Deserto de jejum ou jejum de deserto?

Todos os anos ouvimos e lemos que a quaresma é um tempo de jejum, de deserto. Jesus retirou-se durante 40 dias para uma montanha desértica e durante esse tempo jejuava, meditava e orava sem cessar.
A quaresma é uma época litúrgica que é consagrada à conversão pessoal, que tem como objetivo a preparação para os grandes mistérios da nossa redenção.
O papa Bento XVI na sua mensagem quaresmal de 2009 ajuda-nos a enquadrar o jejum quer numa perspetiva histórica quer na sua atulidade.
Sua Santidade afirma que de facto a Quaresma traz à mente os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua missão pública.
Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. O jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia. Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus.
A prática fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. O jejum tem como sua finalidade

última ajudar cada um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de si a Deus.

Jesus fez um deserto de jejum preparando-se, através da oração e meditação, para aquilo que a tradição chama de vida pública. Hoje a nossa vida pública busca por um deserto de jejum.

O deserto é árido, rude, seco, hostil. Este ambiente convida-nos a vermos as nossas vias e as nossas ações.
Podemos imitar os nossos antepassados católicos e tornar a Quaresma mais do que apenas o sacrifício de um alimento de que gostamos: podemos tornar o deserto, com toda a sua aridez, o local a partir do qual vemos a nossa vida e as nossas ações. Espiritualmente o deserto é um vazio pujante de encontros: da vontade de Deus; do que nos, realmente, nos satisfaz; de análise pessoal e comunitária; o deserdo conduz-nos, inevitavelmente, ao paraíso eterno.
O deserto, escreveu o Papa Bento XVI, imagem que se opõe ao jardim, torna-se local de reconciliação e cura.

Coragem!. Só percorrendo o deserto é que alcançaremos, verdadeiramente, a reconciliação e a cura de tudo aquilo que nos afasta da amizade de Deus.

Bento Oliveira
Professor de EMRC


Artigos Relacionados: