Lisboa: «A Igreja tem de alargar os espaços de encontro com Deus»

«Os Jovens descobrem Deus» encerrou «conferências de maio» em Lisboa

O Centro Nacional de Cultura acolheu hoje a última iniciativa do Centro de Reflexão Cristã num momento que contou com a participação de D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa, Alfredo Teixeira, antropólogo e João Valério, arquiteto e músico sob moderação de Guilherme d’Oliveira Martins, administrador da fundação Calouste Gulbenkian.

João Valério começou por apresentar, “a partir da minha própria experiência”, o modo como “as novas gerações e a sociedade olham para a transcendência”.

“Hoje podemos dizer que ‘as questões de Deus se apresentam plenas de superstição’ o que levanta vários desafios à Igreja numa juventude fragmentada em plena de contexto diversos”.

Para o músico é fundamental “dar resposta aos mais novos que estão dentro da Igreja e que não encontram aí respostas sólidas às suas questões” e a todos os que “procurando na igreja permanecem fora do arco da fé porque não ultrapassam pré-conceito que já traziam ao procurar a realidade eclesial”, explicitou.

Num mundo que considerou “acelerado” o arquiteto sustentou a necessidade da Igreja “criar espaços e tempos de silêncio, de verdadeiro encontro com Deus, os outros e consigo próprio” de modo a que os jovens “possam encontrar Cristo para lá das aparências que não lhes permite um acesso ao transcendente”.

Na mesma linha, e lembrando a carta do Papa aos jovens Guilherme d’Oliveira Martins desafiou a Igreja a “crescer em conjunto com os jovens para ser fermento na massa” e tornar-se “o espaço que nos permita o religar e reler que estão na base do étimo religio”.

Um mundo complexo, imprevisível, numa igreja que ainda ficciona a juventude

Presente na conferência Alfredo Teixeira, antropólogo e professor na Universidade Católica Portuguesa, explicitou as cinco tendências “de uma cultura que já não é a mesma do passado” e lamentou que na Igreja “os nossos discursos sobre os jovens sejam, muitas vezes, uma ficção” porque não entram “no modo como os jovens vivem e habitam a experiência humana”.

“Hoje torna-se cada vez mais difícil definir juventude. Hoje assistimos a um alargar da juventude, por razões diversas, e isso cria um espaço que podemos denominar de ‘cultura’”.

Para o antropólogo “as novas gerações introduziam alterações no modo de estar e ser na experiência social” em rutura “com os marcadores claros do passado que permitiam um caminho mais ou menos linear e uma passagem rápida pela juventude para a idade adulta”.

“Hoje o tempo que designamos de juventude passou a ser habitado por uma grande impressibilidade. As linguagens e as práticas jogam ludicamente com o incerto e tornam-no um lugar de vida”, apontou.

Apresentando dados sobre o estado dos valores na europa o antropólogo deu conta das tendências de construção social nas novas gerações:

“Lendo os estudos na europa percebemos como alguns lugares desta construção de valores são críticos em relação a uma descoberta de Deus mediada que se apresenta como aquela que transmite quem é Deus”.

De acordo com o autor do recente estudo sobre religiosidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos existem na europa “cinco tendências claras” que os jovens mais valorizam na sua experiência.

Hoje para os mais novos o valor da realização pessoal e a necessidade de construir em vez de receber algo pronto sobrepõem-se a qualquer outro na construção da experiência pessoal".

“Esta questão é fundamental para a experiência eclesial onde, não poucas vezes, as comunidades apresentam aos jovens produtos acabados como que a dizer «venham cá que temos isto para vos dar»”, sustentou.

Como segunda tendência Alfredo Teixeira apontou “o ceticismo” das “juventudes perante modelos de sociedade globais” e apontou este como o motivo que leva tantos jovens a “um certo desencanto com o futuro prometido e organizado das políticas, dos sindicatos ou mesmo das Igrejas”.

Como terceira tendência o especialista apontou toda uma geração “forte disponibilidade para a diversidade e tolerância onde se incorpora a experiência da viagem como um elemento fundamental da experiência de si e da construção do eu”.

O perigo dos nacionalismos e o despertar da ecologia como lugar da experiência cristã

Num conjunto de “culturas diversas” que caracterizam “as juventudes de hoje” existe, ainda, lugar, para “uma quinta tendência que sendo minoritária é crescente”.

“Quando observamos estudos europeus e colocamos, lado a lado, valores que dizem respeito à tradição, à obediência e os da liberdade individual percebemos que cresce entre os mais novos o número daqueles que aderem a um modo mais rígido como aquele que vemos na extrema direita”.

Esta situação não sendo nova” é sempre “um endurecer de posição fruto do medo e da vida na incerteza”, completou.

Para Alfredo Teixeira “não é possível dialogar com os jovens sem dialogar com estas culturas” e apontou, como futuro da realidade eclesial, a necessidade de “falar com eles de Deus a partir do Deus de Jesus Cristo” de um Deus que é hospitalidade que se diz nos gestos de Jesus que eles são sensíveis. Não o Deus do pai tutelar, mas sim o do Deus amigo” pois a amizade é lugar privilegiado de descoberta do mundo para os mais novos”.

O autor considerou, ainda, que “a integralidade do mundo, as questões ecológicas, tomam hoje um lugar interessante para viver a experiência cristã do dom e da dádiva. O diálogo passa por uma aprendizagem difícil da nossa forma de ler o mundo”:

“Precisamos de passar de um Deus necessário para um Deus desejável, no dizer de André Fossion”, completou.

Replicar e alargar experiências onde os jovens se sintam “os Homens e mulheres de hoje”

A última intervenção do painel de oradores esteve a cargo de D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de lisboa e membro da organização da Jornada Mundial da Juventude na cidade de Lisboa em 2022.

O prelado reforçou a ideia de que “mesmo que tenhamos juventudes que preferem o ‘artesanato’ ao pronto a vestir, ainda temos muitos que gostam dessa possibilidade”.

Abordando a temática a partir “experiência nas Jornadas Mundiais da Juventude” o prelado sustentou que é necessário que a Igreja alargue realidades como a dos escuteiros ou da missão país” porque são lugares “onde os jovens estão e fazem”.

“Se pedirmos a um grupo de jovens que venha para rezar o terço eles dizem-nos que não. Mas se lhes dissermos para vir ajudar a construir terços que vão ser enviados para algum lugar eles aparecem logo e, no final, até rezam o terço todos juntos”, gracejou.

“Temos de adaptar as nossas comunidades à Pessoa de cada um e não esperar que eles se adaptem a nós como se estivéssemos numa repartição em que os jovens vem e tem de se encaixar. Nós temos de nos adaptar a estas novas culturas”, disse.

Para isso D. Américo Aguiar pediu uma Igreja “capaz de estar atenta ao outro, à pessoa” pois “os jovens são sensíveis a isso. Quando mostramos que ser cristão é isso conseguimos cativar e eles conseguem descobrir Deus”, referiu.

No final o bispo auxiliar de Lisboa, e membro da organização da próxima Jornada Mundial da Juventude, afirmou “esperançoso de que os nossos jovens trilhem caminhos e nos ensinem fazer caminho com eles” de modo a que todos possamos mostrar o rosto de Cristo” como pediu o Papa João Paulo II.

As «conferências de maio» foram uma organização do Centro de Reflexão Cristã e analisaram o tema «Os jovens desafiados a transformar».

Educris|27.05.2019



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