Homilia do Papa no IV Dia Mundial dos Pobres

Francisco celebrou esta manhã a eucaristia na Basilica de São Pedro, no Vaticano, na presença de uma centena de pessoas. Na sua homilia o papa lembrou que "não serve para viver quem não vive para servir" e apeidou de fieis «banqueiros» das riquezas de Deus os pobres por neles "se encontra o próprio Cristo".

Leia,na íntegra e em Português, a homilia do Papa Francisco.

A parábola que hoje escutámos tem um início, um centro e um fim, que iluminam o início, o centro e o fim da nossa vida.

O início. Tudo começa com um grande bem: o senhor não guarda para si as suas riquezas, antes as dá aos servos; a um cinco, a outro dois, e outro um talento, «segundo a capacidade de cada um» (Mt 25,15). Calcula-se que um único talento correspondesse ao salário de cerca de vinte anos de trabalho: era um enorme bem, que em si mesmo quase bastava para uma vida inteira. Aqui está o início: também para nós tudo começou com a graça de Deus - tudo começa sempre com a graça, não com a nossa força - mas com a graça de Deus que é Pai e coloca tanto bem nas nossas mãos, confiando a cada um diferentes talentos. Somos portadores de uma grande riqueza, que não depende das muitas coisas que temos, mas do que somos: da vida recebida, do bem que há em nós, da beleza irreprimível com que Deus nos dotou, porque somos à sua imagem, cada um de nós é precioso aos seus olhos, cada um de nós é único e insubstituível na história! É assim que Deus olha para nós, é assim que Deus se sente.

Quanto é importante recordar isto: quantas vezes, olhando para a nossa vida, só vemos o que falta e reclamamos do que falta. Então cedemos à tentação do ‘talvez! ...’: talvez se eu tivesse aquele emprego, talvez eu tivesse aquela casa, talvez se eu tivesse dinheiro e sucesso, talvez eu não tivesse este problema, talvez se eu tivesse pessoas melhores ao meu redor! ..., mas a ilusão do ‘talvez’ impede-nos de ver o bem e faz-nos esquecer os talentos que temos. Sim, tu não tens isto, mas tem aquilo, e o ‘talvez’ faz-nos esquecer isso. Mas Deus confiou-os a nós porque conhece cada um de nós e sabe do que somos capazes; Confia em nós, apesar das nossas fragilidades. Também confia naquele servo que esconderá o talento: Deus espera que, apesar dos seus medos, também ele faça bom uso do que recebeu.

Em suma, o Senhor pede-nos que nos comprometamos no tempo presente sem nostalgia do passado, mas na diligente expectativa do seu retorno. Aquela triste nostalgia, funciona como um sorriso amarelo, um humor negro que envenena a alma e a coloca sempre a olhar para trás, sempre para os outros, nunca para as próprias mãos, para as oportunidades de trabalho que o Senhor nos deu, às nossas condições …, até mesmo à nossa pobreza.

Chegamos, assim, ao centro da parábola: é o trabalho dos servos, ou seja, o serviço. O serviço é também o nosso trabalho, aquele que faz os talentos darem frutos e dá sentido à vida: de facto, não serve para viver quem não vive para servir. É preciso repetir, repetir muitas vezes:  quem não vive para servir não serve para viver. Devemos meditar sobre isto: quem não vive para servir não serve para viver. Mas qual é o estilo do serviço? No Evangelho, os bons servos são aqueles que arriscam. Eles não permanecem cautelosos e vigilantes, não guardam o que receberam, mas usam-no. Porque o bem, se não é investido, perde-se; porque a grandeza da nossa vida não depende de quanto colocamos de lado, mas de quanto fruto produzimos. Quantas pessoas passam a vida a acumular, pensando mais em estar bem do que em fazer o bem. Mas como é vazia uma vida que apenas busca as suas necessidades, sem olhar para quem precisa! Se temos dons, devemos ser presentes para os outros. E aqui, irmãos e irmãs, perguntarmo-nos: procuro satisfazer somente as minhas necessidades, ou sou capaz de atender aos necessitados? A quem precisa? A minha mão é assim [abre-a] ou assim [fecha-a]?

Enfatiza-se então os servos que investem, que arriscam, porque são chamados, por quatro vezes, de «fiéis» (vv. 21.23). Para o Evangelho não há fidelidade sem risco. "Mas, padre, ser cristão significa correr riscos?" - “Sim, querido ou querido, arriscar. Se não arriscares, vais acabar como o terceiro [servo]: enterrando as capacidades, as suas riquezas espirituais e materiais, tudo”. Correndo riscos: não há fidelidade sem risco. Ser fiel a Deus é gastar a sua vida, é deixar reconverter os seus planos ao plano do serviço. "Tenho este plano, mas se eu precisar ...". Deixa que o plano mude, tu serve. É triste quando um cristão joga na defensiva, preocupando-se apenas em respeitar as regras e cumprir os mandamentos. Aqueles cristãos "moderados" que nunca fogem das regras, nunca, fazem-nos porque têm medo do risco. E estes, permita-me a imagem, estes que tem cuidado para não se arriscarem, estes iniciam na vida um processo de mumificação da alma, e terminam com múmias. Não basta, não é suficiente respeitar e cumprir as regras; a fidelidade a Jesus não é apenas não cometer erros, isto é negativo. Assim pensava o servo preguiçoso da parábola: destituído de iniciativa e criatividade, esconde-se atrás de um medo inútil e enterra o talento que recebeu. O mestre define-o até como "perverso" (v. 26).

Reparai. Ele não fez nada de errado! Mas também não fez também nada certo. Preferiu pecar por omissão em vez de se arriscar a cometer erros. Não foi fiel a Deus, que gosta de se gastar; e fez-lhe a pior ofensa: devolver o presente recebido. “Tu me deste isto, e a ti to devolvo”, nada mais. O Senhor, por outro lado, convida a envolver-nos com generosidade, a vencer o medo com a coragem do amor, a vencer a passividade que se torna cumplicidade. Hoje, nestes tempos de incerteza, nestes tempos de fragilidade, não desperdicemos as nossas vidas pensando apenas em nós próprios, com aquela atitude de indiferença. Não nos iludamos dizendo: "Há paz e segurança!" (1 Ts 5,3). São Paulo convida-nos a enfrentar a realidade, a não nos deixarmos contagiar pela indiferença.

Então como servir de acordo com a vontade de Deus? O mestre explica-o ao servo infiel: «Ao menos devias ter confiado o meu dinheiro aos banqueiros e, ao voltar, eu teria retirado o meu com juros» (v. 27). Quem são estes "banqueiros" para nós hoje, capazes de nos proporcionar juros duradouros? São os pobres. Não vos esqueçais: os pobres estão no centro do Evangelho; o Evangelho não pode ser compreendido sem os pobres. Os pobres têm a mesma personalidade de Jesus que, sendo rico, se aniquilou, se fez pobre, se fez pecado, a pior pobreza. Os pobres garantem-nos um juro eterno e já hoje nos permitem enriquecer no amor. Porque a maior pobreza a combater é a nossa pobreza de amor. A maior pobreza a combater é a nossa pobreza de amor. O livro de Provérbios elogia uma mulher apaixonada, cujo valor é mais alto do que as pérolas; e convida a imitar esta mulher que, diz o texto, «estende a mão aos pobres» (Pr 31,20): esta é a grande riqueza desta mulher. Estender a mão aos necessitados, em vez de exigir o que lhe falta: assim multiplicareis os talentos que recebestes.

Aproxima-se a época do Natal, a época das festas. Quantas vezes, a pergunta que muitas pessoas fazem é: “O que posso comprar? O que posso ter mais? Tenho que ir às lojas para comprar”. Digamos outra palavra: "O que posso dar aos outros?". Ser como Jesus, que se entregou e nasceu naquele presépio.

Chegamos assim ao final da parábola: haverá aqueles que terão fartura e aqueles que perderam a vida e permanecem pobres (cf. v. 29). Em suma, no final da vida, a realidade há-de revelar-se: a ficção do mundo se esvairá, segundo a qual o sucesso, poder e dinheiro dão sentido à existência, enquanto o amor, o que damos, surgirá como a verdadeira riqueza. Estas coisas vão cair, em vez disso o amor vai emergir. Um grande Padre da Igreja escreveu: «Assim acontece na vida: depois da morte e do espetáculo, todos tiram a máscara da riqueza e da pobreza e afastam-se deste mundo. Serão julgados apenas com base nas suas obras, alguns realmente ricos, outros pobres» (São João Crisóstomo, Discursos sobre o pobre Lázaro, II, 3). Se não queremos viver mal, peçamos a graça de ver Jesus nos pobres, de servir a Jesus nos pobres.

Gostaria de agradecer aos muitos servos fiéis de Deus, que não falam de si, mas vivem assim servindo. Penso, por exemplo, em Roberto Malgesini. Este padre não fez teorias; simplesmente viu Jesus nos pobres e o sentido da vida no serviço. Limpou as lágrimas suavemente, em nome de Deus que conforta. O início do seu dia foi a oração, para acolher o dom de Deus; o centro do dia é a caridade, para fazer frutificar o amor recebido; o final, um claro testemunho do Evangelho. Este homem compreendeu que devia estender a mão aos muitos pobres que encontrava diariamente, porque em cada um deles viu Jesus: Irmãos e irmãs, peçamos a graça de não sermos cristãos nas palavras, mas nas obras. Para dar frutos, como Jesus deseja.

Imagens: Vatican.va

Tradução Educris a partir do original em italiano

15.11.2020



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