Braga: Sem educação para o diálogo entre religiões não haverá paz

Guilherme d’Oliveira Martins afirmou, em Braga, que é fundamental “haver um diálogo entre as religiões” e reafirmou a importância da “educação e do conhecimento para reconhecer a herança” apontando o “religioso como a possibilidade de religação e coesão” tão necessária para a construção social.

O administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian abordou o tema «o fenómeno religioso como identidade e cultura europeia» integrado nas XXIX Jornadas Teológicas de Braga, organizadas pela equipa da Revista Cenáculo, juntamente com a Associação de Estudantes da Faculdade de Teologia de Braga.

Na sua intervenção, do passado dia 23 de maio, o também presidente do Centro Nacional de Cultura começou por afirmar que "falard e fenómeno religioso como identidade europeia é estarmos a pôr o dedo na ferida".

Olhando para a radicalização do hoje europeu Guilherme d’Oliveira Martins deixou o alerta aos media pedindo-lhes "cuidado" no modo como expoem os atentados:

"Ainda hoje assistimos a um atentado de radicais em Manchester que matou tantas crianças. Penso que é fundamental que a comunicação social tenha cuidado com o modo como dá as noticias porque esta reivindicação tem muito que se lhe diga".

O jurista deu o exemplo do "Canadá onde é proibido filmar e apresentar em televisão “fogo vivo” porque é um país de florestas. Não está em causa a liberdade, mas a autorregulação tão importante nestes casos", sustentou.

Olhando para a situação atual convidou os presentes a escutarem Hans Kung que afirmou em tempos que «paz entre as nações terá que ser a paz entre as religiões».

Na urgência de "manter informadas as pessoas" Guilherme d’Oliveira Martins afirmou a ideia que é necessário formar para "o diálogo e o conhecimento":

"Ainda há dias ouvia um debate sobre questões religiosas numa rádio de grande audiência e os intervenientes mostravam, naquele momento e com as suas palavras, o seu desconhecimento total sobre o fenómeno".

Assim, e citando Jules Régis Debray, que apelidou de "grande nome da cultura europeia", o professor recordou as suas palavras, essenciais para a construção europeia:

"Para haver paz é preciso conhecermos, saber o que estamos a falar. Pormo-nos no lugar do outro, O diálogo religioso exige um conhecimento. Muitas vezes esse mesmo conhecimento não existe da própria religião que alguém diz representar", reforçou.

O vazio de referências como antecamera do vazio de valores

Guilherme d’Oliveira Martins recordou Umberto Eco, que antes de morrer ficou horrorizado ao ver que os seus netos não sabiam o significado do presépio:

"Apesar de agnóstico reconhecia que a falta de conhecimento relativamente a grandes referências da cultura significa a antecâmera do vazio de valores. Para haver valores, para haver a compreensão dos valores, que não são abstratos, são enraizados e concretos baseando-se no exemplo e no conhecimento", sustentou.

Para o professor catedrático é necessário recuperar a "palavra religião nas suas duas etimologias relegere e religare:

"Relegere a capacidade de reler, de refletir, de revisitar e simultaneamente religares, o elemento de coesão, de nos religarmos, no dizer de Paul Ricoeur: 'a solidariedade é muito importante mas acontece entre os sócios. O amor e caridade é entre os próximos'”.

"A grande pergunta é sempre a mesma: «quem é o teu irmão». É a pergunta feita a Caim: onde está o teu irmão. Esta pergunta é-nos feita todos os dias. Isso corresponde à realidade e simultaneamente é respondida pelo bom samaritano. Aquele que estava caído no meio da estrada e pelo qual todos passaram como se não estivesse ali".

Europa: O caminho do diálogo e da diversidade

Olhando para a europa e para o modo como se está a construir o continente no meio de tantas tensões, desempregos, e medo, Guilherme d’Oliveira Martins alertou para a necessidade de voltar ao "diálogo":

"Só há dialogo se estivermos disponíveis a ouvirmo-nos uns aos outros. Atualmente só vimos grandes monólogos. A questão fundamental hoje quando se discute se há choque de civilizações é preciso perceber que não havendo este choque devemos dialogar e conhecermo-nos" e aí entra "o debate religioso" que "não é proselitismo mas sim um debate sobre o fenómeno religioso, sobre este fenómeno que é relegere e religare, a compreensão".

O problema da memória e dos valores

Na parte final da sua intervenção o administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian avisou que urge recuperar "o ethos", esse lugar "onde se define o caracter e que tem a ver com as raízes":

"Temos de recuperar e conhecer as heranças de que somos feitos. Aquelas que nos tornaram no que somos e só assim poderemos almejar o futuro. A Europa construiu-se a partir de várias heranças e o papel do religioso volta a ser fundamental num claro momento d excesso de vazio valorativo marcadamente relativista".

"O hiper-racionalismo gera a irracionalidade. A escola de Frankfurt reflete sobre isto a propósito da 2ª guerra mundial e da solução final. A ausência desta capacidade de compreensão do outro. O outro é a outra metade de nós mesmos".

Imagem: Arquivo Educris



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