Domingo XV do Tempo Comum: « Excesso de meios, míngua de fins»

1. O Evangelho deste Domingo XV do Tempo Comum, que narra o envio em missão dos «Doze» (Marcos 6,7-13), situa-se estrategicamente entre a rejeição de Jesus na sua pátria (Marcos 6,1-6) e o martírio de João Batista (Marcos 6,14-29). O contexto é, pois, claro, intenso e dramático acerca do destino dos missionários: entre a rejeição e martírio. Mas este destino sai ainda acentuado se tivermos em conta que o martírio do João Batista (Marcos 6,14-29) está colocado entre o envio em missão dos «Doze» (Marcos 6,7-13) e o seu regresso (Marcos 6,30). Dado o contexto, não é possível evitar o entrelaçamento de destinos de Jesus, João Batista e os missionários. Em todos os casos, a rejeição e o martírio derivam do facto de as pessoas (nós) não acreditarem que a missão (claríssimo no caso de Jesus) provém de Deus!

2. Mas este envio em missão dos «Doze» também não pode deixar de ser visto no seguimento de Marcos 3,13-15, em que do cimo da montanha Jesus chama os que quer (fórmula de eleição), deles faz «Doze» (belíssima fórmula de criação), para estarem com Ele (fórmula de aliança e de assistência), e, finalmente, para Ele os enviar (fórmula de missão). Bem se vê que o texto deste Domingo torna operativo este último aspeto, sem anular, diminuir ou diluir aquele fortíssimo «estar com Ele». Na verdade, quando regressarem da missão, todos se reúnem à volta de Jesus (Marcos 6,30), que é assim apresentado como o marco e a referência fundamental da vida deles e da nossa.

3. Quer através dos verbos narrativos, quer dos elocutivos, fica claro que a iniciativa da missão dos «Doze» é de Jesus, que é o verdadeiro Senhor da missão: é Ele que chama para a missão, que envia em missão, que dá autoridade para o serviço da missão (Marcos 6,7-8), que define a leveza do equipamento (Marcos 6,8-10) e o comportamento a assumir no serviço da missão (Marcos 6,10-11). Note-se bem aquelas levíssimas recomendações negativas: nada para o caminho, nem pão, nem alforge, nem dinheiro (Marcos 6,8). É fácil de ver que estas disposições tornam os «Doze» mais pobres do que os destinatários a quem são enviados.

4. Este despojamento, ou empobrecimento, ou leveza, está na base da credibilidade da mensagem que devem transmitir. O narrador anota no final que os «Doze» cumpriram as diretivas de Jesus (Marcos 6,12-13). Bela maneira de testemunhar que o dizer de Jesus tem, sobre os missionários, carácter performativo: na verdade, não tendo nada de próprio para oferecer, limitam-se a desempenhar o encargo recebido e a transmitir a mensagem a eles confiada. O uso do verbo «anunciar» (kêrýssô), que significa transmitir, não a própria opinião, mas ser simplesmente arautos ou mensageiros transparentes do seu Senhor, define os «Doze» como completamente dependentes de Jesus. E a exiguidade do equipamento é para realçar a absoluta importância da mensagem, e que não se podem ocupar de nenhum outro negócio.

5. A lição do profeta Amós (7,12-15), que hoje temos também a graça de escutar, ilustra bem o Evangelho de hoje. Amós era provavelmente um importante criador de gado e agricultor bem sucedido ao serviço do grande rei Ozias (787-736), de Judá, grande amante da terra e que em muito desenvolveu a agricultura, como se pode ver na descrição do Cronista (2 Crónicas 26,10). Amós seria, como diz a maioria dos estudiosos de hoje, um alto funcionário agrícola de Ozias. Mas quando Deus «pegou» nele, também Amós se despiu da riqueza da sua vida regalada e bem sucedida, e foi para o Reino de Israel, do Sul para o Norte, equipado apenas com a mensagem que Deus o incumbiu de anunciar. Amós tinha, portanto, a sua profissão de agricultor e criador de gado, que lhe assegurava uma vida tranquila. Mas foi-lhe por Deus dada uma vocação e confiada uma missão. Nesse dia, acaba o profissional, o funcionário, e nasce o profeta. «Profeta» não é uma profissão, uma função ou uma herança. Não passa de pai para filho. É uma vocação e uma missão. E é a Palavra de Deus que, irrompendo sobre alguém, marca um final e um começo novo, constituindo-o profeta: «Não era profeta eu, nem filho de profeta eu, mas o Senhor…» (Amós 7,14-15).

6. Também São Paulo é modelo insigne de quem se sabe amado e escolhido por Deus desde a eternidade, desde antes de antes (Efésios 1,3-14). Por isso, não resmunga, mas exulta e exalta o único verdadeiro Senhor da sua vida, de quem dá a conhecer os desígnios da sua vontade, para que também nós o possamos servir e amar de coração inteiro.

7. João Batista, Jesus, os «Doze», Amós, Paulo, os missionários. São todos figuras em contracorrente de uma sociedade rica, insensível, anestesiada, dormente e indiferente. Porque sabe que é rica, é que se sente agora em crise! Estranha crise. Os textos de hoje ensinam-nos que a boa e verdadeira crise é desencadeada em nós pela Palavra de Deus. Só, de facto, Deus, Primeiro e Último, pode pôr em crise o segundo e penúltimo. Infelizmente, a crise que por aí anda parte do penúltimo e quer pôr em crise o Último. Edmund Pellegrino, médico e filósofo da medicina, recentemente falecido (2013), já nos advertiu seriamente que, na campo da medicina, há excesso de meios e míngua de fins. Mas podemos, sem medo de errar, alargar a análise de Edmund Pellegrino a todas as áreas da nossa sociedade de hoje, e dizer que vivemos na «noite do mundo», mergulhados numa cultura de excesso de meios e míngua de fins!

8. Escutemos, por isso, mais um pequeno extrato da Palavra pertinente do Profeta de hoje: «Eis que virão dias, oráculo do Senhor, em que enviarei a fome à terra; não fome de pão nem sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor. Cambalearão de um mar a outro mar, andarão errantes do norte até ao nascente, à procura da Palavra do Senhor, mas não a encontrarão» (Amós 8,11-12).

9. O Salmo 85 é um canto de júbilo pela restauração pós-exílica operada por Deus em favor do seu Povo maravilhado e agradecido. Com Deus, que vem viver e caminhar connosco, vem a paz, a justiça, a verdade, a fidelidade, a salvação, o bem. A nossa terra exulta. O nosso coração exulta. Mas também hoje podemos cantar esta ação maravilhosa de Deus, que sabe sempre renovar a nossa vida e a nossa história, mesmo quando, em pleno exílio, pouco vemos. O grande filósofo e místico hebreu, Abraham Joshua Heschel (1907-1972), já nos lembrava, há uns anos atrás, que «estamos a perder a capacidade de cantar». E o famoso poeta inglês John Milton (1608-1674) lerá assim os versos 9-14 do nosso Salmo 85 numa Ode natalícia, datada de 1629: «Sim, Fidelidade e Justiça, então,/ voltarão para junto dos homens,/ envoltas num arco-íris, e, gloriosamente vestida,/ a Bondade sentar-se-á no meio…/ E o céu, como para uma festa,/ escancarará as portas do seu palácio excelso». Em consonância com Isaías, que grita: «Destilai, céus, lá do alto, e que as nuvens façam chover a justiça, que se abra a terra e germine a salvação, e ao mesmo tempo faça brotar a justiça». E a assinatura: «Eu, o Senhor, criei isto!» (Isaías 45,8).

António Couto



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