Tudo o que disse?

A Joana andava radiante, tinha acabado de conhecer o Francisco, rapaz interessante, divertido, solteiro...com uma sensibilidade fora do normal para um rapaz daquela idade e era isso que mais a maravilhava nele. Percebeu imediatamente que seriam bons amigos. Foram-se encontrando, descobrindo gostos em comum, músicas, filmes, sítios... A Joana chegava a casa e contava à Maria o que se ia passando nestes encontros. As raparigas têm sempre de partilhar estas coisas.
A Maria ia lançando uns olhares indiscretos e umas “bocas” foleiras à mistura.
-Joana, desculpa lá...Ele dá-te flores, convida-te para passearem...hmmm isso cá p’ra mim...
-Achas?...Pois...Acho que nunca conheci nenhum rapaz que fosse assim tão próximo, a não ser o João, mas éramos namorados...
Na cabeça da Joana, o filme começou a passar. De facto, o Francisco era demasiado atencioso, demasiado carinhoso, demasiado… tudo… para quem não gosta para além da simples amizade. Ou seria só da sua imaginação?
Bem...Não interessa se há uma Joana, um Francisco...Acho que já todos estivemos na pele de um ou de outro. Do lado de quem dá esperanças ou daquele que fica na esperança de algo para além do que realmente acontece.
É importante reflectirmos sobre o tipo de leitura que fazemos dos gestos e das vidas que vão passando pela nossa. Se é uma leitura realista, ou cheia de especulações e grandes filmes. Se contemplo o mundo com um olhar de esperança, ou com a sagacidade perscrutadora de quem quer encontrar o erro, o defeito, o pecado.

Às vezes questiono-me, no meio da correria do meu dia, se os meus gestos dizem exactamente o que gostaria de transmitir ou pelo contrário dão asas a filmes, mal entendidos…
É difícil...O caminho entre o sentir, o expressar e o que é

recebido pelo outro, tem intervalos muito longos. Às vezes não digo o que sinto, outras digo mesmo o que não sinto; e mesmo quando acerto, há sempre a outra parte que pode não estar em sintonia e ouve a mesma letra, mas com uma melodia muito diferente.
Não deixo de ser emotiva, espontânea ou carinhosa por ponderar os meus gestos. Acho que a melhor solução passará pelo conhecimento e a verdade: o conhecimento profundo do que sinto e a verdade que coloco em tudo o que faço. E para isto é importante perceber o que de concreto faço para me tentar conhecer melhor ou se acabo por viver na superficialidade sem tentar ir mais fundo.
Reflicto sobre a importância que os meus gestos podem ter e da verdade que ponho neles?
Para ir apurando a minha sensibilidade a estes toques que dou e que vou recebendo ao longo do meu dia, ajuda-me muito o exame de consciência. Uma proposta de Sto. Inácio para uns minutos antes de adormecer, em que vejo, com Jesus, o filme do dia que passou. Actor principal: Eu; realizador: Ele. Um exercício que me ajuda a recordar e rezar o dia que passou e a projectar o meu dia seguinte, e o modo como gostaria de estar com esta ou aquela pessoa, nesta ou naquela situação em concreto.
E à noite, ao ver passar o filme do meu dia, rezo se seria capaz de assinar por baixo tudo o que fiz? Tudo o que disse?

Ana Sampaio Bahia


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