O fim do acesso coletivo à internet nas periferias: uma reflexão através da Economia de Francisco

A economia de Francisco é um grande encontro dos jovens com o Papa Francisco sobre os modelos económicos atuais e futuros. Este encontro, inicialmente pensado para o final de Março irá agora acontecer em Novembro e em Assis participarão 2000 jovens vindos de todo o mundo. Como forma de preparação para este encontro, o Papa Francisco propõe três princípios: que consigamos pensar numa economia de jovens para jovens; que criemos um modelo económico que regenere a terra e que os modelos económicos saídos de Assis tenham a força de incluir mais do que excluir.

É sobre este terceiro ponto – a questão da inclusão versus exclusão – que gostava de refletir neste texto. E sobretudo focar-me na questão dos modelos económicos que excluem os indivíduos e sobretudo os mais jovens do acesso à internet. Claro que a exclusão à internet pode parecer menos impactante que a exclusão social – que limita a subida social dos indivíduos ou a exclusão financeira – onde os ganhos financeiros são apenas distribuídos por muito poucos no topo da cadeia. No entanto a exclusão à internet foi neste momento acelerada pelas decisões drásticas que o mundo está a viver nestes momentos de pandemia e penso que está a causar bastantes assimetrias no país.

Deixem dar-vos um contexto para que este desafio que quero partilhar faça sentido. Pensem num concelho do interior de Portugal que tenha entre dez a quinze mil habitantes. O modelo económico atual já penaliza as pessoas deste concelho pois o acesso à tecnologia é bastante diferente das grandes cidades onde se concentram maior parte dos lucros das empresas. Apesar de existir internet, as velocidades nunca são tão altas como nas grandes cidades. Também o acesso a tecnologia é mais limitado pois o rendimento disponível não permite que as famílias tenham um computador de uso comum privilegiando-se ao acesso à internet por telemóvel.

Dados da PORDATA mostram que em Portugal 93% dos lares têm telemóvel enquanto apenas 66% têm um computador. Assim, e em resposta a este modelo económico que não inclui todos ao mesmo nível no acesso à internet, as crianças das famílias neste concelho juntam-se para ter acesso coletivo e comunitário à internet na escola e espaços de internet ou bibliotecas municipais que asseguram o necessário acesso ao melhor que a internet pode oferecer.

Mas o grande problema é que este acesso coletivo acabou. E as consequências são devastadoras. Em primeiro lugar os locais de acesso coletivo à internet eram espaços de convívio onde a tecnologia convivia com os outros desafios da localidade. O acesso coletivo permitia também uma aprendizagem social grande entre utentes sobretudo entre jovens a aprender uns dos outros, mas também a ensinar outras gerações numa relação especial entre jovens mentores e mentorados seniores. Mas provavelmente o maior impacto do fim da internet coletiva é na educação. Enquanto jovens de todo o país com acesso à internet em suas casas continuam o processo de aprendizagem através de sites específicos e gratuitos, jovens das periferias sem internet têm de interromper o seu processo educativo até que a pandemia termine dado que além da interrupção da internet coletiva vêm também a sua escola e biblioteca fechadas. 

 

Claro que se pode argumentar que os jovens da periferia podem substituir este acesso coletivo por um acesso individual através de internet móvel nos seus telemóveis. Mas será mesmo plausível esta opção? Em primeiro lugar, assume que os jovens e crianças destas e tantas outras periferias têm telemóveis com capacidade suficiente para aceder à internet. Esta capacidade de adquirir dados móveis tem um custo real que muitas famílias não conseguem suportar nestes tempos de incerteza. Também implica que numa família com vários irmãos existam alguns mais beneficiados que outros. Os que têm telemóvel podem ter acesso enquanto os outros não. Claramente criamos exclusão no acesso.

Que outras soluções temos? Olhando para este contexto através dos princípios da economia de Francisco, diria que a solução está na inversão total do modelo económico. O presente modelo económico assenta na ideia de que (uma) empresa(s) geograficamente distante pode tomar as melhores decisões para a população das periferias. Arrisco-me a dizer que tal não é possível pois dificilmente os gestores conseguem compreender a realidade local sem a terem experimentado ou vivido. Naturalmente os gestores dessa empresa vêm a realidade com os seus próprios olhos e assim têm dificuldade em imaginar um mundo onde a internet é coletiva e não individual. Mais, onde a internet não está disponível sempre e a qualquer hora. Mas na verdade o tempo de acesso à internet nas periferias é inferior pois as crianças e jovens têm muitas vezes de ajudar os pais nas tarefas domésticas.

A solução é possibilitar às periferias que façam a gestão de internet partilhada em espaços públicos e privados.     

 

Repito outra vez. Sim, a solução é permitir às periferias que tenham sobre a sua alçada a gestão de internet partilhada em espaços públicos e privados. Deixo-vos duas ideias. Porque não podem as juntas de freguesia adquirir routers potentes que partilhados com os seus utentes possibilitam que uma determinada área geográfica tenha internet. Isto permitiria que o acesso à internet partilhada em determinadas partes geográficas, um acesso coletivo e partilhado. Outra opção poderia ser permitir a famílias o acesso à internet em locais públicos e privados de referência (a escola, a mercearia do bairro e afins). Com cobertura suficiente como aquela que existe nas grandes cidades, esta opção poderia beneficiar as famílias em varias partes do seu passeio diário. O que estas ideias têm em comum é a possibilidade de dar acesso à internet de uma forma universal e coletiva com custos partilhados mais equitativamente por todos os atores que beneficiam desse acesso. Claro que neste momento isto é apenas um sonho, mas nesta pandemia arrisco-me a sonhar por um mundo físico e virtual mais equilibrado que seja inclusivo para com todos, especialmente os das periferias.

Ricardo Zózimo
Professor Auxiliar da Nova SBE



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