1. De há muito que seguimos Jesus no seu caminho para Jerusalém. No seu caminho, que é o nosso itinerário ou currículo de formação. É por isso que devemos pôr toda a atenção em tudo o que se passa. No episódio do Evangelho proclamado no Domingo passado (XXVII do Tempo Comum), Lucas 17,5-10, fomos nós que pedimos a Jesus: «Aumenta a nossa fé!» (Lucas 17,5). E Ele foi ao campo buscar a metáfora da semente pequenina e do serviço humilde e dedicado do servo que serve em tudo e sempre o seu Senhor.
2. No seguimento imediato, o Evangelho proclamado neste Domingo XXVIII do Tempo Comum, Lucas 17,11-19, continua a glosar a temática da fé, e põe diante de nós dez leprosos que empregam todas as suas forças para, com voz grande, se fazerem ouvir por Jesus. É a Jesus que dirigem o seu pedido, nestes termos: «Jesus, Mestre, Faz-nos Graça!» (Lucas 17,13). Aquele «Faz-nos Graça!» soa, no texto grego, eléêson hêmãs, cujo eco ainda hoje ressoa no nosso «Kýrie, eléêson» («Senhor, Faz Graça»). «Fazer Graça» é um dizer muito bíblico, que o pensamento ocidental desconhece, com que nós pedimos a Deus que, como uma mãe cheia de ternura, nos embale nos seus braços e olhe para nós com o seu olhar carregado de bondade maternal. Note-se, porém, que esta relação maternal, carinhosa e gratuita, não assenta em nenhum determinismo. Não é movida pelos laços do sangue ou beleza atraente ou simpatia, para o valor, de acordo com a pedagogia grega, mas é devida a todos, até aos inimigos e àqueles com quem não simpatizamos e excluímos das nossas relações, os pobres, o estrangeiro, o órfão, a viúva, os refugiados, os descartados, para o desvalor, de acordo com a pedagogia bíblica.
3. Note-se que os leprosos, devido à sua doença contagiosa, eram excluídos da sociedade, literalmente excomungados, e obrigados a andar longe dos povoados, não se podendo aproximar de ninguém. E, à vista de alguém, deviam gritar: «Impuro, impuro!», para que as pessoas se desviassem deles, de acordo com as prescrições que podemos ver no Livro do Levítico 13,45-46.
4. O Evangelho diz-nos que se trata de um grupo de dez leprosos, certamente judeus e samaritanos. Já sabemos que os judeus não se dão com os samaritanos (cf. João 4,9). Mas aqui, afinal, andam juntos uns e outros. É bem verdade que a doença, a miséria, a dor, o sofrimento juntam as pessoas, sem olhar a credos e raças! E o grito que lançam juntos a Jesus é igualmente estranho e significativo, dado que, no seu grito, chamam a Jesus “Mestre” (epistáta) (cf. Lucas 17,13), eles que têm necessidade de cura e não de ensinamentos, pois, ainda que o desejassem, nem sequer podiam ir à escola. Então é como se estes leprosos estivessem a pensar em nós, a fazer-nos compreender que Jesus veio sobretudo curar os males do espírito e iluminar o escuro dos corações, desfazer os preconceitos que toldam tantas vezes a nossa vida quotidiana!
6. O centro do episódio começa agora. Os holofotes do narrador põem em grande destaque um dos dez leprosos que, sentindo-se curado, interrompeu a sua viagem e voltou para trás, louvando a Deus com voz grande, e veio agradecer a Jesus, prostrando-se aos seus pés! O narrador informa-nos que era um samaritano (Lucas 17,15-16), portanto herético, estrangeiro, excluído, marginalizado, descartado, da região «daquele estúpido povo que habita em Siquém», para o dizer com as palavras de Ben-Sirá 50,26. É-nos permitido deduzir ainda que este samaritano se sente pobre e devedor a Deus pela graça concedida, enquanto que os restantes, talvez todos judeus, não sentiram tal necessidade, bem pelo contrário, porque o seu pensamento teológico os levava a pensar que era Deus que estava em dívida para com eles, e que, portanto, Jesus não terá feito mais do que devia!
7. Jesus louva a fé deste excluído, e deixa entender que a fé não consiste simplesmente em cumprir ordens, mas também em proclamar a boa nova da salvação, em reconhecer a graça recebida diante daquele que a concedeu, com uma voz tão grande como o grito com que antes se lha pediu. Esta voz nova de louvor e de alegria precede mesmo o cumprimento dos ritos de purificação, precede qualquer rito, interrompe qualquer viagem, passa à frente de qualquer negócio. É já a segunda vez que Lucas nos mostra um samaritano a interromper a sua viagem. A primeira vez foi naquela estrada que descia de Jerusalém para Jericó, quando um samaritano se debruçou por amor sobre um homem meio morto (cf. Lucas 10,33-34). O viajante mesmo é Jesus. O seu discípulo, atento e sensível, segue o Mestre, e, ao seguir o Mestre, corta estradas velhas, abre estradas novas! Parte sempre de Jesus, chega sempre a Jesus, princípio e meta de todo o seu caminhar discipular.
8. O contraponto musical vem naturalmente do sírio Naamã, que se vê curado da sua lepra seguindo as instruções do profeta Eliseu, a quem recorre (2 Reis 5,14-17). Na verdade, Naamã tem de se desfazer, primeiro, de todas as evidências e de todo o tom negocial e diplomático, tem de cair abaixo da sua importância, das suas vestes de gala, das grandes somas de dinheiro. Naamã tem apenas de aprender a colocar-se nas mãos de Deus, para renascer puro como uma criança (2 Reis 5,14). E uma criança apenas confia e recebe. Nada tem. No seguimento da história, somos levados a ver a ambição de Guiezi, servo de Eliseu, que fraudulentamente foi atrás dos bens de Naamã. Disse-lhe Eliseu: agora podes comprar vinhas e olivais, servos e servas, mas a lepra de Naamã se apegará a ti!
9. Deus é fiel e não pode dar o dito por não dito, diz Paulo a Timóteo (2,8-13), a quem incentiva a proclamar a Palavra de Deus. Paulo está preso. Mas a Palavra de Deus anda sempre à solta, e mais dia menos dia há de encontrar-nos, para nos salvar. Jesus veio, de facto, procurar e salvar o que estava perdido (Lucas 19,10). E aí estamos outra vez a fechar o círculo com o Evangelho de hoje na mão.
10. Levantar-se-á sempre, desde o santuário do nosso coração emocionado, o hino coral e universal, que é o belo Salmo 98. Tudo e todos são chamados a formar uma bela orquestra, que nunca deixe de cantar os louvores de Deus. Desde o Templo (harpa, cítara, shôphar) até à inteira criação: mar e terra, rios (que são os braços e as mãos do mar, e, por isso, batem palmas), montes e colinas. Cantai, pois, um cântico novo, que tenha a idade e a fidelidade do amor, ao Deus que vem para julgar, amando, e renovar, sempre amando e acariciando, a terra, às vezes dura, do nosso coração.
11. Kýrie, eléêson, faz-nos graça, Senhor, e dá-nos um coração samaritano.
António Couto