Domingo XXXI do Tempo Comum:«Estilo fraternal e maternal»

1. Neste Domingo XXXI do Tempo Comum, continuamos a ouvir Jesus a ensinar no Templo, no Átrio dos Gentios, seguindo o Evangelho de Mateus 23,1-12. O Capítulo 23 do Evangelho de Mateus apresenta-se assim arrumado: 1) 23,1-12, em que Jesus dirige o seu ensinamento às multidões e aos seus discípulos (Mateus 23,1), primeiro a todos (Mateus 23,2-7), depois particularmente aos seus discípulos (Mateus 23,8-12), pondo diante de uns e de outros a figura oca dos escribas e fariseus, a sua busca de notoriedade e de aplauso, apresentando-os como uma espécie de caricatura do seu verdadeiro discípulo, que deve ser humilde, serviçal, filho de Deus e irmão numa família de irmãos; 2) 23,13-36, em que Jesus se dirige directamente aos escribas e fariseus com sete «ais», sendo o «ai» uma fórmula de desgraça com que os profetas anunciam a ruína que está já aí à porta; 3) 23,37-39, em que Jesus se lamenta sobre Jerusalém, com aquele célebre «Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os pintainhos…, mas agora a tua casa ficará deserta», que constitui uma espécie de ponte para o Capítulo 24, em que logo no versículo primeiro Jesus sai do Templo.

2. No Evangelho de Mateus, o mundo dos escribas e dos fariseus é sempre pintado com cores escuras e sombrias. O único bom escriba que o Evangelho de Mateus conhece é aquele que se tornou discípulo: «Todo o escriba que se tornou discípulo do Reino dos Céus é semelhante ao proprietário que do seu tesouro tira coisas novas e coisas velhas» (Mateus 13,52; cf. 23,34).

3. Portanto, o discípulo de Jesus – e nós, hoje – não devemos preocuparmos com o estatuto nem correr atrás de honras, ambição e carreirismo, da notoriedade tornada visível nas filactérias (tephillîm), pequenas caixas de couro que continham textos-chave da Escritura (Deuteronómio 6,8 e 11,18), e que se atavam à fronte e ao braço esquerdo, para ficar mais perto do coração, ou as franjas de cor azul ou violeta (tsîtsît), que pendiam das vestes (Números 15,38-39), mais tarde do tallît (manto que os judeus piedosos vestem para a oração). Convenhamos em que é bem intencionada a prescrição, mas acaba por resultar em pura ostentação!

4. É verdade que ecoa um mundo novo nestes dizeres: «Mas vós não vos façais chamar por Rabbî, literalmente «meu maior», pois um só é o vosso Mestre (didáskalos), e vós sois todos irmãos» (Mateus 23,8). A ninguém chameis «Pai», a ninguém chameis «Guia» (kathêgêtês), que é aquele que indica o caminho, pois «um só», «um só», «um só» (três vezes surge esta expressão no texto de hoje) é o vosso Mestre, o vosso Pai, o vosso Guia. Em consonância, no Evangelho de Mateus, o título de «Mestre» nunca é dado a Jesus pelos seus discípulos, mas apenas pelos de fora; e o título de Rabbî só se ouve nos lábios de Judas, depois da sua apostasia (Mateus 26,25 e 49). Por sua vez, o termo «Guia» só aparece aqui em todo o Novo Testamento, e é desconhecido no texto dos LXX.

5. Salta à vista que devemos proceder sempre com simplicidade e verdade, sem protagonismo, ostentação ou ambição, e que, por detrás de nós, de tudo o que fazemos ou dizemos, deve ver-se sempre o Senhor Jesus, de quem devemos ser pura transparência. Se assim fosse, e assim deve ser, como seria belo e bem diferente este nosso mundo!

6. Sempre em linha com o Evangelho, Malaquias 2,10 pergunta hoje de forma certeira: «Não temos todos um único Pai? Por que agimos então com maldade uns para com os outros?». Pergunta certeira, que nos obriga a depor as armas da violência e da mentira e nos obriga a investir mais, muito mais, na luta (agôn) do amor (agápês).

7. Enfim, aí está hoje S. Paulo (1 Tessalonicenses 2,7-13) a recordar diante de nós, para que nunca mais esqueçamos e a implementemos, a sua metodologia de anunciador do Evangelho. Fala de Deus com particular afeto e proximidade, sobrepondo as metáforas da criança e da mãe, da dependência e pequenez e da dedicação condescendente (1 Ts 2,7). Apóstolos como crianças (népios), sem preconceitos ou prestígio a defender, que tudo recebem com simplicidade e alegria, e apóstolos como mães cheias de ternura, que se dão completamente aos seus filhos. Népios significa, à letra, «criança de peito», e, em sentido translato, «imaturo», «inocente», «dependente», que de per si, não tem nenhum valor. E trophós não significa exatamente «mãe», mas «ama-de-leite». Mas como é dito logo a seguir que acalenta os próprios filhos, então é uma «ama» que é mãe, uma mãe que amamenta, que se dá totalmente aos seus filhos. Evangelho total: o dom da salvação (euaggélion) e o dom da própria vida (psychê) (1 Ts 2,8). Não se pode dar o Evangelho sem dar a vida. O dom da vida não significa, neste contexto, disposição para o martírio estrito, mas condividir (metadoûnai) diariamente aquilo que constitui a vida: o tempo, as energias, a saúde. O tempo significa amor. Àqueles ou àquilo a que concedo tempo, concedo amor. É, portanto, fácil sabermos quem amamos ou o que amamos. Foi assim, de forma intensa, afetuosa, maternal, personificada, um-a-um, a tempo inteiro e de corpo inteiro, que Paulo transmitiu o Evangelho aos Tessalonicenses e em toda a parte.

8. O Salmo 131, em que o orante se diz assim: «Estou tranquilo e sereno/, como criança desmamada (gamûl),/ no colo da sua mãe;/ como criança desmamada,/ está em mim a minha alma», serve de fundamento maravilhoso a um dos mais belos fios de ouro da espiritualidade cristã, habitualmente denominado por «infância espiritual», o «pequeno caminho», «o permanecer pequeno», «o estar nos braços de Jesus», que Santa Teresinha do Menino Jesus exalta na sua «História de uma alma». Não se trata de uma quietude irracional e cega, semelhante à do recém-nascido, depois de ter mamado no seio da sua mãe. O texto fala de uma criança desmamada (gamul). E é sabido que, no Oriente, o desmame oficial acontecia tarde, pelos três anos, e dava origem a uma grande festa familiar (cf. Génesis 21,8; 1 Samuel 1,22-24). Também o famoso Padre Jesuíta francês, Léonce de Grandmaison (1868-1927), se segurava neste fio de ouro, e rezava assim: «Santa Maria, Mãe de Deus, conserva em mim um coração de criança, puro e transparente, como uma nascente».

9. Que anda por aqui um mundo novo, lá isso anda. Que entre ele em nós, e que entremos nele também.

António Couto



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