Advento

Começamos no início de Dezembro mais um Advento, este tempo que a Igreja dedica a uma preparação mais cuidada do Natal que está aí a chegar. “Adventus” em latim quer aliás dizer isso mesmo, “chegada”. Todos conhecem a passagem de Saint-Exupery onde a Raposa se zanga com o Principezinho por ele ter chegado cedo demais, e assim não lhe ter dado tempo para um adequado “vestir o coração”. Essa é a mesma razão que leva a que este “tempo de espera” seja importante, pois é preciso tempo para arrumar a “casa interior”, e para alimentar o desejo de que o “Príncipe da Paz” nos traga a serenidade e a harmonia, a alegria e a atenção ao essencial que tantas vezes nos parece faltar.

Numa época onde tudo se faz e se vive depressa, esta “espera” pode na verdade parecer até nada natural. Uma vez feitas as compras e programados os jantares de família e as mini-férias de Ano Novo, porque não chega logo o Natal, porquê estas quatro semanas de “espera preparativa”? Estamos de facto pouco habituados a esperar, é algo que normalmente nos custa: o tempo “parado” é vivido como tempo “perdido”, que podia aproveitar-se para fazermos outras coisas. E nessa dificuldade acabamos por perder realidades essenciais da vida, pois há frutos que só o tempo gratuitamente vivido e partilhado pode dar: não há amizades profundas quando os tempos de estar juntos são todos medidos, nem amadurecimento sem o tempo necessário para “pensar nas coisas”; não há “desfrutar” sem a capacidade de criar dentro de nós tempo e espaço para a beleza de cada detalhe, e mesmo a obra de arte só pode surgir depois de lhe ter sido dado tempo gratuito, até que o “parto

criativo” aconteça. Este é afinal mais um dos paradoxos da existência: toda a espera de algo futuro, se for bem vivida, é para o presente que nos remete.

E é exactamente esta dificuldade de viver na atitude presente que uma “espera activa” implica, que acaba tantas vezes por nos condicionar a vida. Estamos constantemente à procura da “leitura absoluta” de tudo o que nos acontece, questionando sem parar as razões passadas e querendo garantir – às vezes até à angústia – todas as certezas futuras. E esquecemos que no fundo o tempo trabalha a nosso favor: só no final da vida teremos essa leitura global, e perceberemos o que cada acontecimento, positivo ou negativo, nos trouxe, como nos marcou, e a justeza e as consequências de cada uma das nossas respostas. No entretanto, o desafio é o de ir vivendo na confiança, e optando pelo caminho que em cada momento nos parece o certo, que nos dá paz e “sintonia interior” com a Presença que mesmo no Advento já intuímos. E esta “arte de viver no entretanto” (como lhe chama um companheiro jesuíta) é a que nos faz capaz de viver com verdadeira alegria o tempo presente. Porque, se for a ver bem, o que é que verdadeiramente ainda me falta, aqui e agora, para já ser feliz?

Filipe Martins, sj


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