Vaticano: Papa reza pelos novos mártires

 

 

O Papa Francisco reuniu-se com a Comunidade de Santo Egídio, na Ilha Tiberina, para rezar pelos "novos mártires". Na sua homilia o Santo Padre afirmou que os mártires não são heróis pois "os heróis fazem-se pela coragem e os mártires pelas graça".
Francisco comparou "os campos de refugiados" com "campos de concentração" e deixou um novo "ícone feminino" do martírio numa história que recordou da sua visita a Lesbos.
Leia, na íntegram a homilia com tradução a partir do original em italiano.

 

Viemos como peregrinos à basílica de São Bartolomeu na Ilha Tiberina, onde a história antiga do martírio se une à memória dos novos mártires, dos muitos cristãos mortos pelas ideologias insanas do século passado - e ainda hoje - e isto acontece só porque são discípulos de Jesus.

 

A memória destes heroicos testemunhos antigos e recentes confirma a consciência de que a Igreja é a Igreja se é a Igreja dos mártires. E os mártires são aqueles que, como nos recorda o livro do Apocalipse, "vêm da grande tribulação, e lavaram as suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro" (Ap 7,17). Eles tiveram a graça de confessar Jesus até o fim, até à morte. Eles sofrem, eles dão a vida, e nós receber a bênção de Deus pelo seu testemunho. E também há muitos mártires ocultos, aqueles homens e mulheres fiéis ao poder suave de amor, a voz do Espírito Santo, que na vida de cada dia tentam ajudar os seus irmãos e amar a Deus incondicionalmente.

 

Se estivermos atentos, na origem de toda a perseguição está o ódio: o ódio do príncipe deste mundo para aqueles que foram salvos e redimidos por Jesus com a sua morte e ressurreição. Na passagem do Evangelho que ouvimos (cf. Jo 15,12-19) Jesus usa uma palavra forte e assustadora: a palavra "ódio". Ele, que é o mestre do amor, que gostava tanto de falar de amor, fala sobre o ódio. Mas ele sempre quis chamar as coisas pelo seu nome. Ele diz-nos: "Não entrem em pânico! O mundo vai odiar-vos; mas tomai consciência de que antes de vós me odiou a mim”.

 

Jesus escolheu-nos e nos redimiu, através do dom gratuito do seu amor. Pela sua morte e ressurreição resgatou-nos do poder do mundo, do diabo, do poder do príncipe deste mundo. E a fonte de ódio é a seguinte: uma vez que são salvos por Jesus, e o príncipe deste mundo não quer, ele odeia-nos e desperta a perseguição, que desde os tempos de Jesus e da Igreja nascente até aos nossos dias. Quantas comunidades cristãs hoje são objeto de perseguição! Por quê? A causa está no ódio do espírito do mundo.

 

Quantas vezes, em momentos difíceis da história, fez sentido dizer-se: “Hoje, o país precisa de heróis”. O mártir pode ser pensado como um herói, mas o mais fundamental no mártir importante é que ele foi ‘agraciado’: é a graça de Deus, não a coragem, o que nos faz mártires. Hoje, da mesma forma pode perguntar-se: De que a Igreja precisa hoje?’. De mártires, de testemunhas, dos santos de todos os dias. Por que a Igreja avança com os santos. Os santos: sem eles, a Igreja não pode continuar a avançar. A Igreja precisa de santos todos os dias, aqueles da vida comum, vivida com coerência; mas também daqueles que têm a coragem de aceitar a graça de ser testemunhas até o fim, até à morte. Todos estes são o sangue vivo da Igreja. Eles são as testemunhas que levam para diante a Igreja; aqueles que atestam que Jesus ressuscitou, que Jesus está vivo, e o atestam com a coerência de vida e com a força do Espirito Santo que receberam como dom.

 

Gostaria, hoje, adicionar um ícone mais, nesta igreja. Uma mulher. Eu não sei o seu nome. Mas ela olha para nós lá do céu. Eu estava em Lesbos, a cumprimentar os refugiados e encontrei um homem na casa dos trinta anos, com três filhos. Ele olhou para mim e disse-me: ‘Padre, eu sou um muçulmano. A minha esposa era cristã. No nosso país, os terroristas vieram, e viram-na com o crucifixo, deram-lhe ordens que o atirasse ao chão. Ela recusou-se a fazê-lo e eles cortaram-lhe a garganta à minha frente. Nós amávamo-nos tanto!’. Este é o ícone que trago hoje aqui como um presente. Eu não sei se o homem ainda está em Lesbos ou conseguiu ir para outro lugar. Eu não sei se ele foi capaz de sair daquele campo, porque os campos de refugiados - muitos - são de concentração, para que as multidões de pessoas sejam deixadas lá. E as pessoas generosas que ali os recebem também tem mais este peso sobre si, porque os acordos internacionais parecem ser os direitos humanos mais importantes. E este homem não tinha rancor: ele, um muçulmano, tinha esta cruz de dor trazida para a frente sem rancor. Ele buscou refúgio no amor da sua esposa, agraciada pelo martírio.

 

Recordar estas testemunhas da fé e orar neste lugar é um grande presente. É um presente para a Comunidade de Santo Egídio, para a Igreja em Roma, para todas as comunidades cristãs da cidade, e tantos peregrinos. O legado vivo dos mártires dá-nos hoje a paz e a unidade. Eles ensinam-nos que, com o poder do amor, com mansidão, pode-se combater a prepotência, a violência, a guerra e pode-se realizar com paciência a paz. E agora podemos também rezar: Ó Senhor, faz-nos testemunhas dignas do Evangelho e do teu amor; Derrama a tua misericórdia sobre a humanidade; renova a tua Igreja, protege os cristãos perseguidos, conceda agora a paz a todo o mundo. A ti, Senhor, a glória e a nós, Senhor, a ignomínia (cf Dt 9,7).

Tradução: Educris

 

 



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