Vaticano: «Dei-me conta de ser sedento», a 3ª meditação
Na terceira meditação o padre Tolentino Mendonça afirmou o perigo de uma excessiva intelectualização da fé e lamentou o abandono da “riqueza do nosso mundo emocional”.
Na tarde de segunda-feira o vice-diretor da Universidade Católica Portuguesa prosseguiu as meditações com as quais o Papa e a Cúria Romana realizam os seus exercícios espirituais.
Partindo do “deficit de desejo” que afirmou existir nas igrejas, o padre e poeta português convidou os presentes a uma “autocritica eclesial”:
“Nós os batizados formamos uma comunidade de desejosos? Os cristãos têm sonhos? A Igreja é um laboratório do Espírito onde os nossos filhos e filhas profetizam, os nossos anciãos têm sonhos e os nossos jovens constroem novas visões, não somente religiosas?”, questionou citado pelo portal de notícias do Vaticano.
Para voltar a sentir sede é necessário “irrigar, fecundar, germinar” perdendo o medo “de reconhecer a nossa sede e o nosso ser sedento:
“Na meteorologia usamos uma tabela, o Índice de Palmer, para medir a intensidade da seca em seus vários estágios. E a intensidade da seca espiritual, como se mede?”, questionou.
O padre Tolentino Mendonça sustentou que a preocupação de intelectualizar em demasia a fé fez esquecer o mundo emocional:
“Intelectualizámos demasiadamente a fé. Construímos um fenomenal castelo de abstrações preocupando-nos mais com a credibilidade racional da experiência de fé do que com a sua credibilidade existencial, antropológica e afetiva”, afirmou.
“Ocupámo-nos mais da razão do que do sentimento. Deixamos para trás a riqueza do nosso mundo emocional”.
Para interpretar as várias sedes convidou à leitura de obras literárias, de grande utilidade ao caminho interior, afirmando que a “vida espiritual só progride quando é uma revisitação da existência na sua totalidade, em sua diversidade”:
“Escutar a própria sede é interpretar o desejo existente em nós. Desejo incessante da verdade, da beleza e da bondade que faltam”.
Consciente de que nem sempre é fácil distinguir “desejo de uma mera necessidade” o padre Tolentino Mendonça explicitou os conceitos:
“Não confundamos desejo com as necessidades. A necessidade é uma carência contingente do sujeito. O infinito do desejo é desejo de infinito”.
“Enquanto desejamos objetos, quaisquer que sejam; enquanto deixamos que o que nos move seja a busca das coisas, carreiras, títulos, honorificências, o nosso desejar não é ainda um verdadeiro desejar. O desejo genuíno tem início quando ele se formula, nem mais nem menos, como pura abertura ao outro”, apontou.
No final o padre e poeta apresentou a “sede de Deus” sustentando a necessidade “de talvez nós os cristãos, e em particular nós os pastores, devamos valorizar mais a espiritualidade da sede, mais que as estruturas. Devemos reconciliar-nos melhor com a nossa vulnerabilidade de modo a aceder ao desejo de ser reconhecidos e tocados por Jesus” e evitarmos “as tentações da autossuficiência e a autorreferência como nos explica o Papa Francisco”.