Domingo XXXIII do Tempo Comum:«negociantes ousados ou o tempo todo sentados em cima do tesouro»

1. A parábola do Domingo passado (XXXII) terminava assim: «Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora» (Mateus 25,13). E a parábola deste Domingo, XXXIII do Tempo Comum, que segue imediatamente a anterior (Mateus 25,14-30), agrafa-se a ela, utilizando três motivos temáticos e literários: a) se a parábola do Domingo passado terminava incutindo uma atitude de vigilância: «Vigiai, pois…» [gregoreîte oûn], a de hoje encaixa ou imbrica-se nela, dizendo em que consiste essa atitude de vigilância, iniciando com: «É, na verdade, como…» [hôsper gár] (Mateus 25,14); b) o atraso do noivo na parábola anterior (Mateus 25,5) corresponde ao «muito tempo depois» da parábola de hoje (Mateus 25,19); c) as virgens operosas da parábola anterior, que tinham tudo preparado, correspondem aos dois servos operosos da parábola de hoje: elas entram na sala do banquete (Mateus 25,10), como eles entram na alegria do seu Senhor (Mateus 25,21 e 23); do mesmo modo que as virgens não operosas da parábola anterior, que não tinham tudo preparado, têm o seu paralelo no servo mau e preguiçoso da parábola de hoje: elas ficam fora da porta da sala do banquete (Mateus 25,12), como ele é excluído da alegria do seu Senhor (Mateus 25,30).

2. Entrando agora mais dentro da parábola deste Domingo XXXIII (Mateus 25,14-30), somos logo levados a tomar consciência de que um imenso dom, vindo de Deus, precede sempre a nossa ação: cinco talentos, dois talentos, um talento… é sempre uma imensa quantidade dada logo à partida!

3. O talento começou por ser uma unidade de peso, usada sobretudo para medir metais preciosos. Por exemplo, na Babilónia, um talento equivalia a 60 quilos. Imagine-se então o valor de um talento de ouro! Em épocas sucessivas, no período helenístico, o valor do talento baixou, situando-se então entre 35 e 26 quilos. De qualquer modo, um talento equivalia então a 6000 denários, sendo que o denário era o salário normal de um dia de trabalho. Um talento, 6000 denários, era assim o equivalente a uma vida inteira de trabalho! Portanto, quer seja um, dois ou cinco talentos, é sempre um imenso dom que nos é entregue! É sabido que o grande humanista Erasmo de Roterdão (1467-1536) partiu desta página do Evangelho para dar a estes «talentos» o sentido novo do «talento» ou «capacidades» que distinguem cada ser humano. Esta acostagem é possível, se respeitarmos as devidas distâncias. O Evangelho não fala tanto do empenho, dos méritos, das capacidades de cada um, mas mais, muito mais da graça preveniente de Deus, do primado da graça de Deus em relação a nós.

4. Bem! O andamento da parábola continua a dizer-nos que os talentos entregues por Deus a cada um de nós não são como uma pedra preciosa que há que guardar ciosamente. São antes como uma imensa soma de dinheiro que há que pôr a render, ou como uma semente que há que semear para produzir raízes, caule, ramos, folhas, flores e frutos. Só que esta imensa soma de dinheiro ou esta semente capaz de um tal desenvolvimento são-nos entregues sem instruções!

5. É assim que a parábola progride, mostrando-nos que os dois primeiros servos não perderam tempo, mas partiram logo (euthéôs) (Mateus 25,15 e 17) e obtiveram resultados fantásticos (100% de lucro) (Mateus 25,20 e 22). Mas o terceiro, ao contrário, agiu como se o talento recebido fosse uma pedra preciosa, e guardou-a ciosamente, para, a seu tempo, a devolver intacta ao seu dono.

6. As razões do comportamento estranho deste terceiro servo, são-nos manifestadas depois, quando este servo se explica aquando da chegada, «muito tempo depois», do seu Senhor. Ele diz, escolhendo mal as palavras: «Eu sei que és um homem duro (sklêrós), que colhes onde não semeaste e juntas onde não espalhaste. Tive medo, e escondi o teu talento na terra» (Mateus 25,24-25).

7. Aqui estão as respostas erradas, que vêm desde Adam. Também Adam, nosso lídimo representante, teve medo de Deus e escondeu-se dele (cf. Génesis 3,10). Na esteira de Adam, também este terceiro servo da parábola de Mateus ficou tolhido pelo medo e optou por jogar pelo seguro, que se vem a revelar falso. O medo deriva, nos dois casos, de uma falsa imagem de Deus, que é visto como um homem duro e exigente. É assim que ficamos muitas vezes paralisados, sem perceber a lógica dos dons de Deus, a começar pelo dom de Deus por excelência, que é o Espírito Santo. Sim, os dons do Deus da parábola são dinâmicos, e não pedras estáticas e imóveis! E o Deus da parábola é o Senhor da alegria (Mateus 25,21 e 23), e não do medo!

8. Portanto, a vigilância de Mateus 25,13 («Vigiai, pois…») manifesta-se em sermos ativos, generosos, corajosos e ousados desde o primeiro momento («partir logo») (Mateus 25,21 e 23), e não em ficarmos tolhidos, frios e inertes, ciosamente guardando um grande tesouro… Negociantes ousados, e não o tempo todo sentados em cima do tesouro.

9. A lição do Livro dos Provérbios 31,10-31, hoje lida aos repelões (vv. 10-13.19-20.29-31) mostra-nos, por assim dizer, o retrato da «mulher ideal». Não se fala da sua beleza nem do charme feminino. Vemo-la, antes, como esposa, mãe e dona de casa, sempre atenta a tudo e a todos. Não vive centrada em si mesma, de forma autorreferencial, mas olha para todos e por todos à sua volta, não esquecendo os pobres e necessitados (v. 20), que estão no centro das suas atenções e no centro do poema. Como este belo modelo encaixa bem no coração deste I Dia Mundial dos Pobres! Ela faz tudo, e tudo sabe fazer bem. Não perde tempo. Esta figura modelar encaixa à maravilha na parábola dos talentos do Evangelho de hoje. Nas suas mãos e em tudo o que faz, ela põe a render os talentos que Deus, no seu Designio Divino, lhe entregou. É ainda de realçar que este magnífico poema (Pr 31,10-31) é alfabético, isto é, os seus 22 versículos seguem, uma após outra, as 22 letras do alfabeto hebraico, e constitui o fecho do Livro dos Provérbios.

10. O Apóstolo, por sua vez, na sua Primeira Carta aos Tessalonicenses 5,1-6, reclama de nós a vigilância permanente, sem nunca nos deixarmos embalar pelos pregões dos distribuidores de soníferos e de tranquilizantes, que vão pregando «paz e segurança» (1 Tessalonicenses 5,3)

 11. Sim, as 45 palavras hebraicas do Salmo 128 enchem-nos de paz, luz, serenidade. Respira-se também a fragrância da videira e a juventude da oliveira. Mas a família cantada neste Salmo não está fechada sobre si mesma, mas aberta à comunidade por Deus abençoada. Portanto, do perímetro da casa e da mesa em que vivem e se sentam pais e filhos, avista-se e sente-se a paz da Cidade Santa, Jerusalém. Não é de admirar que a tradição judaica tenha sabido extrair deste Salmo as «sete bênçãos para as núpcias». Saboreemos o perfume deste extrato: «Bendito, ó Senhor, que concedeste ao esposo e à esposa júbilo, canto, gozo, alegria, amor, paz, fraternidade e amizade. Possam depressa e para sempre, ó Senhor, ressoar gritos de gozo em Jerusalém, cidade santa. Possa levantar-se, cheia, a voz jubilosa do esposo e da esposa e os coros gozosos de quem os acompanha na sua alegria. Bendito és tu, Senhor, que alegras o esposo com a sua esposa!».

António Couto



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