Opinião: "Ciência e Religião", por Fernando J. Regateiro

Em bom rigor, nunca se deveriam ter gerado antagonismos entre a razão e da fé, nunca a ciência deveria ter entrado em competição com a transcendência, se tivesse prevalecido a razão clara. Mas não foi assim.

O homem vive, em simultâneo, múltiplas dimensões do seu existir: a dimensão animal e instintiva, na defesa da vida e da espécie; a dimensão relacional, na identificação como pessoa através do outro, na transmissão geracional da memória humana, no fruir dos afectos; a dimensão do imaterial e do simbólico, no mundo dos princípios e valores; e a dimensão transcendental, na procura da razão mais profunda do seu existir.

A vida humana inteligente criou a ciência como instrumento para a busca da fundamentação dos problemas, para investigar e perceber “como” se organiza o macro e o microcosmos, “como” somos feitos, “como” funcionamos. Contudo, a ciência não responde à questão do “porquê” da existência do universo, da vida e da vida humana, ao “porquê” das diferenças de valores, dos dilemas morais e da fé. A ciência não tem gerado evidência sobre as ultimidades da vida humana inteligente. Mas tem sido a ciência a gerar o lastro de conhecimento que tem permitido ao homem acrescentar mais bem-estar e qualidade ao seu viver e evoluir na destruição das grilhetas alienantes das superstições, dos misticismos e dos dogmas.

Em bom rigor, nunca se deveriam ter gerado antagonismos entre a razão e da fé, nunca a ciência deveria ter entrado em competição com a transcendência, se tivesse prevalecido a razão clara.

Mas não foi assim. A História mostra verdades científicas perseguidas por razões religiosas que devem ser lembradas para que o Homem corrija as bases do seu modo de julgar. Preste-se, para tal, homenagem ao frade dominicano Giordano Bruno (1548-1600), morto na fogueira, por ter defendido a visão de Copérnico – que a Terra anda à volta do Sol. Mas o geocentrismo, feito dogma religioso, cegava a razão clara. Pela mesma razão, ainda foi condenado Galileu, mas não supliciado.

Quatro séculos mais tarde, João Paulo II reabilitou Galileu e a visão da ciência “… a nova ciência, com os seus métodos e a liberdade de investigação que lhe é inerente, obrigava os teólogos a interrogarem-se sobre os seus próprios critérios de interpretação da Escritura. A maioria não o fez. Paradoxalmente, Galileu, crente sincero, mostrou maior perspicácia neste ponto do que os teólogos, seus adversários: “se a Escritura não pode errar, escreveu ele a Benedetto Castelli, alguns dos seus intérpretes e comentadores podem, e de diversas maneiras”.

Para a racionalidade humana, o “como” e o “porquê” serão duas faces da mesma moeda. Para João Paulo II, “a fé e a razão são como duas asas nas quais o espírito humano sobe para contemplar a verdade”.

Página 1, da Rádio Renascença, 31.10.2014
Fernando J. regateiro, Professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e regente da disciplina de Genética

Imagem: pormenor da fachada da Catedral de Salamanca



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