Audiência-geral: «Abençoados sejam os que morreram no Senhor»
Disponibilizamos, na íntegra, a catequese do Papa Francisco subordinada ao tema «Esperança Cristã - 37. Abençoados sejam os que morreram no Senhor», proferida nesta manhã de quarta-feira na praça de São Pedro, no Vaticano.
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de confrontar a esperança cristã com a realidade da morte, uma realidade que a nossa civilização tenta sempre apagar. Então, quando a morte vem, para aqueles que estão perto de nós ou para nós mesmos, encontra-nos sem qualquer preparação. Privados até de um ‘alfabeto’ adequado para esboçar algumas palavras com sentido à volta do seu mistério, que ainda permanece. No entanto, os primeiros sinais de civilização humana passaram por este enigma. Poderíamos dizer que o homem nasceu com o culto dos mortos.
Outras civilizações, antes da nossa, tiveram a coragem de olhar-lhe no rosto. Era uma realidade contada pelos mais velhos às novas gerações, como uma realidade inevitável que obrigava o homem a viver para algo absoluto. Diz-nos o Salmo 90: "Ensinai-nos a contar os nossos dias e a adquirir um coração sábio" (v. 12). Contar os próprios dias torna o coração sábio! Palavras que nos transportam a um realismo saudável, eliminando os delírios da omnipotência. O que somos? Nós somos "quase nada", afirma outro salmo (cf. 88, 48); os nossos dias passam rapidamente: vivemos quase até aos cem anos e, no final, parece-nos ter sido um sopro. Muitas vezes ouvi pessoas idosas a dizer: "A vida passou como um sopro...".
Deste modo a morte coloca a nu a nossa vida. Isso ajuda-nos a descobrir os nossos atos de orgulho, raiva e ódio como atos de vaidade: vaidade pura. Recordamo-nos, com certo lamento, que não amámos o bastante e que não procurámos suficientemente o essencial. E, ao contrário, vemos o que realmente bom semeamos: os afetos pelos quais nos sacrificamos, e que agora nos levam pela mão.
Jesus iluminou o mistério da nossa morte. Com o seu comportamento, autoriza-nos a sentir-nos pesarosos quando uma pessoa querida falece. Ele ficou «profundamente» perturbado diante do túmulo do amigo Lázaro, e «desatou a chorar» (Jo 11, 35). Nesta sua atitude sentimos Jesus muito próximo, nosso irmão. Ele chorou pelo seu amigo Lázaro. E então Jesus reza ao Pai, fonte da vida, e ordena a Lázaro que saia do sepulcro. E assim acontece. A esperança cristã alimenta-se nesta atitude que Jesus assume contra a morte humana: mesmo estando presente na criação, ela é contudo uma cicatriz que deturpa o desígnio de amor de Deus, e o Salvador quer curar-nos dela.
Outros evangelhos narram acerca de um pai que tem a filha muito doente, e dirige-se com fé a Jesus para que a salve (cf. Mc 5, 21-24.35-43). E não há figura mais comovedora do que a de um pai ou de uma mãe com um filho doente. E Jesus encaminha-se imediatamente com aquele homem, que se chamava Jairo. A um certo ponto chega alguém da casa de Jairo, dizendo que a menina morreu, e que não há mais necessidade de incomodar o Mestre. Mas Jesus diz a Jairo: «Não tenhas receio, crê somente» (Mc 5, 36). Jesus sabe que aquele homem sente a tentação de reagir com raiva e desespero, porque a menina morreu, e recomenda-lhe que preserve a pequena chama que está acesa no seu coração: a fé. «Não tenhas receio, crê somente». “Não receies, unicamente continua a manter acesa aquela chama!”. E depois, quando chegaram a casa, despertará a menina da morte e restituí-la-á viva aos seus entes queridos.
Jesus põe-nos neste “ápice” da fé. Ao choro de Marta pela morte do irmão Lázaro contrapõe a luz de um dogma: «Eu sou a Ressurreição e a Vida; quem crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim nunca morrerá. Crês tu nisto?» (Jo 11, 25-26). É o que Jesus repete a cada um de nós, todas as vezes que a morte vem arrancar o tecido da vida e dos afetos. Toda a nossa existência se joga aqui, entre a vertente da fé e o precipício do medo. Jesus diz: “Eu não sou a morte, eu sou a ressurreição e a vida, crês tu nisto?, crês tu nisto?”. Nós, que hoje estamos aqui na Praça, cremos nisto?
Todos somos pequeninos e indefesos diante do mistério da morte. Contudo, que graça se naquele momento guardarmos no coração a pequena chama da fé! Jesus guiar-nos-á pela mão, assim como guiou pela mão a filha de Jairo, e repetirá mais uma vez: “Talitá kum”, “Menina, levanta-te!” (Mc 5, 41). Di-lo-á a nós, a cada um de nós: “Levanta-te, ressurge!”. Agora, eu convido-vos a fechar os olhos e a pensar naquele momento: da nossa morte. Cada um de nós pense na própria morte, e imagine aquele momento que acontecerá, quando Jesus nos pegará na mão e nos disser: “Vem, vem comigo, levanta-te”. Terminará ali a esperança e será a realidade, a realidade da vida. Refleti bem: o próprio Jesus virá ter com cada um de nós e pegar-nos-á pela mão, com a sua ternura, a sua mansidão, o seu amor. E cada um repita no seu coração a palavra de Jesus: “Levanta-te, vem. Levanta-te, vem. Levanta-te, ressurge!”.
Esta é a nossa esperança diante da morte. Para quem crê, é uma porta que se abre de par em par; para quem duvida é uma brecha de luz que filtra por uma porta que não se fechou completamente. Mas será para todos nós uma graça, quando esta luz, do encontro com Jesus, nos iluminar.