade), e serão apascentados e conduzidos pelo Cordeiro às fontes de água viva (Apocalipse 7,16), e o próprio Deus enxugará com carinho as lágrimas dos seus olhos (Apocalipse 7,17; cf. Isaías 25,8).

9. Na tradição judaica, o Salmo 100 constitui uma velha, pequena oração que ressoa no nosso coração como louvor ao Deus bom, cujo amor é eterno. Intitula-se «Um cântico para a tôdah» (mizmôr letôdah), isto é, para a ação de graças ao Senhor. Este pequeno hino articula gritos de alegria, louvor, conhecimento, súplica, bênção. Agostinho comenta assim: «Deixa que a oração se transforme no teu alimento. Rezando, adquires novas energias, e Aquele a quem rezas torna-se mais doce para contigo». No centro do pequeno hino está uma profissão de fé no Senhor: o Senhor é Deus, nosso criador, que estabeleceu a aliança com Israel («nós somos o seu povo»), o amor do Senhor é para sempre, a sua fidelidade para todas as gerações (vv. 3 e 5).

 

Senhor Jesus Cristo,

Único Senhor da minha vida,

Bom Pastor dos meus passos inseguros

E do silêncio inquieto do meu coração,

Cheio de sonhos, anseios, dúvidas, inquietações.

 

Senhor Jesus,

Faz ressoar em mim a tua voz de paz e de ternura.

Eu sei que pronuncias o meu nome com doçura,

E me envias ao encontro daquele meu irmão que Te procura.

 

Fico contigo sentado junto ao poço.

Alumia o meu pobre coração.

Vejo que, de toda a parte, chega gente de cântaro na mão.

Dispõe de mim, Senhor,

Nesta hora de Nova Evangelização.

 

Que eu saiba, Senhor,

Interpretar bem a tua melodia.

Que eu saiba, Senhor,

Dizer sempre SIM como Maria.

 

António Couto



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