Colômbia: «Não ceder ao clericalismo» nem «reduzir o Evangelho a um gnosticismo da moda»

Papa encontrou-se com os bispos da Conferência do Episcopado latino-Americano. Pediu maior atenção ao papel dos leigos e alertou para a tentação do clericalismo e da redução do Evangelho a um gnosticismo da moda.

Leia, o essencial da intervenção do Papa Francisco.

Queridos irmãos!

Obrigado por este encontro e pelas calorosas palavras de boas-vindas do Presidente da Conferência do Episcopado Latino-Americano. Se o programa da viagem não fosse tão denso, teria preferido encontrar-vos na sede do CELAM. Agradeço-vos a delicadeza de estardes aqui neste momento.

Agradeço o esforço que fazeis para transformar esta Conferência Episcopal Continental numa casa ao serviço da comunhão e da missão da Igreja na América Latina; num centro propulsor da consciência de discípulos e missionários; num ponto de referência vital para a compreensão e aprofundamento da catolicidade latino-americana, delineada gradualmente por este organismo de comunhão durante decénios de serviço. E considero propícia a ocasião para encorajar os recentes esforços tendentes a expressar esta solicitude colegial por meio do Fundo de Solidariedade da Igreja Latino-Americana.

Há quatro anos, no Rio de Janeiro, tive a oportunidade de vos falar sobre a herança pastoral de Aparecida, último evento sinodal da Igreja da América Latina e do Caribe. Então destacara a necessidade permanente de aprender com o seu método, baseado essencialmente na participação das Igrejas locais e em sintonia com os peregrinos que caminham em busca do rosto humilde de Deus, que quis manifestar-Se na Virgem pescada nas águas; método que se prolonga na missão continental que pretende ser, não a soma de iniciativas programáticas que enchem as agendas e também desperdiçam preciosas energias, mas o esforço por colocar a missão de Jesus no coração da própria Igreja, transformando-a em critério para medir a eficácia das estruturas, os resultados do trabalho, a fecundidade dos seus ministros e a alegria que são capazes de suscitar. Porque, sem alegria, não se atrai ninguém.

Detive-me então nas tentações, ainda presentes, da ideologização da mensagem evangélica, do funcionalismo eclesial e do clericalismo, porque em jogo está sempre a salvação que Cristo nos traz. Esta deve chegar ao coração do homem com a força de interpelar a sua liberdade, convidando-o a um êxodo permanente da sua autorreferencialidade para a comunhão com Deus e com os irmãos.

Deus, quando fala ao homem em Jesus, não o faz com um apelo vago como a um estranho, nem com uma convocação impessoal como faria um notário, nem mesmo com uma declaração de preceitos para cumprir como faz qualquer funcionário do sagrado. Deus fala com a voz inconfundível do Pai que se dirige ao filho, e respeita o seu mistério pois foi Ele que o formou com as suas próprias mãos e destinou à plenitude. O nosso maior desafio como Igreja é falar ao homem como porta-voz desta intimidade de Deus, que o considera um filho, mesmo quando este renega tal paternidade, porque, para Ele, somos sempre filhos reencontrados.

Por isso, não se pode reduzir o Evangelho a um programa ao serviço de um gnosticismo na moda, a um projeto de promoção social nem a uma visão da Igreja como burocracia que se autopromove; e a Igreja também não pode ser reduzida a uma organização dirigida, com modernos critérios empresariais, por uma casta clerical.

A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus; a Igreja é Mistério e Povo (cf. Lumen gentium, 5; 9), ou melhor dito: nela realiza-se o Mistério através do Povo de Deus.

Por isso, insisti sobre o discipulado missionário como uma chamada divina para este tempo de hoje, complexo e carregado de tensões, um permanente sair com Jesus para conhecer como e onde vive o Mestre. E, ao mesmo tempo que saímos na sua companhia, conhecemos a vontade do Pai, que sempre nos ouve. Só uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, que renunciou à pretensão de controlar o que não é obra sua mas de Deus, pode permanecer com Jesus, mesmo quando o seu ninho e refúgio é a cruz.

Proximidade e encontro são os instrumentos de Deus, que, em Cristo, Se aproximou e sempre nos encontrou. O mistério da Igreja é realizar-se como sacramento desta proximidade divina e como lugar permanente deste encontro. Daqui a necessidade da proximidade do Bispo a Deus, porque n’Ele está a fonte da liberdade e da força do coração do Pastor, bem como da proximidade ao Povo santo que lhe foi confiado. Nesta proximidade, a alma do apóstolo aprende a tornar palpável a paixão de Deus pelos seus filhos.

Aparecida é um tesouro, cuja descoberta ainda está incompleta. Tenho certeza de que cada um de vós descobre quanto a sua riqueza se enraizou nas Igrejas que trazeis no coração. Como os primeiros discípulos enviados por Jesus no seu projeto missionário, também nós podemos contar com entusiasmo tudo o que fizemos (cf. Mc 6, 30).

Mas é necessário estar atentos. As realidades indispensáveis da vida humana e da Igreja não são jamais um monumento, mas um património vivo. É muito mais cómodo transformá-las em recordações, de que se celebram os aniversários: 50 anos de Medellín, 20 de Ecclesia in America, 10 de Aparecida! Trata-se, porém, de algo diverso: salvaguardar e fazer fluir a riqueza desse património (pater munus) constituem o munus da nossa paternidade episcopal para com a Igreja do nosso Continente.

Bem sabeis que a renovada consciência, de que no início de tudo está sempre o encontro com Cristo vivo, exige que os discípulos cultivem a familiaridade com Ele; caso contrário, ofusca-se o rosto do Senhor, a missão perde força, retrocede a conversão pastoral. Assim, rezar e cultivar o relacionamento com Ele é a atividade mais improrrogável da nossa missão pastoral.

Aos seus discípulos, entusiasmados com a missão cumprida, Jesus dizia: «Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto» (Mc 6, 31). Nós precisamos ainda mais deste estar a sós com o Senhor, para reencontrar o coração da missão da Igreja na América Latina, nas circunstâncias atuais. Há tanta dispersão interior e também exterior! Os numerosos eventos, a fragmentação da realidade, a instantaneidade e a velocidade do presente poderiam fazer-nos cair na dispersão e no vazio. Reencontrar a unidade é um imperativo.

Onde se encontra a unidade? Sempre em Jesus. O que torna permanente a missão não é o entusiasmo que inflama o coração generoso do missionário, embora sempre necessário; mas sim a companhia de Jesus por meio do seu Espírito. Se em missão não sairmos com Ele, rapidamente perderemos o caminho, arriscando-nos a confundir as nossas vãs necessidades com a sua causa. Se a razão do nosso caminhar não é Ele, será fácil desanimar no meio da fadiga do caminho, perante a resistência dos destinatários da missão, face aos cenários mutáveis das circunstâncias que marcam a história, ou pelo cansaço dos pés devido ao desgaste insidioso causado pelo inimigo.

Não faz parte da missão ceder ao desânimo, quando porventura, passado o entusiasmo do início, chega o momento em que tocar a carne de Cristo se torna muito duro. Numa situação como esta, Jesus não acalenta os nossos medos. E, como sabemos muito bem que não há mais ninguém para quem possamos ir porque só Ele tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6, 68), consequentemente é necessário aprofundar a nossa vocação.

Indicações do Papa Francisco para a vida e missão da Igreja na Americana Latina

Tradução Educris a partir do texto em Italiano

Educris|08.09.2017

 



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